Depois de, há duas edições, O Portomosense ter procurado saber como se encontrava a situação dos desacatos no Beco e na Rua das Flores, em Mira de Aire, e de ter obtido como resposta que tudo estava «a decorrer com normalidade», tendo a vereadora da Ação Social, Telma Cruz, dito que não têm sido apresentadas novas queixas e que a comunidade cigana que ali mora estava «a fazer tentativas para se integrar»; um grupo de moradores de Mira de Aire, cujos elementos não querem ser identificados, contactou o nosso jornal para contestar as declarações de Telma Cruz: «Tudo o que é dito é irreal, é mentira, é política», dizem. O grupo mostra-se indignado com a postura adotada pela vereadora, também residente em Mira de Aire, mas numa outra zona da vila: «Temos que nos revoltar quando vemos um artigo destes em que o que se lá diz é pura política, é querer “tapar o sol com a peneira”. A doutora Telma fez o papel dela, é política e aquilo não é ao pé da casa dela», continuam.
Relativamente à não apresentação de queixas, os moradores dizem que «já ninguém se queixa, porque não vale a pena». «Centenas de vezes que os vizinhos chamaram lá a GNR, mas nada disso eles têm como queixa. Só é considerada queixa, se seguir para tribunal. Quem é que está, no seu perfeito juízo, disposto a gastar dinheiro, tempo e sujeitar-se a represálias para meter uma queixa em tribunal e vir de lá enxovalhado e a rirem-se da pessoa, como aconteceu com a dona Dina [a mulher agredida naquela zona da vila em setembro último]? Foi a única que meteu uma queixa em tribunal e agora só pode ir a casa dos pais [na rua em causa] acompanhada da GNR», contam.
Quanto aos resultados da reunião com o mediador social, promovida pela Câmara Municipal, dizem achar que «não valeu de nada, porque o problema mantém-se e com tendência a agravar». «Dizem que quem mora ali perto ou passa por ali não deve provocar, mas aqui não é uma questão de provocar, ninguém provoca. Andamos na nossa vida, circulamos, só que só pelo simples facto de passarmos, somos provocados; se viermos com o telemóvel na mão para atender uma chamada, já dizem que estamos a tirar fotografias, põem-se em altos berros. Não provocamos, só tentamos fazer a nossa vida normalmente. Estamos a ver a nossa vida super condicionada, a vida de toda a vila, porque as pessoas que passavam ali, principalmente as de mais idade, para ir à igreja ou aos supermercados, já ninguém passa, toda a gente vai pela estrada principal», contam. «Não estamos contra eles, mas contra a maneira como vivem, como nos intimidam e como alteraram a vida das pessoas que aqui moravam», sublinham.
Qual a solução?
Na opinião das várias dezenas de moradores que compõem o grupo, a resolução para este problema de má convivência entre a comunidade cigana e os restantes moradores está numa «solução concertada entre várias entidades», porém o que acontece, consideram, é que «cada um sacode o seu lado. Cada um fica à espera que o outro resolva e depois ninguém faz nada». «A única entidade que faz alguma coisa, dentro do pouquíssimo que pode fazer, é a Junta. O presidente já lá foi, mas também foi ameaçado. É a única entidade em quem notamos preocupação e vontade de resolver o problema. Os outros estão todos longe e estão-se borrifando», consideram.
Os proprietários, que podiam ser a solução, estão em processo de «litígio por causa de uma herança e não estando essa questão 100% esclarecida» não podem tomar qualquer atitude. «Soubemos ultimamente que uma das herdeiras quer vender uma casa, mas quem é que vai comprar aquilo? Vai comprar um problema», dizem. Por outro lado, se os proprietários «não estão a tomar atitudes, não moram aqui e, se calhar, nem têm noção da dimensão dos problemas» e tendo em conta o estado das casas, que já «não têm condições para as pessoas lá estarem», «talvez alguém com autoridade pudesse tirá-los dali, mas para isso, têm de os pôr noutro lugar» e isso, acreditam, «pode ser também um problema». «Eles dizem que têm contratos de arrendamento, mas se os tivessem tinham que estar a pagar renda a alguém, tinham que ter comprovativos. Além disso, não pagam água nem luz e isso é outra situação que não compreendemos, porque se fossem outras pessoas, já teriam esses serviços “cortados”», dizem os moradores, revoltados com toda a situação.
“É esta a triste realidade”
Da Câmara, o que dizem é que «se os proprietários [daquelas habitações] não fizerem nada, ninguém pode fazer, ninguém pode ir buscá-los dentro de casa e exigir-lhes isto ou aquilo», mas na verdade, o que incomoda os outros moradores é «o que se passa na rua». «Fazem fogueiras na rua, no meio da estrada e estão todos ali à volta, como se estivessem na lareira da sala. Há colchões no meio da estrada, cobertores, pessoas deitadas, é xixi, é cocó, é lixo, é porcaria, nem se pode ali passar com o fedor. No verão, quando lá passamos, os sapatos colam ao chão. Houve uma altura em que os fios da eletricidade estavam cheios de sapatos e sapatilhas pendurados a informar que se vendia droga. Saltam muros, partem vidros, portas, destroem tudo. Se a pessoa quiser ter umas galinhas, não pode porque eles roubam. Os velhotes tinham curgetes ou couves, roubavam tudo e destruíam. [Além de que] Os velhotes que ali moravam estavam habituados a estar ali na rua, uns com os outros, isso acabou. As pessoas conviviam, sentavam-se debaixo da árvore, deixaram de o poder fazer. As pessoas não podem estar na rua», relatam. «É esta a triste realidade», frisam.
Uma das preocupações do grupo é «o estado em que as crianças daquelas famílias andam». «É indecente a forma como se apresentam de aspeto, as roupas, a higiene, os cabelos, a pele, andam descalços. Se qualquer outra pessoa tivesse os filhos naquele estado, no dia a seguir e muito bem, tinha a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens à porta. Se alguém deixasse os filhos a dormir em colchões durante a noite na rua, em plena via pública, com certeza que tinha o tribunal de menores a pedir contas. Há miúdos que dormem, na primavera, no verão e no outono – agora não, porque chove –, em colchões, a pleno relento», apontam.