Desde os 12 anos, momento em que Rita Correia teve a primeira menstruação, que vive com dores. Dores que a levam «a desmaiar, a vomitar», a ter que fazer visitas recorrentes ao hospital. Nem sempre recebeu o apoio necessário para perceber, mas as dores que sentia não eram normais. «Só comecei a perceber quando comecei a comparar com as minhas colegas, todos os meses tinha que faltar à escola e quase todos os meses tinha que ir ao hospital porque a medicação que tomava não fazia efeito, só a medicação dada na veia ajudava», relata a jovem de 31 anos. Inicialmente tinha dores «na zona dos ovários que se alastravam para as pernas» e a impossibilitavam de andar. Com o avançar da idade, por volta dos 15 anos, as dores tornaram-se mais fortes e propagaram-se para a zona dos rins e da lombar, levando então aos desmaios e vómitos.
«Na altura procurei um ginecologista que o que fez foi receitar-me uma pílula», conta. Rita Correia tomava a pílula, mas assim que a menstruação voltava, voltavam as dores. Esta foi a realidade até aos 18 anos, momento em que decidiu mudar de ginecologista em busca de respostas. «Voltaram a receitar-me uma pílula mas desta vez contínua para não ter a menstruação, ou seja, se eu só tinha dores quando tinha a menstruação, se não tivesse, acabavam as dores», explica. Esta “solução”, no entanto, não foi eterna. «Com 27 anos, as dores vinham mesmo sem eu ter o período, começaram de novo a ser horríveis», lembra. Rita Correia já desconfiava que sofria de endometriose e o regresso destas dores foi o impulso que lhe faltava para procurar um especialista na doença: «Foi detetado 15 anos depois».
O caminho até aqui foi frustrante. «Fui mudando de ginecologista em ginecologista, todos os meses ia ao hospital e era atendida por um diferente e todos diziam que eram dores normais, que todas as mulheres tinham», diz. Chegou a duvidar de si própria, porque além dos médicos, também à sua volta havia quem desvalorizasse a sua dor com comentários como “se calhar és mais sensível” ou “não precisas de faltar sempre à escola”. Em contexto escolar foi difícil «porque faltava mesmo muitas vezes», mas a nível familiar teve sempre uma retaguarda de apoio. «A minha mãe tentou sempre arranjar soluções, ela nunca tinha tido dores e sabia que as minhas não eram normais, foi através dela que investiguei e cheguei ao meu ginecologista atual», frisa.
Mas afinal o que é a endometriose e que complicações traz? «O útero tem um revestimento que é o endométrio. Na endometriose o que acontece é que um tecido semelhante localiza-se em zonas do nosso corpo onde não é suposto, na maioria das vezes na zona pélvica, ovários, rins, ureteres, até já foi encontrado no cérebro ou intestino», explica Rita Correia. É possível sofrer de endometriose e ser assintomática e o grau de gravidade [consoante o local onde está localizado] não tem correlação com o grau de dor. Entre os sintomas gerais que afetam as mulheres estão «dores fortes, sangue abundante, menstruações irregulares, inchaço abdominal, fadiga extrema, dores nas relações sexuais e, nos casos em que a endometriose esteja alojada nos ovários, pode causar a infertilidade». No caso da jovem, natural do Alqueidão da Serra, as dores fortes generalizadas foram durante muitos anos o principal sintoma, mas recentemente juntou mais um infortúnio: a “batalha” contra a infertilidade. Há um ano que tenta engravidar, mas até agora não conseguiu. «O médico diz que ainda é possível engravidar de forma espontânea, mas não é algo que esteja a acontecer», revela.
A endometriose «não tem cura», mas há muitos processos que ajudam, um dos quais as cirurgias para tirar o endométrio dos locais onde está alojado. Rita Correia já realizou uma cirurgia «muito extensa» em que retirou «11 nódulos». «Tinha endometriose no útero, ureteres, intestino, vagina, em muitos sítios, e adenomiose, uma espécie de endometriose no útero», especificou. «O facto de ainda querer ser mãe fez com que a cirurgia não tenha sido feita a 100 por cento, para que os meus ovários fossem preservados. Tive que fazer um tratamento antes para poder congelar os óvulos», explica, acrescentando que nestas cirurgias «há um risco gigante de perder alguns órgãos».
Se numa fase inicial foi um alívio ter «finalmente» um diagnóstico que justificasse as suas dores, ter um médico «que mais do que ver os exames, tenha ouvido a história» que tinha para contar, agora isso não chega. «Depois do alívio veio a questão “porquê a mim?” porque isto não tem cura, vou ter que tomar medicação para o resto da vida, não sei se vou conseguir ser mãe, influencia a minha vida social e profissional», confessa. Rita Correia tem dores «todos os dias» e apesar de durante algum tempo a cirurgia ter atenuado, «neste momento» tem dores quase tão fortes como antes, a diferença é que «conhece os sinais do corpo» e sabe lidar melhor com o que sente. O exercício físico, a dieta anti-inflamatória, a fisioterapia pélvica e o acompanhamento psicológico [com uma especialista na área da fertilidade] têm sido as “armas” de Rita Correia, além do namorado, família e amigos «que têm sido extraordinários» neste caminho.
Também no ambiente profissional, tem tido um apoio «incansável». É educadora de infância, «o trabalho com que sonhava» desde pequena. «Trabalhar com crianças por um lado é ótimo, ando sempre distraída, por outro, é um trabalho físico, falto algumas vezes, principalmente neste processo de fertilidade e quer eu esteja com dores, quer tenha que faltar, as minhas colegas assumem», salienta. Não nega que trabalhar com crianças traz à tona a sua luta pela maternidade. «À vezes questiono se algum dia vou ter uma criança, mas em 70% das vezes as crianças puxam-me para cima», afirma.