Em 6 de dezembro último, O Portomosense destacava na primeira página o “chumbo” da Direção Geral do Património Cultural (DGPC) à classificação do Arco da Memória como Monumento de Interesse Público, a segunda recusa num processo que, em termos globais, já se arrasta há mais de 20 anos.
Que a DGPC entenda que não há motivos para essa classificação não me chocaria porque é suposto uma entidade destas ter critérios bem definidos para atribuir determinado estatuto e técnicos à altura para fazer essa avaliação. Aquilo que me choca verdadeiramente é o motivo que esteve na origem desse chumbo: Houve, em 2015, uma intervenção na zona envolvente ao monumento que, segundo os técnicos da DGPC é lesiva do seu enquadramento, e mesmo depois de ter sido feito o alerta, em 2018, aquando de uma nova visita ao local, a situação permanecia inalterada. E assim, por “desconhecimento” técnico e ou desleixo, um monumento que tudo indicava que pudesse vir a ser classificado, provavelmente já não o será. E aqui o “provavelmente” é, apenas, porque a Câmara se ainda não o fez, vai fazer uma exposição tentando apresentar argumentos no sentido de que seja revertida a decisão de arquivamento do processo mas nada nos garante, à partida, que o consiga.
Outra intervenção desastrosa levada a cabo há poucos anos foi a da “recuperação” da Ponte Rio Cavaleiro, que, segundo os especialistas continha elementos que faziam dela, se não caso único, pelo menos raro na Península Ibérica. Ora, sabendo-se isso, não seria necessário vir qualquer especialista explicar o interesse em preservar, com o mínimo de intervenção possível, tal ponte.
Pois bem, o que foi feito? Uma intervenção que tornou o espaço mais bonito, sem dúvida, mas que não poupou sequer a velha ponte alterando aquilo que era a sua riqueza, e que, mais do que isso, mexeu também com a imagem que guardavam dela, os muitos jovens de Porto de Mós e dos lugares limítrofes que, em tempos onde pouco ou nada havia, tinham ali a sua “piscina”.
Não sei se chegou a avançar o pedido de classificação, como foi anunciado, mas várias pessoas que trabalham na área do património, garantem-me que a partir do momento que foi feita ali uma intervenção de fundo que descaracterizou a referida fonte, nem vale a pena pensar-se nisso porque o chumbo está mais que garantido: a ponte e sua envolvente ficaram bonitas mas o que lhe dava valor patrimonial foi adulterado.
Estes dois exemplos de intervenções no espaço público e, neste caso, em elementos com valor patrimonial e histórico, levados a cabo em mandatos autárquicos anteriores, servem, essencialmente, para ilustrar algo que me parece que aconteceu demasiadas vezes nas últimas décadas no nosso concelho e que poderá vir a acontecer no futuro se os autarcas atuais e vindouros não estiverem sensíveis para esse perigo: a ligeireza técnica e científica de algumas intervenções no espaço público.
Tanto a Câmara como as Juntas de Freguesia (a que podemos juntar as associações e comissões de igreja) devem ter preocupações acrescidas quando intervêm em imóveis com valor histórico e patrimonial ou que, por algum motivo digam algo de especial a determinada população. Ninguém, nestas instituições, destrói ou põe em causa, de propósito, imóveis com valor histórico e pegando nos dois exemplos que dei, tenho a certeza que os autarcas de então estavam cheios das melhores boas intenções, mas isso sendo de louvar, é pouco. O poder autárquico tem de se rodear de bons técnicos, seja dos seus quadros ou contratando empresas especializadas nas áreas onde quer intervir e se algo falhar, estes devem ser responsabilizados por isso, independentemente, claro, dos autarcas terem o dever de assumir as suas próprias responsabilidades.
ISIDRO BENTO