Estão as corporações do concelho preparadas para combater grandes incêndios na região?

20 Agosto 2023

Luís Vieira Cruz

Muitos hectares têm ardido de norte a sul do país nas últimas semanas. Incêndios perigosos têm obrigado ao corte de estradas, à evacuação de vilas e aldeias e à atuação em consonância de mais de um milhar de operacionais. Estes teatros de operações dantescos parecem já fazer parte da “tradição” dos meses mais quentes em Portugal, colocando à prova a resiliência de quem se encontra num frente a frente desigual com as chamas. Na última edição d’O Portomosense, as altas temperaturas que se faziam sentir foram o mote para um Especial sobre a missão do Centro de Meios Aéreos de Alcaria, mas com os incêndios que ultimamente têm assolado concelhos vizinhos surgiram algumas questões, como a que dá título a este peça, “Estão as corporações do concelho preparadas para grandes incêndios na região?”. A pergunta foi colocada de igual modo aos comandantes das associações humanitárias de bombeiros voluntários de Porto de Mós, Juncal e Mira de Aire.

Para o responsável máximo dos bombeiros da vila-sede do concelho, Elísio Pereira, «quando falamos de um grande incêndio, ninguém está totalmente preparado. O trabalho dos bombeiros passa pela capacitação diária para dar resposta àquelas que são as dimensões das ocorrências habituais, o que é mais habitual acontecer, e cabe aos meios de socorro em ataque inicial evitar que ele cresça. Mas acredito que estamos preparados para agir com rapidez e eficácia numa primeira intervenção, especialmente porque o nosso corpo de bombeiros conta atualmente com um efetivo composto por uma Equipa de Combate a Incêndios (ECIN) de cinco elementos, uma Equipa Logística de Apoio ao Combate (ELAC) de dois bombeiros e ainda pela Equipa de Intervenção Permanente (EIP), com mais cinco operacionais, além dos restantes elementos do quadro profissional e os voluntários que podem ser chamados para dar apoio».

Em linha com Elísio Pereira está também o comandante interino dos Bombeiros Voluntários do Juncal, Luís Santos: «Nós nunca sabemos se estamos preparados ou não, mas é óbvio que internamente há sempre uma preparação diferente, um planeamento para que tudo esteja mais ou menos acautelado. Neste momento o corpo de bombeiros do Juncal tem passado por uma fase de transição de algumas saídas e entradas de pessoal, e a maioria dos voluntários recém-entrados ainda necessita de passar pela formação inicial. Mesmo assim, estamos preparados mediante as nossas capacidades para o que puder acontecer. Nunca ninguém está preparado para atuar sozinho numa eventual calamidade ou numa situação mais gravosa, mas o Juncal, até aos dias de hoje, tem correspondido», vincou.

Também Hélder Gonçalves, comandante dos Bombeiros Voluntários de Mira de Aire, corrobora a opinião dos seus homólogos: «A nível interno e mesmo a nível municipal estamos prontos para um ataque inicial. Felizmente o concelho está dotado de uma grande capacidade de resposta, bastante musculada, até. No nosso caso, pese embora tenhamos um corpo ativo muito jovem, podemos considerar que uma das suas principais características é o facto de conseguir mobilizar-se em bloco, o que tem sido palpável nos últimos tempos com grandes ocorrências aqui à volta. Enquanto os carros estão fora, há sempre quem se disponibilize a ficar cá no quartel de prevenção ou a render os companheiros. No entanto, um grande incêndio, como por exemplo o que lavrou aqui no início dos anos 2000, nunca poderá ser combatido apenas por meios locais, daí a importância do Plano Municipal atualmente ativo que nos permite receber apoio de corporações de todo o país. Contudo, todos os incêndios começam pequenos e se houver uma resposta musculada durante o ataque inicial dificilmente teremos um incêndio que crie grandes razões de alarme, embora esta fase esteja também dependente do número de ignições ativas na região, já que os meios são finitos”, alertou.

Estão as viaturas preparadas para os desafios que os novos incêndios comportam?

Se as respostas à primeira questão pouca margem para dúvidas deixaram, o mesmo se pode dizer em relação à caracterização das frotas das três associações: todas têm viaturas de combate a incêndios rurais suficientes mas algumas delas começam a mostrar sinais de desgaste depois de tantos anos de serviço. Dada a conjuntura atual e os novos desafios inerentes a incêndios cada vez mais rápidos e violentos, muito devido ao abandono das atividades agrícolas, à reflorestação natural sem qualquer ordenamento das manchas florestais e também às alterações climáticas, a substituição dos veículos de combate por versões mais atualizadas obrigaria a investimentos incomportáveis para as associações.

Na ótica de Elísio Pereira, «uma frota tem que estar proporcionalmente ligada ao número efetivo de bombeiros de cada quartel», pelo que defende que «não vale a pena ter um parque cheio se depois não há homens nem mulheres para tripular os veículos ou para render as equipas que saíram numa primeira instância». Nesta corporação, garante, as viaturas cumprem as suas missões mas são antigas e, essencialmente, «lentas», característica que diz poder fazer toda a diferença nos dias de hoje. Para colmatar esta lacuna, seria necessário investir cerca de 200 mil euros num Veículo Florestal de Combate a Incêndios (VFCI): «Neste momento necessitamos de um pesado de combate com maior capacidade de água, melhor motor e mais atualizado».

Do lado de Mira de Aire, a história pouco muda. Hélder Gonçalves diz que ali «ninguém pode queixar-se em termos de quantidade », mas no que toca à qualidade «a idade avançada faz com que sejam precisas mais manutenções de certas viaturas». «Como é lógico, um veículo com alguma idade traz sempre alguns constrangimentos quer a nível de estrutura, quer a nível de segurança devido aos equipamentos com que estaria dotado na altura. Falta-nos um VFCI (tal como ao vizinho de Porto de Mós), mas o custo exorbitante faz-nos apostar em melhorias e atualizações constantes naquilo que já temos de forma a garantir a segurança, em primeiro lugar, e a operacionalidade, em segundo», explica.

Mais agradado com a sua frota está Luís Santos, que a considera atualizada e proporcional para executar missões dentro da sua área de intervenção. No entanto, há um défice a apontar, «o velhinho VTTU (Veículo Tanque Tático Urbano)», uma viatura utilizada no terreno para fins de abastecimento mas que se encontra «antiga, debilitada e cansada», pelo que já estão a ser desenvolvidos esforços para a substituir.

População pode dormir descansada

O quadro pintado pelos três comandantes não é perfeito, mas está longe de ser preocupante. O concelho está dotado de meios técnicos suficientes e ainda capazes de operar, mas a sua grande mais-valia são os seus próprios bombeiros, homens e mulheres dotados de formação, experiência e competência para atuar com a maior das eficácias nos mais diversos teatros de operações.

Instados a deixar uma mensagem aos munícipes, que consideram ser cada vez mais resiliente no que aos incêndios diz respeito, todos concordam que a população pode dormir descansada. «Se não estivéssemos preparados, eu não estava aqui. Não era comandante nem poderia assumir a responsabilidade por este corpo de bombeiros. Eu próprio não dormiria descansado. Mas posso garantir que a população tem bombeiros qualificados e capacitados para socorrer em qualquer evento que possa ocorrer», afirma Elísio Pereira. Reação idêntica tem também Luís Santos, que afirma que «é para isso que cá estamos. Graças a Deus, a população do Juncal e as populações adjacentes podem contar sempre connosco e posso mesmo garantir que este CB atua diariamente fora da sua área de intervenção, mas sempre com a mesma vontade de servir o outro e sempre com o mesmo profissionalismo». Do lado de Mira de Aire, Hélder Gonçalves dá de pronto o seu “sim” mas volta a apontar que a capacidade de resposta dependerá sempre de fatores externos como as características do terreno, do próprio incêndio, dos acessos, de fatores meteorológicos ou até da capacidade de resposta do sistema que está sempre dependente do número de ignições diárias.

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