Realizou-se no passado dia 25 de fevereiro, nas instalações da Casa do Povo da Calvaria de Cima, a sessão de formação 3 Saberes, uma iniciativa «focada no envelhecimento e no reconhecimento do papel do idoso enquanto ser humano digno e ativo, que deve ser trabalhado para continuar integrado na sociedade». Organizado pela Clínica de Santa Marta, o encontro teve como objetivo «promover o envelhecimento ativo», «compreender o papel do idoso na sociedade», «reconhecer a importância do cuidador formal»; e «capacitar o comportamento durante a interação cuidador-idoso». A sessão, gratuita, foi dirigida a «todos os que dão assistência diária a idosos, em particular os profissionais da área da assistência domiciliária e em centros de dia, mas também aos familiares e amigos». À sessão compareceram dezenas de pessoas, na sua maioria funcionários da Casa do Povo mas também de outras instituições do concelho que foram intervindo e interagindo com a gerontóloga Rute Brás, a formadora responsável pela sessão. Esta foi a primeira de oito sessões de formação que irão ser dinamizadas nos próximos tempos pela Clínica de Santa Marta.
Os “3 Saberes” do envelhecimento
A sessão começou com uma pergunta simples lançada à audiência: «O que é um idoso?». A resposta surgiu de imediato: «É a idade, neste caso os 66 anos e dois meses que é quando passamos para a reforma. A partir do momento em que estamos reformados estamos idosos, é assim que a sociedade encara». Como o próprio nome indica – 3 Saberes –, a sessão pretendeu dar a conhecer os três tipos de saberes que existem dentro do envelhecimento: Saber Ser (saber o que é o envelhecimento e como este se processa); Saber Estar (reconhecer o papel do cuidador e melhorar a interação com o idoso); Saber Fazer (compreender o papel do idoso e realçar o papel do cuidador). Dentro do Saber Ser, deu-se nota das áreas em que o envelhecimento ocorre, havendo três tipos de envelhecimento: biológico, psicológico e social. O biológico acontece quando «as nossas células vão perdendo capacidades e começamos a diminuir a nossa capacidade de regenerar e de ser mais imunes a certos tipos de doenças e outras situações». O envelhecimento psicológico é quando começa a existir «esquecimento, repetição e, nalguns casos, demência». Rute Brás esclarece que, com o envelhecimento, as pessoas ficam com «uma personalidade mais vincada», o que quer dizer que «se uma pessoa sempre foi simpática, vai ser simpática o resto da vida, se era teimosa, vai ser cada vez mais teimosa». Já no que toca ao envelhecimento social, a gerontóloga lembra que, ao longo da vida, cada «comboio vai perdendo carruagens», primeiro a dos amigos de infância e depois dos colegas de trabalho. O que se pode fazer para inverter essa tendência? Rute Brás considera importante arranjar «novas carruagens» para preencher o seu comboio, para não ficar sozinho nem sentir a solidão.
Sendo certo que nenhum país do mundo terá capacidade para albergar todas as pessoas em instituições, quando estas atingem uma determinada idade e deixem de ter saúde para cuidar delas próprias, Rute Brás defende que é necessário capacitar as pessoas de instrumentos que permitam que estas sejam autónomas até ao máximo tempo de vida possível. É o chamado Envelhecimento Ativo, lançado pela Organização Mundial de Saúde, «para que as pessoas antes dos 66 anos começassem a pensar no seu envelhecimento» e «não chegassem à reforma e parassem de repente», o que, alerta, «traz consequências, sobretudo problemas psicológicos»: «Cada vez mais, o planeamento da reforma é um objetivo que se tem para diminuir a depressão». De forma a melhorar o envelhecimento, a população deve ter em conta três pilares: a saúde, a participação e a segurança. Assim, é fundamental a prática de desporto e realização de rastreios, é importante que as pessoas após a reforma continuem com os seus hobbies e ao nível da segurança é essencial que se previnam acidentes, como quedas.
O papel dos cuidadores
Numa sessão destinada a todos os que dão assistência diária a idosos, um dos pontos a abordar foi precisamente o seu papel. «O que é um cuidador?», começou por questionar Rute Brás, esclarecendo, de seguida, a diferença entre cuidador formal e informal. O cuidador formal é «quem cuida de alguém de forma remuneratória» e o cuidador informal é «quem cuida de alguém de forma voluntária». Durante este ponto foram reconhecidos os impactos negativos e positivos na tarefa de cuidar. Dentro dos impactos negativos, destaca-se «a saúde física e mental», havendo o testemunho de muitos cuidadores que se queixam do cansaço físico e psicológico a que estão sujeitos diariamente. Por outro lado, outro dos aspetos negativos de cuidar reflete-se nas relações familiares. «Chegamos a casa e não temos predisposição e quem é que leva com o nosso mau feitio? É quem está connosco em casa», reconhece a gerontóloga, alertando que isto leva a um «desgaste da relação». Dentro dos impactos negativos está também a «situação financeira», «a atividade profissional», «tempo livre e lazer» e «relações sociais». Tudo isto, avisa, leva a uma sobrecarga dos cuidadores o que pode provocar um burnout. Mas nem tudo são fatores maus e a verdade é que a tarefa de cuidar também envolve aspetos positivos. Rute Brás aponta alguns deles: «Manutenção da dignidade da pessoa idosa»; «ver a pessoa de quem cuida bem tratada e feliz»; «consciência de que se dá o melhor»; «oportunidade de expressão de amor e afeto»; «afastar a possibilidade de institucionalização»; e «oportunidade de crescimento e enriquecimento pessoal».
O idoso enquanto pessoa
A terceira e última parte da sessão teve o seu foco no papel do idoso, uma figura que com o passar dos anos passou a ser vista de forma diferente dentro da sociedade. «Antigamente o idoso era uma pessoa vista como “alto gabarito”, com status elevado, era um sábio», afirma a formadora. Porém, com a Revolução Industrial e consequente surgimento de mais pessoas, esta perceção mudou. Segundo Rute Brás, o idoso passou a ser visto de forma negativa, como «uma pessoa dependente, com défice mental e dependência económica» e, por isso, realça a necessidade de se combater esta visão. A gerontóloga defende que, independentemente do problema de que cada idoso possa padecer, em momento algum se deve utilizar o diminutivo: «Se a pessoa tem demência e se estamos a ser infantis ainda vai buscar mais essas recordações de infância e vão esquecer-se que são adultos. Estamos a fazer com que a pessoa fique pior cognitivamente», alerta, pedindo que se trate do idoso «como uma pessoa, como ela é, com as suas virtudes e defeitos». Rute Brás termina apelando aos cuidadores que se valorizem: «Se não houver cuidadores não há instituições. Vocês são o rosto da instituição», conclui.
Foto | Jéssica Silva