Catarina Correia Martins

Ir de férias sem pensar no trabalho? Tem de ser possível

23 Ago 2022

“Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”, já o diz a velha expressão popular que significa que é preciso “separar as águas” e que, quando estamos a trabalhar, devemos estar de facto concentrados nisso, sem misturar relações pessoais com profissionais. Tomás Loureiro, que tem um cargo de chefia na Media Capital, num artigo publicado, na passada quinta-feira, na revista online Link to Leaders, reinventou a expressão. «Trabalho é Trabalho, Férias é Férias. Devia ser.», foi este o título que deu ao artigo, cujo destaque introdutório dá o mote para todo o texto: «Ao contrário das baterias dos carros elétricos, que comprovadamente devem estar entre os 20% e os 80% sob pena de se viciarem, o nosso corpo e a nossa mente precisam de recarregar a 100% (quem sabe mais), e nunca estar próximo da “bateria fraca”». Por aqui, subscrevemos por inteiro. A importância do descanso, do sono e das férias é fulcral para que – além de manter a sanidade mental – seja possível estarmos no nosso máximo em todas as facetas da nossa vida, entre as quais se inclui a profissional.

De acordo com Tomás Loureiro, é por não sabermos “desligar” devidamente quando vamos de férias que depois há estudos a darem-nos resultados como sermos «o país com a maior probabilidade de burnout da Europa, uma das semanas de trabalho mais longas e um dos piores índices de crescimento e produtividade». E é porque os portugueses são malandros? Não produzem porque não lhes apetece? Se calhar, alguns sim. Mas uma grande parte obtém estes resultados – ou a falta deles – porque nunca é capaz de estar «inteiro», seja quando está a descansar, seja quando está a trabalhar, e um dos lados depende intrinsecamente do outro. «Ser-se muito produtivo, na minha opinião, não é conseguir trabalhar em muitas coisas ao mesmo tempo, não é estar sempre disponível e resolver os problemas todos, mas sim conseguir estar inteiro, a 100%, em cada situação, em cada tarefa, em cada momento. […] Porque é tão importante saber estar a 100%, inteiro, comprometido numa reunião de budget ou nas tarefas profissionais do dia-a-dia, como saber estar desse modo comprometido nos remates de futebol na areia com os filhos ou num fim de tarde com os amigos a beber uma cerveja. Há tempo para tudo.», continua.

E a culpa é de quem? Tomás Loureiro “aponta o dedo” aos vários intervenientes na questão, porque a culpa «no final do dia é de todos». Para começar, «é do Estado que cria uma pressão fiscal asfixiante não só nos trabalhadores […], mas também nas empresas, que têm assim também maior dificuldade em criar esses incentivos à produtividade». Depois, «é das empresas porque em grande parte dos casos o real bom trabalho não é devidamente premiado e o mau trabalho não é penalizado, criando, naturalmente, desincentivos à produtividade e incentivos à prevalência dos interesses próprios individuais em detrimento dos coletivos»; assim como lhes cabe também a responsabilidade de não darem «o devido valor ao talento que têm inhouse, muitas vezes deixando-o sair por inércia e falta de proatividade na sua retenção». Também aos chefes cabe um pouco da culpa, «porque muitas vezes são inflexíveis, pouco compreensivos e limitadores do crescimento das pessoas […] e porque não sabem identificar e extrair o melhor das suas equipas». Mas, além de todos estes, a culpa «é de todos nós, enquanto trabalhadores e sociedade», «porque, consciente ou inconscientemente, tentamos sempre deitar abaixo os mais produtivos – criamos uns nos outros uma peer pressure para ficar até mais tarde no escritório, olhamos de lado os que saem cedo no pressuposto de que não estão a entregar o que deviam (quando muitas vezes até o estão a fazer melhor em menos tempo) e criamos uma ideia de sociedade que trabalhar muito (e não bem) é sinónimo de sucesso e que o inverso é sinónimo de fracasso». Além disso, temos também culpa quando «dizemos que precisamos de férias e de “desligar” mas depois não somos realmente capazes de o fazer, de delegar e confiar que quem fica é capaz de tomar conta das situações que possam aparecer, dando por vezes a ideia, mesmo que involuntariamente e sem fundamento, de que não confiamos a 100% ou temos medo de ser “substituíveis”».

Assim, devemos lembrar-nos que não são as empresas que nos dão férias, mas somos nós, trabalhadores, funcionários, que damos férias uns aos outros, porque ficamos cá a “tapar os buracos” abertos pela ausência do outro e “hoje por ti, amanhã por mim”. Por isso, toca a ir de férias sem a consciência pesada e com o cérebro desligado. Que a preocupação seja só escolher o sabor do gelado ou decidir se a bola de berlim é com creme ou sem creme – com creme, sempre. Boas férias!