“Tradição é tradição” e nem os 3 graus Celsius que se fizeram sentir na vigésima noite do mês passado em Mira de Aire demoveram o mar de gente que se uniu para celebrar as Janeiras. Este ano a responsabilidade da iniciativa coube aos Quarentões nascidos em 1984 que, em clima de festa, lideraram a comitiva por alguns dos pontos-chave da freguesia acompanhados pela banda e pelas centenas, primeiro, e milhares, depois, de pessoas que a eles se quiseram ir juntando ao longo do trajeto.
O relógio marcava 17 horas quando o grupo deu início à festividade junto ao Abrigo Familiar. A partir daí, foi “sempre a andar” rumo ao Largo da Igreja, local onde só voltariam já perto das 3 horas da madrugada com o sentimento de “dever cumprido”. Para trás ficaram as paragens no Covão da Carvalha, no Bairro Sindical, nos Bombeiros Voluntários de Mira de Aire, na Fraga, no Largo da Paz, no Jardim, na Palmeira, na Boa Morte, na Prio, nas Grutas e ainda na Moita do Joaninho. Foi precisamente nestes pontos que, como é habitual, a comitiva encontrou à sua espera mesas preparadas com grandes variedades de doces, salgados e, claro, muita ginjinha.
Instada pel’O Portomosense a um balanço relativo à última edição das Janeiras, Vilma Januário, assumindo o papel de porta-voz dos Quarentões, manifestou satisfação pela «recetividade das pessoas e pelo feedback» recolhido, considerando este um ano «muito idêntico ao anterior»- tendo «correspondido a todas as expectativas». Nas suas palavras, preparar esta noite representa «um desafio muito grande», uma vez que a freguesia vive «tempos em que cada vez mais pessoas se afastam», o que também acabou por limitar os números deste núcleo duro – composto por um total de 22 elementos -, «uns nascidos na terra, outros que se juntaram ou casaram e para cá vieram morar», e que de tudo fizeram para tornar esta noite memorável.
O apresto teve início ainda antes desta comissão ser empossada. Em novembro de 2023 já os “futuros” Quarentões levavam avante todo o processo de licenças, algo que Vilma Januário considera «muito burocrático» e que de forma alguma poderia esperar pelo dia 1 de janeiro «por não haver tempo suficiente». De seguida, marcou-se a data. Manda a tradição que as Janeiras sejam cantadas em Mira de Aire no terceiro sábado do primeiro mês, um dia estratégico que permite à organização alguma maleabilidade porque «no caso de estar mau tempo, adia-se uma semana» e não é por isso que «deixam de ser Janeiras», especificou. Além destas duas prioridades, foi também desígnio dos Quarentões de 1984 que os kits (compostos por canecas, lanternas e pelo cancioneiro) fossem elaborados com celeridade, os músicos reunidos, a ginja comprada, os carros tratados e os ensaios agendados: «É muita coisa que tem que vir preparada de trás e o facto de esperarmos cada vez mais pessoas obriga-nos a tratar de tudo com ainda mais antecedência», salientou.
Agora com 40 anos mas com as Janeiras que se realizavam há duas décadas bem presentes na memória, Vilma Januário nota que a adesão ao certame se encontra em significativo crescendo: «Se olharmos para há 20 anos, quando a minha mãe foi Quarentona, por exemplo, temos uma clara perceção daquilo que [entretanto] aconteceu. Era um evento que se calhar não tinha um terço das pessoas que tem hoje, e uma das coisas que todos os anos, para mim, se torna mais interessante, é ver a quantidade de jovens que participam», explica. E o que é facto é que quem por Mira de Aire passou nesta noite dificilmente conseguiu evitar cruzar-se com múltiplos grupos compostos por gerações entre «os 8 e os 80», fenómeno que Vilma Januário atribui ao carácter «agregador» e «abrangente» de uma festividade que acaba por ser convidativa não só às «pessoas mais velhas e mais novas [de Mira de Aire]», como também àquelas que são de fora do concelho e que «quando vêm a primeira vez, ficam com muita vontade de voltar», referiu.
«Preparámo-nos a pensar num número idêntico a 2023» Evitando apontar um número médio de participantes, por afirmar não ter forma de saber quantas pessoas passaram pelas ruas de Mira de Aire no passado dia 20, a porta-voz remeteu a sua resposta para o elevado número de kits vendidos previamente e para uma correlação com aquele que foi o percurso de janeiro do ano passado: «É um percurso muito vasto. Eu estive em 2023 e a minha sensação é que até ao centro [da vila] tivemos menos gente, mas a partir dali estava mais e, por exemplo, na Prio, era clara a diferença. Portanto, em termos de adesão terá sido muito semelhante», frisou.
Noite trouxe velhos costumes e um novo hino
Há duas características muito próprias que, de ano para ano, distinguem os demais grupos de Quarentões: a capa e o hino. A primeira foi feita como que se de um regresso ao passado se tratasse. Vilma Januário explica que a utilização deste elemento se tornou comum «com o grupo de 63», e foi mesmo os primórdios que esta comissão quis recordar. Assim, das mantas oferecidas pela empresa da terra Newplaids fizeram-se capas com um padrão axadrezado, «simples e mais simbólicas do que propriamente elaboradas». O segundo, por seu turno, foi inspirado numa canção bem recente – “Preço Certo” – do cantor e compositor Pedro Mafama, e serviu de inspiração para uma versão alusiva à história de Mira de Aire.
Destacando as Janeiras como «o momento alto do ano», a porta-voz mostrou-se grata «com a adesão» e, sobretudo, «com todos os que ajudaram [a sua comissão] de forma voluntária» e que contribuem anualmente para que continuemos a dizer que “tradição é tradição”.
NR: A reportagem fotográfica pode ser encontrada aqui.