Se Eurico Santos começasse a escrever um livro, as histórias que teria para contar seriam imensas. Nascido em São Bento, admite que a educação «era mesmo para quem tinha muita teimosia e muita força de vontade», e foi algo que sempre o motivou, chegando a fazer «os complementares de Mecanotecnia». Contudo, a história que Eurico nos traz revolve à volta do «exame da quarta classe».
Nascido há 64 anos, recorda que, nessa altura, «a estrada de Serro Ventoso – Chão das Pias não existia», apenas para os «carros de bois». Tendo em conta que este exame se realizou em Porto de Mós, a travessia era realizada «pela estrada velha de Alvados», Telhados Grandes. E de que forma era realizada esta viagem que trazia «professora, alguns pais, poucos, e os alunos»? Através da «camionete de caixa aberta do senhor Manuel Rito».
Eurico descreve que a estrada, na altura, «era horrível», mas a viagem não deixava de ser engraçada devido a dois motivos: aqueles que se encontravam na traseira iam «todos à solta, sem cadeirinhas, sem nada dessas coisas» e, devido às condições do que lhe chamemos estrada, quando desciam Alvados, «eram saltos lá dentro que nunca mais acabavam». Mas o destaque deste caminho é a viagem inversa. Devido ao facto de a carrinha ser muito fraquinha, tiveram «de apear», apenas retomando o transporte «lá no alto, a aparecer nos Telhados Grandes».
O percurso escolar de Eurico não foi o mais estável. Foram múltiplas as escolas em que andou, tendo começado «as três primeiras classes na escola das Fontainhas », escola essa que fechou porque «não tinha alunos». O ano seguinte foi passado em São Bento. Nessa altura, Eurico morava no Espinheiro, que «ficava a meio caminho entre as Fontainhas e São Bento», o que o obrigava a ir a pé. As viagens a pé foram uma constante e mantiveram-se no ano seguinte quando foi «para a telescola» em Mira de Aire. A viagem matinal de «quatro horazinhas» era feita na companhia da avó e de uma mula e, quando passavam por Alvados e Mira de Aire, a sua avó aproveitava e «vendia queijos e esses produtos da terra». Já a viagem da tarde era mais um passeio entre ele a mula até «ao alto da Serra de Santo António», onde o seu pai o esperava, fazendo com que conheça muito bem «aquela serrinha», como ele apelida entre risos.
A escola industrial de Alcanena foi o destino seguinte. Se no seu primeiro ficou «lá hospedado», os três anos seguintes foram marcados por múltiplas viagens: primeiramente a pé até à Junqueira, seguido de uma viagem de bicicleta até à Serra de Santo António e por fim «apanhava um autocarro ou uma boleia de um Senhor que trabalhava em Alcanena». A viagem de regresso era idêntica, chegando a casa «às nove da noite». A eletricidade só chegou a Espinheiro quando Eurico «já tinha 16», o que fazia com que os estudos se realizassem «à luz do candeeiro».
Por fim, foi para a escola industrial de Santarém que o acolheu, onde ficou hospedado «um ano no seminário» com uma «comunidade de estudantes» e os dois anos seguintes foram passados entre viagens de autocarro para o Cortiçal e a sua “motoreta”.
Foto | Samuel Ferreira