Há duas décadas que Glória Carreira é proprietária do café O Alcaide, situado numa das avenidas mais movimentadas da vila de Porto de Mós. Aos 57 anos, viu-se obrigada a fechar, de forma abrupta, as portas do seu “ganha pão” durante, o que lhe pareceram ser, 61 longos e intermináveis dias. «A minha fonte de rendimento morreu no dia 19 de março. Estive dois meses sem receber e, como eu, muita gente», enfatiza. Depois de semanas de grande instabilidade, o Governo anunciou o levantamento das medidas de restrição impostas devido à propagação da pandemia. No dia 18 de maio, arrancou a segunda fase do plano de desconfinamento que contemplou, entre outros setores, a reabertura de cafés. Mas o receio e a incerteza acabaram por marcar o regresso à nova realidade: «Reabri a casa com medo e sem saber o que aí vem. Há 20 anos, quando abri pela primeira vez, tive menos medo do que agora», recorda.
A reabertura foi sinónimo de limitações impostas pela Direção-Geral da Saúde (DGS). Uma das medidas foi a redução em 50% da lotação. Desta forma, O Alcaide que noutros tempos tinha capacidade para 60 lugares sentados, conta agora, apenas, com 30. Os bancos junto ao balcão foram retirados, mas em contrapartida hoje disponibiliza duas «mesinhas na rua» que Glória Carreira assegura que «servem de apoio para quem não tem máscara». Porém, não foi apenas a lotação do café que sofreu uma quebra. «As pessoas têm medo e, muitos, não têm dinheiro. Tenho trabalhado entre os 20 e os 30%. Não está fácil», afirma.
O momento da reabertura dos cafés esteve longe de ser um mar de rosas e a verdade é que na sua maioria, foi pautado por investimentos avultados. A desinfeção frequente dos espaços foi talvez a que mais pesou na carteira das empresas. «Ao nível de higienização é difícil porque são produtos caros que temos que pagar», admite. A proprietária adquiriu dois dispensadores de álcool gel, um para a entrada e o outro para junto da máquina de tabaco e três barreiras em acrílico, uma no balcão e as restantes estão em mesas que não conseguiu retirar.
Para conseguir reabrir respeitando as medidas impostas pela DGS também Luís Sampaio, de 33 anos, proprietário há seis anos do Café Olímpio, na Calvaria, foi obrigado a um «investimento bastante significativo». Encerrou ainda antes da entrada em vigor do Estado de Emergência, dia 13 de março, e assim permaneceu durante 32 dias. Voltou a abrir no dia 14 de abril para vender ao postigo. Desde então, o seu estabelecimento já consumiu «25 litros de álcool gel». A esse investimento, junta-se a aquisição de «acrílicos, fitas limitadoras, máscaras cirúrgicas e uma pedaleira com acesso a álcool gel».
O proprietário garante que segue as recomendações da DGS «de ponta a ponta» e dá o exemplo: «Todos nós utilizamos máscaras desde que entramos até que saímos e higienizamos as mãos constantemente», explica. As duas equipas chefiadas por Luís Sampaio estão atualmente a trabalhar em espelho, ou seja, cada funcionário trabalha uma semana e fica outra em casa. Um dos principais requisitos do selo Clean&Safe, do qual o Café Olímpio é portador, é a limpeza, que está a ser feita de forma quase exaustiva. «Sempre que um cliente se levanta, procedemos à desinfeção total de mesas, cadeiras, balcões e superfícies de trabalho», descreve.
Consumo reduzido ao mínimo
«Nota-se a falta de dinheiro, mas o maior problema disto tudo é a falta de confiança, porque as pessoas não sabem quanto tempo é que esta doença vai durar». A constatação é de Nadine Carreira, que há 23 anos está à frente do Café Central, em Porto de Mós e que no dia 16 de março encerrou o estabelecimento. Voltou a reabrir uma semana antes do dia 18 de maio, em regime de take-away, mas dessa semana não guarda as melhores memórias. «Foi horrível e uma experiência difícil, porque nós servíamos um cliente e tínhamos que lhe dizer para ir tomar o café lá fora», recorda.
Hoje em dia, Nadine Carreira, de 53 anos, garante que está a trabalhar a «meio gás» e que o «movimento é pouco». «O consumo das pessoas é o básico. É um café e já não há mais nada, nem um extrazinho», desabafa. Apesar da lotação máxima do estabelecimento ter passado para 35 pessoas, admite que «não tem sequer esse número no café».
Das medidas exigidas pelo Governo, a obrigatoriedade de utilização de máscara é a que lhe causa maior desconforto: «As pessoas não imaginam como é trabalhar durante várias horas com máscara, é um sufoco muito grande», conta. No entanto, Nadine Carreira recusa baixar os braços a esta adversidade: «A vida tem que continuar, tanto por causa da economia como da saúde mental. É preciso ter força e o que faço todos os dias é transmitir positivismo», afirma.
Uma situação diferente viveu Manuel Ascenso, proprietário do Café Central, no Juncal, há 47 anos. O facto de ser agente dos Jogos Santa Casa, permitiu que conseguisse manter aberto o estabelecimento, com horário limitado, para «a venda de café, única e exclusivamente». Durante esse tempo beneficiou com o encerramento quase geral: «Era o único café aberto, até vinham pessoas de fora», garante. Agora, com a reabertura de outros espaços, a procura decresceu, como se verifica na caixa ao final do dia. «Isto veio realçar muito a falta de dinheiro. Se antes fazia uma caixa de 100 ou 200 euros, hoje faço de 40 ou 50», refere.
Na opinião de Manuel Ascenso, está a existir «uma abertura muito grande de confiança», uma atitude que pode ser justificada com o facto de não haver casos no Juncal. Por outro lado, há quem tenha dificuldade em acatar as regras impostas pela DGS, nomeadamente a obrigatoriedade de uso de máscara. «Tenho tido problemas com certos clientes, uns porque usam óculos, outros porque não respiram perfeitamente e tem sido complicado», confessa.