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Em tempos de pandemia, passámos seis horas na Unidade de Saúde Familiar Novos Horizontes

4 Novembro 2020
Jéssica Moás de Sá

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Jéssica Moás de Sá

4 Nov, 2020

Esquecer a COVID-19 é impossível, seja pela máscara que nos cobre o rosto, pelas linhas amarelas que mantêm a distância entre pessoas, ou pelos avisos à porta de qualquer estabelecimento com as normas preconizadas pela Direção-Geral da Saúde. Mas uma manhã na Unidade de Saúde Familiar Novos Horizontes (USF), no Juncal, fez-nos, pelo menos, lembrar que existem outras doenças e, mais importante, que lhes continua a ser dada a relevância a que obrigam. Este tem sido um facto muito questionado: estão as unidades de saúde a dar as respostas necessárias aos seus utentes? Foi isso que O Portomosense tentou descobrir.

O papel da secretária clínica

São 8 horas em ponto e Ângela Rego, assim como toda a equipa, já está no seu posto de trabalho, seu há 37 anos, sendo agora a mais antiga secretária clínica da USF. Hoje, este cargo, tem um papel mais ativo no funcionamento da unidade. É certo que as administrativas são e sempre foram a “porta de entrada” dos utentes, mas, agora com a COVID-19, têm também o papel de uma primeira triagem aos utentes.

O telefone não pára e as pessoas vão chegando sem pausa, mas cumprindo as distâncias e sempre de máscara. Ângela Rego já lhes conhece os nomes, pergunta pela família e sabe o motivo pelo qual estão ali. Agora, tem à sua frente dois formulários diferentes, um para “Atendimento Médico/Enfermagem” e outro para “Pedido Renovação Receituário”. Quando o doente chega ao centro de saúde ou liga, indica o motivo pelo qual está a abordar os serviços de saúde e é através dessa recolha de informação que Ângela Rego preenche estes formulários. Quando os utentes querem apenas pedir receituário, é preenchido o formulário respetivo e entregue, pela administrativa, ao médico, que «em um ou dois dias» passa a receita, que pode ser enviada por SMS (envio agora privilegiado) ou pode ser levantada no centro de saúde, algo que acontece sobretudo nos utentes mais velhos, com menos conhecimento das tecnologias. Quando, por exemplo, o utente tem algum tipo de dor, a administrativa recolhe a informação e passa também ao médico, que avalia se é necessário o agendamento de uma consulta presencial ou por telefone e a brevidade que é necessária. Antes da pandemia, a «marcação era direta na agenda do médico, sem triagem ao balcão», explica.

Em apenas uma hora que estivemos sentados ao lado de Ângela Rego, cerca de uma dezena de pessoas veio, por exemplo, recolher o receituário pedido e outros tantos, pedir nova medicação. A colaboradora prometia «passe cá daqui a um dia ou dois que estará pronto». Não há mãos a medir com tanto trabalho. A mesma opinião partilha Susana Vieira, que viajou do pólo da Calvaria para o do Juncal, para terminar um turno de 12 horas. Mas o maior problema que identificam, assim como a restante equipa, é mesmo o facto do centro de saúde, o do Juncal e também o de Pedreiras e Calvaria, terem apenas uma linha telefónica, impossibilitando que duas chamadas ocorram em simultâneo. Se a administrativa passar uma chamada, por exemplo, para o consultório do médico, não poderá receber outra de um utente. Este é um problema que está identificado pela equipa da USF há vários anos, e que, apontam os profissionais, poderia melhorar a eficácia de atendimento.

Os turnos e as Áreas Dedicadas aos Doentes Respiratórios

A médica, Tânia Pereira, guiou-nos nesta viagem pelas novas dinâmicas que a USF teve de implementar, para assegurar um serviço preparado para a COVID-19. Houve um reajuste das equipas que compõem os três pólos: «São três pólos, três equipas, dois médicos em cada pólo, também dois enfermeiros por cada, embora um esteja ausente por baixa, e cinco secretárias clínicas», explica. De momento estão a trabalhar um total de 16 colaboradores na USF, sendo que a sede do Juncal em concreto tem como médicos Tânia Pereira e Hugo Carvalho, as enfermeiras Liliana Cerejo e Lina Beato e as secretárias clínicas Ângela Rego e Susana Vieira. O pólo do Juncal é agora o único que está aberto todo o dia, entre as 8 e as 20 horas, para que as últimas horas do dia sejam destinadas à Área Dedicada aos Doentes Respiratórios (ADR), que veio dar lugar às Áreas Dedicadas à COVID-19. Os pólos das Pedreiras e da Calvaria trabalham entre as 8 e as 14 horas, com a equipa que lhe é respetiva. Os turnos de 12 horas na sede do Juncal são assegurados por todos os profissionais à vez, cada dia útil uma equipa diferente. Ou seja, cada médico, enfermeiro e secretário clínico faz o turno da manhã (6 horas) no centro de saúde onde habitualmente trabalha e vai completar as outras seis horas no Juncal, uma vez por semana. Estes turnos são essenciais para evitar que se cruzem profissionais de dois pólos distintos, garantido que se um funcionário se infetar num dos pólos, não obrigue a fechar as três unidades.

Neste dia, era a médica Tânia Pereira a fazer o turno de 12 horas e que por isso ia estar afeta à ADR. Cerca de 8 das 12 horas deste turno são dedicadas às funções normais de um médico de família. A primeira coisa que Tânia Pereira faz é consultar a agenda do dia, perceber que utentes vai consultar e o trabalho que tem pela frente. Faz-se valer de algumas plataformas, por exemplo de rastreios, permitindo perceber que tipo de exames podem estar em falta. «Por exemplo, eu vou procurar a listagem das senhoras que têm a citologia em atraso e agendo consulta», explica. Todo este trabalho está incluído no trabalho diário dos médicos, que além das consultas agendadas, vão monitorizando as diversas situações dos utentes e tratam do receituário.

Este mês começou o Programa de Vacinação Contra a Gripe, um trabalho que, segundo a enfermeira Liliana Cerejo, estaria muito mais adiantado se não fosse a COVID-19. «Agora, as vacinas têm de ser agendadas e antes, era comum o utente chegar e entrar diretamente para o consultório», explica. A 21 de outubro, já tinham sido dadas mais de 200 vacinas na USF, a maior parte em regime de domicilio e nos lares, às camadas prioritárias. Ao longo do dia foram muitos os utentes, principalmente com mais de 65 anos a inscrever-se para receber a vacina. O stock já tinha terminado, mas iriam chegar entretanto mais doses. A forma como os utentes devem proceder à inscrição é explicada no artigo abaixo intitulado Vacinação contra a gripe 2020/2021: Perguntas e respostas para responder às suas dúvidas.

Entre as 17 e as 18 horas, o médico e enfermeiro do dia afetos à ADR, começam a desenvolver este trabalho, tempo que vai sendo ajustado consoante necessidade. Como a maior parte dos doentes infetados ou em vigilância está em isolamento, sem necessidade de cuidados, a equipa acaba por não ter grande carga de trabalho na ADR, aproveitando para fazer outras tarefas diárias. Todos os doentes que apresentem sintomas de tosse, febre ou dificuldade respiratória, independentemente dos motivos e das condicionantes, ficam em isolamento e só se deslocam à ADR caso precisem de cuidados urgentes, sempre por ordem médica. Os doentes que ficam em isolamento entram para a plataforma de Trace Covid, ferramenta de acompanhamento, e os casos são encaminhados para a listagem da unidade de saúde a que pertencem. Assim, uma das tarefas diárias do clínico que está na ADR é também ligar aos utentes que estão em isolamento, pertencentes a esta USF, fazendo um ponto de situação do seu estado. Caso exista a necessidade de receber um doente na ADR, existe um espaço destinado ao efeito, sendo que a entrada é feita por uma porta diferente do acesso comum. Esta área é desinfetada todos os dias, sempre que é utilizada e os profissionais de saúde têm de usar Equipamento de Proteção Individual específico.

Se a limpeza da ADR está assegurada, o mesmo, não se pode dizer relativamente ao espaço do centro de saúde, sobretudo no Juncal, onde não há empregada de limpeza para todo o turno da manhã. Os profissionais lembram que, seguindo as normas da Direção-Geral da Saúde, a limpeza deveria ser constante, sempre que entravam e saíam do espaço utentes. Essa limpeza está, no entanto, a ser feita nos outros dois pólos, com horário matinal. Esse é um dos aspetos menos positivos que a equipa destaca.

Os profissionais da USF sentem que estão a conseguir manter um funcionamento quase normal no atendimento aos utentes. As consultas presenciais, que já são quase a maioria, acontecem desde junho, em contraste com outras unidades de saúde. Os utentes com os quais conseguimos falar, dizem sentir-se acompanhados e, mesmo que a um passo mais lento, têm conseguido marcar as consultas de que necessitam.

A Unidade de Saúde Familiar Novos Horizontes (USF) foi constituída a 3 de setembro de 2018, abrangendo os pólos do Juncal (sede), Pedreiras e Calvaria de Cima. É atualmente coordenada pela médica Joana Oliveira. Um dos objetivos da USF, agora de modelo A, é passar a ser de modelo B atribuído, segundo a página do Serviço Nacional de Saúde, a «equipas com maior amadurecimento organizacional onde o trabalho em equipa de saúde familiar seja uma prática efetiva e que estejam dispostas a aceitar um nível de contratualização de patamares de desempenho mais exigente».

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