Cerca de um mês depois da entrada em vigor, o Governo decidiu suspender a nova Carta de Perigosidade de Incêndio Rural que estava a ser alvo de forte contestação por parte de vários municípios, entre eles os da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), de que Porto de Mós faz parte.
Em declarações aos jornalistas, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, confirmou que o polémico documento se encontra suspenso até 31 de dezembro. Até lá, haverá tempo, segundo a governante, para que a carta seja devidamente revista «no sentido de acautelar um conjunto significativo de preocupações do território que são legítimas». Enquanto a revisão não é concluída vigoram as cartas municipais.
A decisão deixa mais satisfeitos os autarcas para quem a atual carta, a manter-se tal como está, acarreta «graves prejuízos», bem como o condicionamento da estratégia municipal para o desenvolvimento do seu território como frisara em tomada de posição pública a CIMRL, defendendo a sua revogação imediata.
De acordo com a CIMRL o documento, entretanto suspenso, mais do que se sobrepor às cartas municipais altera por completo o cenário local existente, nomeadamente nos concelhos do norte do distrito que veem o seu desenvolvimento fortemente condicionado pelo alargamento substancial das áreas onde não é permitido construir por serem consideradas de risco “alto” ou “muito alto”.
Assim, acusam, ainda, os municípios, esta carta foi «feita em ambiente de laboratório, sem qualquer mecanismo aparente de cross-validation, sem ter em conta as especificidades locais/regionais e sem ter o acompanhamento das entidades do poder local», oferecendo-se a CIMRL para colaborar tecnicamente na elaboração de uma nova proposta e/ou correção da publicada.
“Uma situação absurda”
Poucos dias antes de ser conhecido este volte-face governamental, Jorge Vala, vice-presidente da CIMRL com o “pelouro” da Proteção Civil e presidente da Câmara de Porto de Mós, em declarações ao nosso jornal, apelidava toda esta situação de «absurda». Além de criticar o facto do ICNF ter «elaborado administrativamente», sem ouvir ninguém, uma carta que por força da lei se sobrepõe de imediato à que cada um dos municípios já tinha agregada ao seu Plano Diretor Municipal (PDM), o autarca encontra no documento mais dois problemas graves: cartografia com bastante menor grau de definição que a usada nas cartas de risco municipais e um aumento brutal da área classificada como de risco “alto” ou “muito alto”.
Explica Jorge Vala que enquanto na carta municipal cada unidade de classificação (cada “quadrado”) corresponde a uma área de 25 m2, na do ICNF a mesma equivale a 625 m2, ou seja, a primeira permite uma leitura mais “fina” do território já que as áreas consideradas como de risco “alto” ou “muito alto” estão mais desagregadas. Com um mapa com uma escala de menor definição, como é o do ICNF, torna-se muito mais difícil ou quase impossível fazer essa separação o que traz óbvios prejuízos, nomeadamente para quem queira construir fora dos perímetros urbanos.
Para o vice-presidente da CIMRL, há «absurdos vários» em todo este processo e «o maior de todos» é o de haver «incentivos para revitalizar o interior do país, onde os concelhos do norte do distrito se incluem, no sentido de fixar pessoas e de promover o desenvolvimento» e, em simultâneo ser produzida uma carta que coloca parte muito substancial desses concelhos como áreas de risco “alto” ou “muito alto” de incêndio florestal.
“É o futuro dos municípios que está em causa”
A título de exemplo, Jorge Vala, recorda que o documento cuja suspensão foi anunciada passa, administrativamente e sem atentar à realidade local, as áreas de risco “alto” ou “muito alto” de 16 para 90% nos concelhos de Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, e de 32 para 85% no caso de Pedrogão Grande. Ou seja, «com esta carta, apenas será possível construir em 11% do território de Castanheira de Pera, o que é um absurdo», frisa.
Nova carta iria aumentar em 11% áreas de risco elevado e muito elevado
Se a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural não fosse suspensa como é agora a intenção do Governo, Porto de Mós veria aumentar as área de risco “elevado” e “muito elevado” em 11%. «Não somos dos que estamos piores mas temos quase metade do concelho classificado desta forma e isso é algo que nos deixa aqui algum desconforto», diz a propósito o presidente da Câmara, Jorge Vala.
Mais do que contestar o aumento das áreas, o autarca volta a centrar as suas queixas na definição das freguesias de risco e a dizer não compreender como é que o indicador relativo ao número de incêndios ocorridos nos últimos 10 anos tem um peso de 30% na definição de freguesia de risco. Para Jorge Vala, trata-se de «um absurdo», no entanto, é isso que, segundo ele, leva a que as freguesias de Porto de Mós, Pedreiras, Calvaria de Cima e Juncal «estejam fora de risco». Isto no papel, claro, porque o edil não tem dúvidas de que excetuando a freguesia que abrange a sede de concelho, e mesmo assim não na totalidade, as outras três são, atualmente, uma verdadeira «bomba atómica» em matéria de risco de incêndio.
«Na nossa carta embora não fossem muitas tínhamos nas três freguesias zonas de risco “alto” e “muito alto” e agora saíram. Presumo que seja porque estavam em freguesias que não são consideradas de risco mas isto é sinal de que ninguém veio ver coisa rigorosamente nenhuma porque há ali situações perigosíssimas», diz. Outra prova disso mesmo, na opinião do autarca, é que se tivesse havido trabalho no local, os técnicos não teriam “pintado a vermelho” o planalto da Mendiga «depois de há dois anos ter havido ali um grande incêndio que consumiu cerca de 1 500 hectares mas que não pôs uma única casa em risco e onde já quase não há o que arder».
Foto | Isidro Bento