Diálogo e mais diálogo. Para ultrapassarem os motivos de queixa relativas à forma como está a ser feita a caça ao javali nalgumas áreas do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC), os agricultores, de forma isolada ou representados pela União de Agricultores do Distrito de Leiria (UADL), devem reunir com a direção da zona de caça associativa respetiva, expor o seu problema e dialogar no sentido de o resolver. De acordo com o chefe de divisão de caça de Lisboa e Vale do Tejo, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), João Arsénio, e o técnico superior do PNSAC, Luís Ferreira, apesar de a lei, em teoria, estar do lado dos agricultores, em termos práticos pouco mais lhes resta que dialogar com os caçadores e chegarem a um acordo, e foi essa a grande recomendação que deixaram na sessão de esclarecimento realizada a 22 de janeiro, a pedido da UADL.
O encontro realizado nas instalações da Direção Regional da Conservação da Natureza e Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, em Porto de Mós, arrancou com a apresentação por parte dos agricultores das suas queixas e o pedido de esclarecimento sobre aquilo que o ICNF/PNSAC pode fazer para ajudar a resolver o problema.
Fuga dos javalis para terrenos agrícolas preocupa
O primeiro a intervir foi o presidente da UADL, Joaquim Avelino, que começou por dizer que desde que no ano passado a caça ao javali passou a ser mais fácil e houve até o “incentivo” por parte da Câmara nesse sentido de forma a tentar controlar-se a espécie, houve caçadores que começaram a entrar pelas culturas adentro causando grandes prejuízos. «Eu tenho alarmes para afugentar os javalis e um dia quando fui para os ir ligar dei-me com os caçadores dentro do meu milharal. Estavam na minha propriedade e ainda começaram a “mandar vir” comigo», contou o agricultor, confessando discordar desta situação. «Não tenho nada contra o aumento da caça ao javali, mas os caçadores devem esperar fora dos milharais. Eles deixam entrar para lá os javalis que depois escavam tudo. Nunca tive tanto prejuízo no milho como no ano passado», lamentou.
No entender de Joaquim Avelino, os caçadores, apesar de bem intencionados, acabam por contribuir para o aumento da espécie que tantas dores de cabeça e prejuízos tem causado aos proprietários agrícolas: «Os caçadores colocam palanques de noite com sacas de milho [para atrair os javalis] e aquilo é como um restaurante, porque tal como nós se vamos a um e gostamos, temos a tendência de voltar, com os javalis é o mesmo», disse, voltando a afirmar que os caçadores podem caçar e montar esses palanques, mas fora dos terrenos de cultivo». «É bom que eles os matem, mas saibam respeitar os agricultores e quem lá tem as culturas», frisou.
Apesar dos lamentos, Joaquim Avelino disse que até nem está «muito queixoso», mas aproveitou para questionar os representantes do ICNF/PNSAC sobre «o que é que um agricultor pode fazer para ser indemnizado pelos estragos», se será necessário ir para tribunal, porque «há pessoas que já pediram uma indemnização» e a associação «disse que não tem nada a pagar».
Luís Pires, o vice-presidente da UADL, por sua vez, reconheceu que nunca teve estragos nas suas propriedades «por caçadores que andam à caça de coelhos, perdizes e tordos». «O problema é os javalis andarem cada vez mais à porta das pessoas e alguns caçadores alimentarem-nos aí perto. Façam os cevadouros na serra e tratem-nos lá, porque eles fazem quilómetros atrás do milho, mas não ao pé das casas. Assim, nunca os combatem. Se fizessem boas batidas combatiam-nos mais», afirmou de forma perentória.
Neste ponto, interveio também o presidente da Junta de São Bento, Luís Ferraria, que confirmou que na sua freguesia «isso dos cevadouros é muito complicado, porque o caçador vai pedir autorização ao dono do terreno, este diz que sim e perante a associação é legal».
Em resposta aos agricultores e ao presidente da Junta, João Arsénio explicou que se está «a falar de terrenos onde a exploração cinegética está atribuída a uma determinada entidade, tratando-se, portanto, de zonas de caça associativa ou zonas de caça municipais. Na altura da constituição os proprietários dos terrenos deram autorização para que ali se possa caçar, portanto, se deram acordo, está dado. Estas queixas relativas a estragos causados por caçadores devem ser esclarecidas com as direções das zonas de caça e não com os serviços que fizeram a concessão da exploração cinegética por um período de “xis” anos». «É com eles que devem falar e não connosco», disse, acrescentando que «os proprietários podem sempre pedir a exclusão dos seus terrenos à zona de caça desde que esta aceite mas, se calhar, se se deixar de poder caçar aí os prejuízos poderão ser ainda menores». «O que podem e devem é ir ter com a direção do clube e entender-se com eles. Nesse tipo de gestão o ICNF não se mete, não é da sua responsabilidade. As regras são claras e os clubes sabem bem as suas obrigações e os seus direitos. É uma questão de dialogarem com eles» aconselhou.
Luís Ferreira reforçou a recomendação, esclarecendo que, se por um lado a lei diz que os proprietários devem ser indemnizados, por outro, tem uma alínea que de algum modo protege as entidade concessionárias. Segundo o técnico, «naturalmente que quem se sente prejudicado pode recorrer ao tribunal», no entanto, «se a entidade concessionária conseguir provar que está a fazer todo o esforço possível para controlar os prejuízos», dificilmente a decisão será favorável ao agricultor. Assim, e até porque a entidade gestora da exploração cinegética «tem todo o interesse em não criar conflitos que depois a podem prejudicar na renovação dos terrenos», será de todo o interesse para ambas as partes sentarem-se à mesa, dialogar e chegar a um acordo, defendeu.
«Tem de haver diálogo. Se não for feito o esforço de se ouvirem, acabam os dois por perder, nenhum pode ser inflexível. Entra-se numa situação de confronto desnecessário e o javali “bate palmas”», reforçou, por seu turno, João Arsénio.
Cartuchos e gralhas pretas também preocupam
Além das questões em torno da caça ao javali, os representantes dos agricultores do distrito questionaram os elementos do ICNF sobre outras questões que os preocupam, como o facto de haver cada vez mais cartuchos abandonados nos terrenos e das gralhas pretas estarem a causar também prejuízos avultados na culturas.
Relativamente aos cartuchos, Luís Ferreira disse que a recolha é responsabilidade dos caçadores e quem não cumpre fica sujeito a uma multa. Segundo o técnico, pior que o plástico é o chumbo dos cartuchos, porque apesar destes serem «altamente biodegradáveis», se as vacas comerem os seus resíduos podem ser envenenadas. Quanto às gralhas pretas, sendo consideradas uma espécie cinegética, podem ser caçadas, esclareceu. «O que dizemos aos caçadores é que apesar de não ser uma espécie para comer, tal como não o são a raposa e o saca-rabos, tem que ser controlada e, portanto, que as cacem na altura devida para não nos pedirem no defeso para colocar caixas, porque nas caixas caem lá essas e outras espécies. A solução é mesmo a caça», explicou.
O Portomosense participou nesta sessão de esclarecimento a convite da UADL.
Texto | Isidro Bento com Luís Vieira Cruz