Dando seguimento ao trabalho de exploração que tem vindo a ser desenvolvido ao longo das últimas décadas, uma equipa de espeleo-mergulhadores da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE) voltou a realizar uma campanha de mergulhos de exploração de ponta nas extremidades da Gruta dos Moinhos Velhos, comummente conhecida por Grutas de Mira de Aire, onde foi batido o recorde do mergulho «mais distante desde a entrada de uma gruta alguma vez feito em Portugal».
A expedição aos cantos mais remotos da gruta (não acessíveis ao público) decorreu ao longo das últimas duas semanas de setembro e foi feita em dois momentos distintos. No primeiro, entre 18 e 22 de setembro, Ricardo Constantino e Michael Spahn conseguiram, a partir da Galeria do Rio, em direção a sul, colocar mais 40 metros de nova linha-guia numa zona completamente inexplorada, que se vem juntar aos 11 quilómetros de extensão total já conhecida. Ao mesmo tempo, removeram, ainda, linha-guia partida das expedições de anos anteriores. «Pode não parecer muito mas nas condições em que a água estava, muito turva, e a visibilidade a ser reduzida, por causa das chuvas, foi um feito muito importante», considera Cristina Lopes, presidente da SPE. Esta nova frente de trabalho encontra-se na «cota mais funda» da Gruta, a mais de 200 metros de profundidade, o que implica que a equipa tenha de possuir outro tipo de valências e que «os espeleo-mergulhadores também tenham de ser espeleólogos»: «Têm de ser pessoas com capacidades de progredir em gruta e que não fiquem completamente cansados. Tem de haver uma gestão de esforço muito bem feita, são mergulhos muito longos que implicam descompressão», explica.
O segundo momento da expedição aconteceu entre 25 e 29 de setembro e foi precisamente no último de campanha que os três espeleo-mergulhadores (Ricardo Constantino, Ricardo Nogueira e Simão Gonçalves) conseguiram concretizar o mergulho de exploração no extremo mais longínquo conhecido do setor norte da gruta, no Sifão dos Blocos Brancos, que há vários anos era conhecido pela SPE mas que nunca tinha sido mergulhado, até agora. Com um elevado grau de complexidade e exigência, o mergulho só foi possível graças a uma equipa dotada de «elevadas competências técnicas» quer a nível de exploração a seco quer ao nível de exploração em espeleo-mergulho. Cristina Lopes explica que entre os «vários riscos» que este mergulho comporta, um deles é a distância – para se ir e regressar são cerca de 24 horas – o que o torna num dos percursos «mais extremos» de se realizar. «É uma atividade extremamente dura que exige uma boa condição física e mental. É preciso ter-se um grande autocontrolo para se mergulhar uns metros em que não se vê absolutamente nada», destaca.
Tal como se esperava, a tarefa não se revelou nada fácil. Para chegar a esse ponto de exploração, situado a cerca de sete horas a pé da Galeria do Rio Negro (um dos pontos turísticos), a equipa teve de ultrapassar o Sifão Final, que como o próprio indica era o último ponto de exploração mas que entretanto já deixou de o ser. O Sifão encontrava-se fechado, devido às chuvas, o que obrigou a equipa a penetrar nas suas águas «bastante turvas». Depois, caminharam durante três horas até, finalmente, chegarem ao Sifão dos Blocos Brancos, onde pela primeira vez, mergulharam nas suas profundezas mas, desta vez, em águas «muito limpas». Entre transporte de material, mergulhos e recolha de equipamento, a equipa esteve 22 horas dentro da Gruta, só no último dia. No final, o esforço e a perseverança da equipa foram recompensados com a descoberta de um poço subaquático com cerca de 10 metros de profundidade a partir do Sifão dos Blocos Brancos.
“Aquela gruta é um compêndio de geologia”
Não fosse a chuva que caiu entre os dias 13 e 15 de setembro e Cristina Lopes acredita que a equipa da SPE teria conseguido acrescentar mais linha – para além dos 40 metros – à nova frente de trabalho que ainda está por explorar. «Esta é uma gruta que tem grande influência das chuvas. Nós temos o sistema montado de backup de resguardo para evitar qualquer tipo de acidente que possa ocorrer porque a infiltração é muito rápida e, de facto, foi isso que aconteceu. Houve umas chuvadas que perturbaram a nossa atividade, o que criou algum atrito no tempo que esperávamos para desempenhar a tarefa», explica. A intensidade da precipitação registada nesse período é corroborada por Carlos Alberto Jorge, presidente do conselho de administração das Grutas de Mira de Aire, que munindo-se de dados recolhidos através de um pluviómetro revela que choveram 63,9 litros por metro quadrado nesses dias o que provocou uma subida dos níveis de água dentro da gruta. «Veio criar alguma turbulência na expedição porque a água vem escorrendo por algares, o que faz com que se levantem partículas e se deixe de ter alguma visibilidade», afirma.
Mesmo com os «problemas sérios» que tiveram de enfrentar com a meteorologia, a presidente da SPE considera que a expedição terminou com resultados «muito bons» tendo proporcionado a realização de coisas «absolutamente extraordinárias». No entanto, Cristina Lopes prefere colocar a tónica no conhecimento adquirido e não tanto no recorde alcançado: «Não se trata apenas de mergulhar numa zona que nunca tinha sido mergulhada mas sim de perceber como funciona a gruta e o seu sistema hidrológico». «Aquela gruta é um compêndio de geologia. Há ali muita coisa interessante para estudar. Este feito vai-nos trazer outra luz sobre a gruta e permitir conhecer melhor aquele sistema [Grutas Moinhos Velhos – Pena – Contenda]», reconhece.
Foto | R. Nogueira / SPE