Nas últimas semanas, O Portomosense recebeu várias denúncias sobre cavalos alegadamente abandonados, maltratados e desnutridos que estariam no Espaço Plena Natureza, um antigo centro hípico, nas Pedreiras, e que visavam o proprietário, o atual presidente da Junta de Freguesia das Pedreiras, Pedro Pragosa. Depois de ouvidos os depoimentos de cada um dos testemunhos que, por medo de represálias, preferiram manter o anonimato, O Portomosense contactou Pedro Pragosa, no sentido de perceber qual a sua versão sobre as acusações de que era alvo, que se apressou a desmentir e garantiu ter provas que corroboravam isso mesmo.
Após pelo menos duas pessoas terem dito que já tinham sido feitas denúncias às entidades competentes, O Portomosense pediu esclarecimentos à GNR, através do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), e à Direção-Geral de Alimentação Veterinária (DGAV) sobre se, efetivamente, tinham recebido alguma queixa sobre a questão em causa e, por outro lado, se esta era uma situação que já estivesse sinalizada. Em resposta, a GNR, através do Tenente-Coronel Miguel Dos Santos Rosa, garante «não ter registo de qualquer denúncia respeitante a alegados maus tratos a equídeos». Na mesma resposta enviada a 26 de junho, a força de segurança acrescenta que, posteriormente, foi feita uma ação de fiscalização ao local, através da qual os elementos do Núcleo de Proteção Ambiental de Leiria «verificaram que os animais se encontravam bem nutridos, bem cuidados e com condições de alojamento (boxes) apropriadas. Os equídeos encontram-se devidamente registados e possuem a documentação legalmente exigível». Também a DGAV, através da Chefe de Divisão de Leiria, Ana Sousa, numa resposta enviada no passado dia 28, nega ter conhecimento de qualquer queixa: «Não foi reportada nem deu entrada na DGAV qualquer queixa/denúncia sobre a ocorrência de maus-tratos em equídeos neste local».
As acusações
Maria, nome fictício, começou a aperceber-se do estado de «degradação» do antigo Centro Hípico durante a pandemia quando caminhava regularmente junto ao local, uma zona rodeada por Natureza, perto do Parque de Campismo das Pedreiras, atualmente encerrado. Foi a partir dessa altura que começou a pensar que «o espaço estaria abandonado» e, por isso, confessa ter ficado «chocada» quando, numa dessas vezes, viu que «os cavalos continuavam lá». Hoje em dia, Maria continua a passar esporadicamente junto ao local, embora admita que por considerar tratar-se de cenário «tão degradante» lhe custe fazê-lo. «Os cavalos estão lá a passar fome, a morrer, cheios de carraças. Aqueles cavalos estão assim há cerca de dois anos, às vezes mais bem tratados, outras mais maltratados», conta, mostrando-se indignada com a passividade das pessoas perante uma situação que «está à vista de toda a gente»: «Como é que ninguém vê aquilo? Nas Pedreiras tenho a certeza que toda a gente vê, sabe e comenta que aquilo está assim mas ninguém faz nada». «É um desespero. Os animais estão a passar mal. É uma coisa que dura há tanto tempo e não há maneira de dar volta à situação», lamenta.
Ana, nome fictício de outra das testemunhas, relata-nos o que viu quando um dia foi passear em redor do Moinho das Pedreiras e passou junto ao Centro Hípico. «Deparámo-nos com três cavalos com uma magreza extrema, um deles, ao abanar a cauda, não se via a pele, só bichos. Não entrámos por ser propriedade privada mas daquilo que conseguíamos ver de fora não havia comida em lado nenhum», descreve. Durante o tempo em que lá esteve começou a chover e Ana conta que os cavalos «em vez de irem para boxe, como normalmente fazem, por ser um lugar acolhedor, onde têm palha e comida, foram para o padoque». Uma atitude que a leva a crer que este «havia de ser mais quente do que as boxes».
Outras das denúncias chegou-nos através de Manuel, nome fictício, antigo aluno do Centro Hípico, que corrobora os testemunhos anteriores e frisa «a falta de cuidados» visível nos animais. «Os três cavalos estão abandonados. Dá para ver que estão extremamente magros, alguns deles têm parasitas agarrados à pele. Vê-se que não têm a cama feita dentro das boxes, os cobertores estão todos rasgados e pendurados nas portas, que estão abertas. Ele basicamente deixou aquilo ao abandono e deixou os cavalos quase a sobreviver ali dentro», considera, admitindo que passa frequentemente junto ao local e em todas essas vezes «nunca viu ninguém a tratar dos cavalos nem comida lá dentro». Uma das vezes, conta que viu, inclusive, «os cavalos pendurados nas braças dos medronheiros a comer os carrascos» o que pressupõe que «não tenham mais nada o que comer».
Foto-denúncia
O confronto
José, nome fictício, que também prefere resguardar-se no anonimato, foi um dos primeiros alunos a frequentar a escola de equitação, pelo que assistiu de perto à sua evolução, passando de um espaço «humilde» para um Centro Hípico «com mais condições e mais espaço». Até ao dia em que, há cerca de um ano, voltou ao local e encontrou-o «já com alguma degradação». «Notava-se que não era cuidado e reparei que os cavalos estavam soltos, fora das boxes, o que não era normal mas presumi que estivessem à solta para terem um pouco mais de liberdade», recorda, deixando claro que nessa altura os cavalos «não apresentavam nenhuma marca de que estivessem a ser maltratados». Ainda assim, decidiu questionar Pedro Pragosa, o proprietário, sobre o cenário que tinha encontrado, que lhe deu uma «resposta um bocado inconclusiva» e que o fez pensar que este «não queria dizer o que se passava».
O tempo passou e ao saber que «já várias pessoas andavam a falar sobre o estado em que as coisas estavam lá em cima», há cerca de cinco meses José decidiu regressar ao Centro Hípico que encontrou num «estado muito degradante». «Não havia palha, nem comida para os cavalos, as árvores estavam todas sem folha, porque os cavalos até isso já tinham comido. Estavam muito magrinhos, quase com as costelas à mostra. Estava tudo sujo, o picadeiro todo partido», descreve. «Reparei que o cavalo da filha mais velha [de Pedro Pragosa] tinha silvas na cabeça e eu meti-me em cima do muro para as tirar», acrescenta. Este acontecimento acabaria por se tornar num rastilho para que colocasse um «ponto final» em toda a situação e decidisse confrontar o proprietário. De entre várias acusações, José, exaltado, avisou-o de «uma forma mais explícita» que «caso não tratasse dos cavalos viria a ter alguns problemas e iria tomar medidas». «Já não conseguia ver mais os animais naquela situação», admite, como forma de justificar alguma exaltação que possa ter tido. «Ele ficou sem saber o que fazer, mostrou-se um pouco assustado de eu estar a ter aquela reação e disse que o pai estava a tratar dos animais, embora soubesse que o espaço não estava nas melhores condições, mas disse que ia ver», conta, acrescentando que este tentou depois desculpabilizar-se: «Pediu muita desculpa e disse-me para não me preocupar». Embora garanta que Pedro Pragosa lhe disse que «ia tratar do assunto», a verdade é que passado cinco meses José considera que «não houve alteração nenhuma». «Parece-me tudo igual. Os cavalos continuam na mesma situação e o Centro continua completamente abandonado», lamenta.
A denúncia ao IRA e a “não-denúncia” às autoridades
Nenhuma das testemunhas fez queixa às autoridades competentes, a maior parte justifica a decisão com a posição e o cargo político exercido atualmente pelo proprietário do Centro Hípico. «Todos os moradores da freguesia têm o mesmo receio: ele é o presidente da Junta. Por isso, ninguém se quer atravessar com ele», refere uma das pessoas, que justifica o anonimato pela mesmo motivo. «Ir à polícia não adianta porque isto faz parte de um “compadrio”», considera outra. Uma outra testemunha admite ter pensado em apresentar queixa na GNR mas depois de ouvir que «tanta gente que já fez queixa e não deu em nada» acabou por não avançar com por essa via. Por outro lado, há quem tenha denunciado a situação ao IRA – Intervenção e Resgate Animal mas a resposta que obteve foi que «não tinham meios para atuar nesta zona».
Pedro Pragosa desmente acusações mas reconhece que “os animais podiam estar mais gordos”
Questionado pel’O Portomosense sobre as denúncias que lhe foram imputadas, nomeadamente o estado de aparente desnutrição dos cavalos que estão no Centro Hípico do qual é proprietário, de estes estarem maltratados e sem acesso a cuidados básicos, Pedro Pragosa negou todas as acusações e garantiu ter provas que sustentam isso mesmo: «É totalmente mentira e posso provar que é mentira. Posso comprovar a compra da ração e da palha, o horário da alimentação e as visitas veterinárias». «Não tenho nada a esconder nem escondo nada do que lá está porque está à vista de toda a gente. Se eu quisesse tratar mal os animais fechava-os e eu tenho-os à solta», acrescenta, mostrando-se revoltado com as denúncias que o visavam: «Isto chateia-me porque eu trabalho legal, exponho tudo aquilo que tenho e as pessoas divertem-se a fazer mal aos outros».
«Os meus cavalos são alimentados todos os dias entre as 9 e as 10 horas e as 18 e as 19 horas», garantiu, ao mesmo tempo que lançava o convite a O Portomosense para que visitasse o local, verificasse as condições em que se encontravam os animais e pudesse acompanhar a rotina destes. Um convite a que o nosso jornal acedeu e cuja visita se concretizou na manhã do passado dia 22 de junho. À chegada, pudemos comprovar a existência de três cavalos (dois machos – um branco e outro malhado – e uma fêmea – castanha) que «andam à solta como se estivessem numa pastagem» mas que, contrariamente ao que aconteceria se estivessem efetivamente numa pastagem, estão dependentes do alimento que lhe é dado pelo dono e «não têm atividade física nenhuma». «Um cavalo em pastagem que não tem exercício físico e trabalho muscular nunca tem uma boa aparência», sublinha. Apesar de desmentir todas as acusações, o proprietário do Centro Hípico reconhece que os cavalos «podiam estar mais gordos» e alguns têm «as costelas à vista». «A parte de trabalho muscular não justifica tudo mas há muitos animais que têm sempre um aspeto de magreza», esclarece, dando o exemplo da égua: «Ela tem uma constituição em que é o animal que mais come e nunca tem um aspeto gordo». Confrontado com a aparência mais esquelética do cavalo malhado, Pedro Pragosa justifica com o trabalho a que este esteve sujeito no passado. «Tem trabalhado e montado mais. Tem a particularidade de puxar charrete, o que leva a que tenha que fazer um esforço diferente», explica.
Durante a visita, o proprietário foi explicando o que ia fazendo, naquela que garante ser «a mesma rotina todos os dias»: «Dou-lhe primeiro a palha para fazer o suporte gástrico da alimentação e não fazerem reação à ração». A palha que transporta, por duas vezes, num carro de mão é distribuída por montes distintos porque, justifica, «se os cavalos comerem juntos chateiam-se». Depois, fecha-os nas boxes, onde «cada um deles come 1,5 quilo de ração». E assim ficam, fechados, até que todos terminem de comer. «Senão o lusitano, que é o que come mais rápido, sai e vai para a boxe do outro e depois o outro não come», explica. O mesmo processo, garante, repete-se novamente ao final do dia. Por não haver pressão de água suficiente que permita aos bebedores automáticos (que estão nas boxes) funcionarem em simultâneo, Pedro Pragosa opta por encher dois potes com 50 litros, que estão no exterior, onde os cavalos bebem água.
Quanto aos cuidados sanitários, o proprietário do Centro Hípico garante que, contrariamente aos cavalos que estão em competição, em que existe a obrigatoriedade de serem vistos «semestralmente» por um veterinário, os seus «são vistos uma vez por ano». No que se refere à desparasitação, lembra que embora esta medida «não seja obrigatória» reconhece como «necessária» e é por este motivo que, garante, opta ele próprio por o fazer «no início da primavera e no final do outono», apesar de reconhecer que este método está errado.
As “visitas pontuais” da DGAV
Com o Centro Hípico encerrado desde 2017, Pedro Pragosa tinha acabado de tomar posse como presidente da Junta de Freguesia das Pedreiras, a 13 de outubro de 2021, quando «entre final de outubro e princípio de novembro» recebeu a visita da DGAV. «Houve uma denúncia que não foi denúncia que tinha a ver com número de animais. Eu tinha seis e já só cá estavam três e o que a DGAV veio fazer foi confirmar a quantidade de animais que aqui estavam», explica. Dois deles vendeu-os e o outro, um cavalo com 31 anos, tinha «falecido não há muito tempo por velhice», tendo sido recolhido pelo Centro de Recolha Animal. «Andava aqui como um cão, não fazia nada. Podia tê-lo mandado abater mas não o fiz», recorda, acrescentando que durante a visita foi «preenchido o requerimento e deu-se baixa do animal». Para Pedro Pragosa esta foi uma «visita normalíssima», igual a tantas outras que o DGAV costuma fazer. «De vez em quando a DGAV faz visitas pontuais» que, explica, são justificadas com o facto de o Espaço Plena Natureza ter «uma marca de exploração ativa e estar registado em várias entidades como Turismo Equestre».
Recentemente, a 22 de junho, precisamente o dia em que recebeu O Portomosense no Centro Hípico, Pedro Pragosa recebeu também a visita das autoridades, entre as quais «a GNR Ambiental, o ICNF e mais duas ou três», a quem mostrou as instalações e toda a documentação, naquele que considera ter sido «um processo normal» mas uma «fiscalização exaustiva», onde «durante quase três horas», respondeu às perguntas das autoridades, mostrou documentos e os animais. Sobre o relatório da visita, Pedro Pragosa garante que não sabe se irá ter acesso ao mesmo mas confessa que também «não tem grande interesse em o ter». «Não estou preocupado, estou de consciência completamente tranquila», frisa.
“Plena Natureza”, o sonho de Pedro Pragosa que poderá estar prestes a conhecer um novo capítulo
Pedro Pragosa nasceu e cresceu no meio dos animais. A paixão, conta-nos, adquiriu-a através dos seus pais e avós e foi precisamente esse gosto que o fez tirar um Curso de Equitação e, posteriormente, abrir, em 2011, na freguesia das Pedreiras, um centro hípico, o Espaço Plena Natureza. Não satisfeito, passado um ano, decidiu fazer uma candidatura ao PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural para a “Construção de um espaço de Turismo Equestre – Espaço Plena Natureza”. O projeto, apoiado pelo GAL (Grupo de Ação Local) da ADAE – Associação de Desenvolvimento da Alta Estremadura, viria a ser aprovado a 28 de dezembro de 2012 e a partir daí iniciou-se uma nova fase na ainda curta história do Centro Hípico. Contando com a ajuda de fundos comunitários, foram construídas novas instalações (seis boxes, casas de banho, sala de primeiro socorros e escritório) e com estas criaram-se novas condições. Aquela que, recorda Pedro Pragosa, começou por ser uma escola «para e si para os seus amigos» rapidamente se transformou num espaço afamado, onde o número de alunos que a frequentavam «rondava sempre os 50». Esteve a funcionar durante seis anos, até encerrar portas em novembro de 2017, um encerramento que justifica com o facto de a atividade «economicamente não ter sido viável». Entre a lista de obrigações a que tinha que estar sujeito, segundo refere o regulamento do programa, destaca-se a obrigatoriedade de «manter a atividade e as condições legais necessárias ao exercício da mesma durante o período de cinco anos». Pedro Pragosa descarta, contudo, qualquer tipo de premeditação relativo ao facto de ter cessado atividade pouco tempo depois de ter ultrapassado o período obrigatório para manter a atividade. «Coincidiu. Nesse aspeto foi uma felicidade porque senão tinha que haver devoluções», refere.
Há cinco anos que o Centro Hípico está à venda mas esta é uma realidade que em breve poderá vir a mudar. O proprietário revela que há gente interessada em comprar o espaço e embora esclareça que a venda «não é uma certeza» confirma que «é uma possibilidade»: «Até há a possibilidade de eu prestar serviço a essa pessoa em part-time, porque somos amigos há muito tempo». «A venda só acontece se houver ampliação do espaço», acrescenta. Volvidos praticamente seis anos desde que encerrou atividade, Pedro Pragosa assume que Centro Hípico ainda continua a ser o seu refúgio: «O maior desgosto que tenho é ter que vender aquilo», admite. Agora, o Centro Hípico Plena Natureza poderá estar prestes a conhecer um novo capítulo mas nem por isso Pedro Pragosa deixa de lamentar o desfecho daquele que durante anos foi o seu sonho. «Tenho pena quando penso que vou mesmo vender porque não era aquilo que queria, o que queria era ter equilíbrio financeiro e a possibilidade de ter isto bem entregue», confessa. Os cavalos que continuam no Centro Hípico, esses, por lá vão continuar: «Não me vou desfazer deles até ao último momento», garante.