João Bernardes tem 71 anos, é natural de Torres Vedras, cumpriu serviço militar na Guiné, dedicou-se quase durante uma vida inteira ao Ensino na região Centro e sobretudo no Sul, e quando teve oportunidade aposentou-se. Foi também por essa altura que um dos seus filhos o desafiou a tomar conta de uma dezena de colmeias e uma nova paixão surgiu: hoje é apicultor profissional, percorre o país de lés a lés com a sua 4×4 ou com a sua caravana e cuida de mais de 800 colónias. «Neste momento tenho apiários em quase todo o lado. Não só aqui em Porto de Mós como também em Alcobaça, na Lourinhã, Torres Vedras, Évora, Reguengos de Monsaraz, Ferreira do Alentejo e Monchique », enumera.
Este império, no qual a abelha é rainha, foi sendo construído ao longo dos anos e João Bernardes considera que o mesmo é fruto de «muito esforço, muita dedicação e, acima de tudo, de muito estudo». Nesta atividade, realça o apicultor, ninguém pode ficar parado: «Já há muito conhecimento científico disponível, há muitas universidades que estudam o comportamento das abelhas e as formas mais eficientes para produzir com maior responsabilidade. Temos que manter-nos sempre atualizados ou então ficamos para trás», avisa.
Questionado sobre os primeiros passos neste “admirável mundo novo”, pelo qual diz ter encontrado «uma paixão que está entranhada nos ossos», João Bernardes é perentório: «Depois da experiência a uma menor escala no Algarve, vim para Porto de Mós porque sabia do potencial desta região. Aqui existe alecrim em abundância, uma erva que acaba por escassear em quantidade noutras regiões do mundo e da qual as abelhas fazem um mel monofloral incrível, bastante procurado lá fora. Também fiz questão de, logo ao início, procurar mais formação. Foi assim que me juntei à Associação de Apicultores de Leiria, da qual também fui dirigente».
Apicultura, uma atividade necessária
Ao receber a equipa de reportagem d’O Portomosense num dos seus principais locais de trabalho, o armazém onde tem também um espaço dedicado à extração controlada de mel, João Bernardes foi reforçando a importância desta atividade: «Para que tenham noção, aproximadamente um terço dos alimentos que consumimos é polonizado por abelhas e arrisco-me a dizer que o ser humano não duraria muito tempo caso estes animais desaparecessem de um momento para o outro. Aliás, a abelha foi feita para polinizar, não para fazer mel para nós, pelo que deve ser respeitada e bem tratada. Não nos podemos esquecer que as abelhas são um dos principais reguladores do nosso ecossistema», recorda o antigo professor.
Sustentabilidade no “negócio do mel”
«A apicultura é um negócio que pode tornar-se rentável, seja com a extração do mel ou com a polinização dos campos, mas isso exige compromisso. O apicultor profissional tem o dever de cuidar das abelhas e da fauna e flora envolventes. Há que usar determinados métodos para garantir que todos os processos são o mais naturais possível», recordou.
Ainda no seu armazém, o agora cooperante na CAP Mel – a maior cooperativa exclusivamente apícola do país (trabalha com o Grupo Sonae e com a Nestlé) -, mostrou-nos que nesta área tudo se aproveita: «A abelha coleta o néctar, produz o mel que depois é retirado pelo apicultor através de “quadros” previamente colocados na colmeia com uma cera moldada, os quadros são inseridos numa prensa que separa o mel e a cera. A cera é depois derretida e novamente moldada, o mel embalado e os quadros voltam “sujos” para junto das colónias, de forma a que as abelhas se alimentem do excedente. O processo repete-se».
O que mata a abelha, também “mata” o apicultor
Depois da teoria, Bernardes convidou-nos para passar à prática. Na Bezerra encontrámos um dos seus apiários e pudemos testemunhar, ao vivo e a cores, o processo de extração do mel. Num ápice, milhares de abelhas dançaram de forma pouco amistosa à nossa volta, nada que não faça parte da natureza de um animal que vive sob constante ameaça.
«Alterações climáticas, incêndios, vespa velutina e furtos» são, neste momento, os principais inimigos das abelhas e dos apicultores, segundo João Bernardes, que lamenta que seja difícil contrariar esta tendência enquanto «a apicultura for considerada o parente pobre da agricultura».
Fotos | Luís Vieira Cruz