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“Idosos em Segurança”, o programa da GNR que combate o isolamento

15 Março 2021
Jéssica Moás de Sá

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Jéssica Moás de Sá

15 Mar, 2021

São militares, mas exercem um papel que vai muito além disso: por vezes são psicólogos, outras, enfermeiros, cuidadores e até «família emprestada». Não substituem estes profissionais nem a família de sangue, mas são, muitas vezes, os primeiros a referenciar situações de perigo ou vulnerabilidade num dos grupos mais frágeis da sociedade. O Portomosense teve a oportunidade de acompanhar no terreno o trabalho desenvolvido pela Secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário, do Destacamento Territorial de Leiria, da GNR, no âmbito do projeto Idosos em Segurança, apenas um dos vários em que trabalha a secção. Antes de nos fazermos à estrada, o tenente Francisco Patrício, adjunto do comandante do Destacamento distrital, clarificou a missão desta secção: «Articula vários programas, o objetivo é fazer o acompanhamento do cidadão desde a idade escolar [projeto Escola Segura] até à idade idosa, passando por todos os ciclos de vida das pessoas». A secção é constituída por quatro militares, divididos pelos quatro concelhos de abrangência do Destacamento: Porto de Mós, Batalha, Leiria e Marinha Grande.

As iniciativas da GNR são variadas e por vezes sazonais. Embora o Idosos em Segurança e a Escola Segura sejam mais conhecidos na comunidade, há outros exemplos, como a iniciativa Comércio Seguro. Nesta manhã o acompanhamento feito pel’O Portomosense foi no âmbito da iniciativa dedicada à população sénior, numa altura em que o confinamento a que estamos obrigados, veio intensificar o isolamento e também aumentar o risco de crimes de burla. «Fazemos algum tipo de aconselhamento de prevenção criminal, como é o caso do fenómeno das burlas, mas o grande objetivo é o acompanhamento dos idosos mais isolados. Muitas vezes estes idosos têm alguma dificuldade em ter contacto com os familiares, e os militares fazem um apoio o mais presente possível», especifica Francisco Patrício. Os idosos em situação mais desprotegida são sinalizados, tanto no patrulhamento feito pela GNR, como pelos próprios familiares e vizinhos. É depois atribuído «um código de cores e de prioridade e a GNR faz uma passagem tão presente quanto possível de acordo com a necessidade do idoso».

Qualquer militar está habilitado a fazer este trabalho? Não. «Existe um curso habilitante que a GNR começou a facultar, criado recentemente. Da equipa de quatro militares que compõem a secção, dois estão habilitados com o curso», explica o tenente. Os militares passam também por «uma fase de entrevista profissional onde é analisado o currículo»: «Têm de ser pessoas com características especiais, é o tempo e a experiência que nos vêm dizendo qual é o perfil do militar que precisamos. Tem que ser bem falante, ter sensibilidade, porque são áreas mais sensíveis de atuação». Uma das facetas muito importantes deste trabalho é a constante comunicação entre a GNR e as instituições para as quais certos casos são encaminhados: «Estes elementos têm depois um contacto privilegiado com as diversas instituições que com o passar dos anos teve de ser construído para potenciar uma resposta mais global, como as Juntas de Freguesia, as Instituições Particulares de Solidariedade Social, a Segurança Social».

Dois dedos de conversa que são ânimo para todo o dia

Manuel acaba de cumprir 62 anos e teve direito a um bolo de aniversário oferecido pela GNR, ele e a sua mãe, Zeferina, de mais de 90 anos, também de parabéns. São acompanhados não só no âmbito do programa Idosos em Segurança mas também de um outro, o programa de apoio a pessoas com deficiência, uma vez que Manuel se move em cadeira de rodas. Manuel e a sua mãe não nos ouviram chegar, mas os militares mostraram saber bem as rotinas desta família: «Deve estar a cortar lenha lá para trás». Afinal não estava. Manuel abriu a porta com ar sorridente, mas reparou que a visita trazia mais pessoas do que o habitual. Deixámos que Tiago Graça e Vítor Maurício, rostos já conhecidos, começassem pela conversa habitual.

«Como é que estão hoje? O CASSAC já veio cá? O que vão almoçar?», foram estas algumas das perguntas lançadas pelos militares. A resposta foi pronta, notando-se claramente a felicidade de Manuel em poder trocar uns “dedos de conversa”, não sendo preciso muito para reviver histórias de agora e de outros tempos. Tiago Graça e Vítor Maurício recordaram o contacto para o qual devem ligar em qualquer situação de perigo, até porque Manuel e Zeferina já sofreram algumas tentativas de burla. «Nós já sabemos, não abrimos a porta», garante Manuel. Gosta da visita da GNR? Perguntamos-lhe. «Então não gosto? Tratam-me bem e sinto-me mais acompanhado», responde. Antes da despedida, depois de 40 minutos de conversa, o aviso da GNR face às novas burlas que podem surgir relacionadas com a vacina da COVID-19: «Cuidado com as pessoas que possam vir aqui a casa passar-se por médicos e enfermeiros, dizendo que têm a vacina se vocês pagarem. Ninguém, neste momento, vem dar a vacina a casa e além disso a vacina é gratuita», salientam.
A segunda paragem foi em casa do casal Joaquim e Emília. Não foi preciso chamar, Joaquim pressentiu a presença dos carros e saiu de imediato à rua. Emília tratava do almoço, mas depressa veio ver quem estava à porta. O casal faz parte do grupo de idosos incluídos no programa de teleassistência e por isso têm «um aparelho que tem um relógio e um telemóvel que ao carregar na emergência vai para uma central que aciona os meios necessários», sejam eles os bombeiros ou a GNR. O primeira tema foi mesmo esse: «Como agora está tudo fechado, não conseguimos comprar a pilha para o aparelho, como tínhamos falado, dona Emília», explicam os militares. Enquanto Tiago Graça e Vítor Maurício ajudavam Joaquim a pôr o aparelho operacional, conversámos com a sua mulher. «Sinto-me mais acompanhada, gosto que eles cá venham. Dão bons conselhos sobre o que devemos fazer e dizer», salienta. Emília confessa ainda que por vezes se sente sozinha e com «falta de conversar»: «Agora já não está quase ninguém, quando viemos para cá estava cá muita gente mas foi tudo embora. Eles são a família emprestada».

A viagem estava a terminar, mas não sem antes serem recordados alguns alertas ao casal. Além de terem pedido cuidado com as burlas relacionadas com a vacina da COVID-19, lembraram que entretanto começam os Censos 2021. «Nos próximos meses poderão vir cá por causa dos Censos, normalmente são pessoas da terra, que vêm com cartão com identificação ou com um colete da própria Junta, mas se tiverem alguma dúvida, liguem-nos», explicaram.

O orgulho de “ser família”

Os militares Tiago Graça e Vítor Maurício, que nos guiaram nesta viagem, são dois dos elementos que compõem esta secção. Falaram por eles, mas transmitem o espírito de missão da secção. «É como se fossemos família destas pessoas» frisa Tiago Graça, garantindo que são sempre «muito bem recebidos» pela comunidade. «Os nossos rostos já são conhecidos, nós estamos divididos pelos quatro concelhos mas há sempre uma pessoa que é “âncora” de cada concelho. Em Porto de Mós é o militar Vítor Maurício e todos conhecem o seu rosto», salienta. Vítor Maurício garante gostar do que faz, sente «orgulho», mesmo que «às vezes seja bastante complicado a nível de carga horária»: «O nosso telemóvel de serviço está 24 horas ligado, os idosos ligam-nos a pedir ajuda para tudo, desde compras para a casa, renovação do cartão de cidadão, entre outras coisas. Há pessoas que vivem muito isoladas, não só a nível geográfico, mas também social». Os militares concordam que é «preciso sensibilidade» para lidar com certas histórias e que é impossível não «levar para casa estas questões». «Sabemos que há idosos que não estão bem, passam necessidades, não só a nível de dinheiro, há também muita violência doméstica e a pandemia não veio ajudar», salientam.

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