Numa altura em que as taxas de juro de referência na zona euro continuam a subir e, em consequência disso, também a Euribor, estivemos à conversa com dois portomosenses para perceber como é que a sua família está a lidar com o aumento das prestações do crédito à habitação.
Paulo Ferraz, 32 anos, residente na Corredoura, completa no próximo mês um ano de casado e já tem no valor da prestação da casa uma boa dor de cabeça. Apesar do casal ainda não ter filhos, assume que o aumento da prestação da casa tem um impacto bastante grande no orçamento familiar. «Quando fizemos o empréstimo, fizemo-lo em condições muito boas porque a Euribor ainda estava negativa, embora tivéssemos a noção que isso não duraria para sempre. Agora, num cenário de inflação bastante alta e com as taxas Euribor a atingir máximos históricos, resta-nos enquadrar os custos a essa mesma realidade, tendo sempre em vista que queremos poupar o máximo possível, pois não perdemos de vista o objetivo de ter filhos», diz.
Noutro ponto do concelho, na Portela de Vale de Espinho, reside Manuel Fernandes, 49 anos, pai de dois jovens adolescentes, casado há 22 anos e com uma sólida carreira profissional. Os pontos em comum com Paulo Ferraz são poucos a este nível, exceto numa coisa: a preocupação com o aumento da prestação do crédito à habitação. «Passámos de, aproximadamente, 500 euros para 600, portanto, com o aumento da taxa de juro perdemos cento e poucos euros o que, como é óbvio, faz mossa na nossa vida», reconhece.
Paulo faz outras contas mas o resultado é o mesmo: «Comprámos a casa em julho de 2021 quando as taxas da Euribor ainda estavam no negativo (a nossa, a 12 meses, estava nos -0,491%). No final do primeiro ano de prestações já sentimos a diferença (estava nos +0,992%, o que equivalia a mais 70 euros por mês). Este ano, vamos sentir “à séria” o peso da prestação no nosso orçamento familiar (a taxa está agora nos 4,19%, o que se traduzirá num aumento de cerca de 170 euros). Ou seja, desde que comprámos a casa, a prestação mensal duplicou (240 euros a mais mensalmente)», sublinha o jovem.
Soluções procuram-se
Poupar passou a ser ainda mais a regra para estas duas famílias e cada uma por si procura estratégias para minimizar os impactos deste aumento. Uma das primeiras coisas que Paulo Ferraz e a esposa vão fazer quando este mês a prestação se alterar, será candidatarem-se à bonificação mensal dos juros, uma das medidas do pacote Mais Habitação, aprovado pelo Governo, que visa ajudar as famílias a enfrentar o aumento da prestação do crédito à habitação. Esta bonificação aplica-se sempre que tenha havido um aumento das taxas de juro Euribor em mais de 3% face ao juro contratualizado e, entre outros requisitos, também às famílias com uma taxa de esforço superior a 35%. Há oito critérios bastante apertados para ultrapassar, de forma a conseguir-se o apoio estatal, mas desistir, à partida, não faz parte do feitio de nenhum dos elementos do casal.
A estratégia de Manuel Fernandes e esposa passa pela reestruturação do crédito não ao nível da dívida mas da taxa de juro, um passo dado há escassos meses e que lhes trouxe, pelo menos, a “previsibilidade” quanto aos custos mensais fixos que passam a ter. «Até há pouco tínhamos taxa de juro variável, agora é fixa a um ano, portanto, pelo menos durante este período sabemos sempre o valor que vamos pagar todos os meses, porque aumentando ou diminuindo a taxa de juro, o valor é sempre o mesmo», explica. «Há famílias que estavam a pagar, por exemplo, 300 e poucos euros e que agora já vão quase nos 600. Felizmente não é o nosso caso, mas para evitar que isso acontecesse optámos por fixar o valor. Ao fim de um ano faz-se a revisão para cima ou para baixo. Poderá não ser solução para todos, mas é aquela que no nosso caso mais nos convém», reforça.
E se as dificuldades trazidas pelo significativo aumento das taxas de juro não fossem já suficientes, as famílias lutam ainda com outra adversária de grande peso: a inflação. O aumento é, aliás, a ferramenta que o Banco Central Europeu encontrou para tentar diminuir o consumo e com isso trazer a taxa de inflação na zona euro, de 6 para 2%, algo que dizem os entendidos, se for conseguido, nunca será antes de 2025, pelo que, de uma forma ou de outra, quem paga a fatura são os mesmos de sempre.
Inflação ainda complica mais
E por falar de fatura, tanto Paulo como Manuel reconhecem que a que trazem do supermercado é cada vez mais “pesada”, o que constitui uma dificuldade acrescida. «Os produtos estão todos mais caros e a “inflação zero” de alguns produtos essenciais pouco ou nada ajudou», afirma Paulo Ferraz. «Pagar a renda de casa está cada vez mais caro, os combustíveis estão caríssimos. A única coisa que não aumentou de forma generalizada e suficiente foram os salários. Sinto que todos estão a ganhar com a atual situação exceto nós, os trabalhadores por conta de outrém», frisa em jeito de lamento, reconhecendo que no caso da sua família ainda «não se chegou a um ponto em que não se consiga poupar alguma coisa», mas o [atual] contexto é muito difícil».
Manuel Fernandes mostra-se grato por a sua entidade patronal ter condições financeiras e sensibilidade social para conceder aumentos salariais acima da taxa de inflação, o que lhe permite não ter perda de poder de compra, no entanto, na altura de ir às compras o casal tem um cuidado acrescido com aquilo que coloca no carrinho, reconhece. «Sentimos todos os dias no supermercado que os preços subiram de uma forma galopante, e por isso, somos mais seletivos naquilo que trazemos para casa porque ao final do mês o dinheiro que sobra é cada vez menos, daí também a nossa preocupação em fixarmos a taxa de juro do crédito à habitação para sabermos com o que contamos», conclui.
Portugueses compram casas mais baratas e pedem menos capital
Com os juros de crédito à habitação em alta e a inflação a seguir o mesmo caminho, os portugueses continuam a comprar casa, mas fazem-no de uma forma algo diferente do que faziam há um ano. Esta é a conclusão a que se chega numa análise ao mais recente relatório trimestral do Idealista/ crédito habitação em Portugal.
Os dados revelam que os portugueses estão a comprar casas mais baratas, pedem menos capital aos bancos e começam a optar pela taxa mista, que tem estado a ganhar terreno à taxa variável no último ano.
O preço médio de compra de casa no segundo trimestre foi de 208.661 euros, menos 15% face ao mesmo período de 2022. Já a compra de primeira habitação correspondeu ao valor médio de 219.607 euros; 5,9% inferior ao registado no mesmo período de 2022.
Segundo o mesmo relatório, o valor médio dos créditos habitação formalizados foi de 140.138 euros no segundo semestre deste ano, valor 21% inferior ao registado um ano antes. Na aquisição da primeira habitação o valor médio financiado foi de 148.238 euros, o que corresponde a uma descida de 17,8% num ano. Os créditos habitação à taxa mista (que combina uma taxa de juro fixa durante os primeiros anos e uma taxa variável para o restante prazo) alcançaram 25% do total de créditos habitação contratados, quando um ano antes estava em, apenas, 12 por cento.
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