A situação já dura há mais de um ano e está a indignar alguns populares de Alcaria: um homem, com cerca de 60 anos, está a viver, sem as mínimas condições de salubridade, no interior de um automóvel estacionado na via pública, no centro da aldeia. O caso é conhecido das autoridades locais, no entanto, os moradores que procuraram O Portomosense para denunciar a situação queixam-se de que «tarda uma solução» e que neste momento «já não estamos a falar de um drama pessoal mas de um caso de saúde pública».
«Sabemos que a assistente social da Câmara já tentou encontrar com o senhor várias soluções e que ele não aceita nenhuma, mas não podemos continuar a ter uma pessoa a viver no interior de um carro sem as mínimas condições de higiene. Não tem uma casa de banho, um lugar para tomar duche, e agora, ao que dizem, terá começado a beber tornando-se por uma ou duas vezes, algo violento, uma coisa que até ao momento não acontecia», dizem. «Além de viver naquelas condições, tem presos ao carro, cães que passam todo o dia a ladrar e que já atacaram algumas pessoas. Portanto, ao problema de saúde pública junta-se o da insegurança. Enfim, é uma péssima imagem para as pessoas que visitam Alcaria ou que por ali passam», sublinham os moradores que nos pediram o anonimato por medo de represálias.
“Já foram feitas várias propostas mas não aceitou nenhuma”
Face a esta denúncia e ao mal-estar que a situação está a causar, O Portomosense tentou saber junto do Município de Porto de Mós se está a par da mesma e aquilo que, eventualmente, terá feito ou pretende fazer para encontrar uma solução. Em resposta por escrito, a vereadora da Ação Social, Telma Cruz, refere que «desde o momento em que o Município tomou conhecimento da situação apresentada, foram de imediato tomadas as diligências necessárias e apresentadas propostas para a resolução da mesma, em parceria com diversas entidades locais. No entanto, não tem sido possível, até à data, solucionar este problema, por questões alheias às entidades envolvidas». Das diligências, propostas de resolução e questões em concreto, nada disse.
Já a presidente da União de Freguesias de Alvados e Alcaria, Sandra Martins, também contactada pelo nosso jornal, explicou-nos pormenorizadamente os contornos deste caso e todos os passos que têm sido dados pelas técnicas da Câmara e da Segurança Social, Delegada de Saúde e a própria Junta de Freguesia. Confrontada com as queixas, a autarca diz que se há coisa de que as entidades envolvidas não podem ser acusadas é de falta de interesse ou de não terem procurado soluções. «Já foram feitas várias propostas ao senhor mas até agora não aceitou nenhuma e, pelo que me garantem, não há forma de o tirar dali contra a sua vontade e, por isso, continuamos num impasse», diz.
De acordo com os moradores, o homem veio trabalhar para Alcaria há vários anos. Vivia numa espécie de rulote cedida pelo patrão mas, a dada altura, ter-se-ão incompatibilizado e foi obrigado a sair. Entretanto, «uma senhora emprestou-lhe uma casa devoluta para ele lá estar e cuidar daquilo, ficando a luz por sua conta». Com o desaparecimento desta e estando em incumprimento, foi, mais uma vez, alvo de despejo. A partir daí, o carro passou a ser, literalmente, a sua casa, e assim permanece até hoje.
“O caso não está esquecido”
«Quando soube desta situação falei com a assistente social da Câmara, que me pôs a par do que estava a ser feito. Algum tempo depois, ligou-me para dizer que não pensássemos que o caso estava esquecido mas que o senhor continuava a recusar-se a deixar o carro e ir para um quarto que a Segurança Social lhe arranjara, com o argumento de que não queria deixar o cão que anda sempre com ele», conta Sandra Martins.
Depois de uma situação de conflito com alguém que teria tentado ir limpar a zona envolvente à casa em frente a qual está parado o carro, foi feita queixa à GNR, que se deslocou ao local, mas também não foi isso que demoveu o indivíduo. Aliás, já por mais de uma vez terá respondido à presidente da Junta que a GNR lhe disse «que não há problema em o carro estar ali», apesar de se encontrar «em contramão e a ocupar uma parte da faixa de rodagem».
Sem ter solução à vista, Sandra Martins voltou “à carga” e, então, foi-lhe indicado um número de telefone para denunciar a situação. Passado algum tempo, a delegada de Saúde e uma técnica da Segurança Social estiveram no local, e segundo revelaram na primeira de várias reuniões onde o assunto tem sido discutido, falaram com o homem e este ter-lhes-á dito que «fazia a sua higiene pessoal no lavadouro de Alcaria e nas bombas da gasolina e que, às vezes, tomava banho em casa de um senhor para o qual fazia alguns trabalhos. Por sua vez, seria este senhor que lhe daria boleia para ir buscar bens alimentares à Santa Casa da Misericórdia, a Porto de Mós, e que o autorizaria a confecioná-los em sua casa por não ter onde os guardar.
Contactada a pessoa em causa, a versão apresentada já foi algo diferente, o que veio reforçar mais a convicção de que seria necessário convocar o indivíduo para uma reunião e tentar convencê-lo de que a situação não se poderia manter mais tempo. De acordo com Sandra Martins, o encontro ocorreu de facto e a pessoa, apesar de dizer que compreendia, manteve-se irredutível. Admitia deixar ir dois dos cães para o canil mas aquele que o acompanha, não.
“Era bom que se deixasse ajudar”
Na altura, disseram-lhe que «a primeira coisa que devia fazer era tentar encontrar um lugar para ficar e numa terra onde pudesse arranjar emprego», ao que este terá respondido «que apesar de ter bom aspeto, já não tem a saúde de outros tempos». «A Junta abriu uma vaga para um funcionário para o exterior e dissemos-lhe para se candidatar. Depois de alguma insistência, lá deu o nome mas não chegou a apresentar a documentação para formalizar a candidatura», conta.
Perante tudo isto, a presidente da União de Freguesias de Alvados e Alcaria diz perceber o desconforto e as queixas da população e garante que todas as entidades estão empenhadas, mas sem a colaboração do visado dificilmente se sairá deste impasse. A par disso, Sandra Martins não esconde também a surpresa e, acima de tudo, a tristeza de ver «uma pessoa que até há poucos anos tinha uma vida perfeitamente normal e um trabalho no qual estava, inclusive, a liderar um grupo de trabalhadores, encontrar-se nesta situação». «Não sei o que aconteceu na sua vida para chegar a este ponto, mas tenho pena porque é uma pessoa simpática, bem falante, vivida e com visão», afirma a responsável autárquica, voltando a sublinhar que a vontade para o ajudar existe e é comum a todas as entidades, assim ele entenda aceitar essa ajuda.
Foto | Isidro Bento