Nos últimos anos temos assistido a uma crescente procura por jogos de tabuleiro, procura essa que foi incrementada com o confinamento, uma vez que as pessoas estão mais tempo em casa e com as suas famílias. Para perceber um pouco melhor a importância e o interesse crescente pelos jogos de tabuleiro, O Portomosense esteve à conversa com Micael Sousa, membro fundador e vice-presidente da Asteriscos, a associação de jogadores de tabuleiro de Leiria, e com Pedro Silva, um dos elementos da mesma associação e é precisamente este último que abre a conversa: «Quando falamos em jogos de tabuleiro, as pessoas ligam às Damas, Xadrez, ou até Monopoly, no entanto há todo um novo mundo nos jogos de tabuleiro modernos», adianta.
«Estes jogos são muito diferentes dos clássicos», reforça Micael Sousa explicando que não têm alguns dos problemas que criam frustração, como por exemplo «eliminação de jogadores» ou situações em que «as pessoas discutem», o que acaba por ser «uma experiência» frustrante. Os jogos modernos são «muito mais elegantes nas mecânicas e dinâmicas que proporcionam», existindo uma variedade grande suficiente para trazer soluções para todas as famílias, explica. O fundador da Asteriscos adianta ainda que estes jogos são experiências únicas que «aproximam verdadeiramente as pessoas», uma vez que «estão todos a participar numa atividade coletiva».
Micael Sousa sempre teve o hábito de se juntar com amigos para um serão de jogos de tabuleiro na Marinha Grande, e foi aí que teve a ideia de «criar alguns encontros à sexta-feira», não só para ter um espaço onde pudesse jogar, mas também para receber pessoas que queiram «experimentar e aprender» algo novo. O fundador da associação acredita que os jogos de tabuleiro «vivem muito da comunidade», uma vez que criam um «sentimento de pertença», adiantando que existem vários grupos online dedicados à temática. Foi em 2014 que a Asteriscos nasceu, com a ajuda da associação Fazer Avançar, no entanto «o projeto foi evoluindo, e rapidamente ganhou identidade própria», e hoje em dia é muito mais do que apenas uma comunidade de jogadores. Segundo o vice-presidente, a associação tem tentado sempre que os jogos de tabuleiro tenham «alguma contribuição em termos sociais».
“Todas as pessoas gostam de jogar”
Nesta tentativa de contribuir para a comunidade, a Asteriscos desenvolveu várias iniciativas, que estão paradas devido à pandemia, mas Micael Sousa assegura que assim que terminar, voltarão aos projetos que foram interrompidos. A associação foi chamada a fazer algumas demonstrações nas escolas para mostrar o «potencial que os jogos de tabuleiro têm para o desenvolvimento de competências como a socialização» e também relacionando os jogos com algumas matérias lecionadas.
O dirigente associativo refere que atualmente as pessoas começam a sentir um «excesso de digitalização» na sua vida, por isso «procuram cada vez mais experiências materiais» que as aproximem umas das outras. Ao estarmos a jogar com uma pessoa presencialmente, «interagimos diretamente com ela, as pessoas comunicam com o corpo todo, e a comunicação pelas redes digitais tem essa limitação», realça. Micael Sousa adianta ainda que um fator importante dos jogos analógicos é o facto de não terem sistemas de automatização ou interfaces, «não existe um ecrã para fazer de barreira», e as pessoas para jogarem têm de estar envolvidas. Tudo isto leva a que «durante aquele período de tempo» estejam «verdadeiramente» presentes com quem estão a jogar e não «distraídas» com outras coisas.
De acordo com o vice-presidente, os jogos de tabuleiro são uma ferramenta muito importante para as crianças que lhes ensina, de forma indireta, «a lidar com a derrota e com o respeito pelas regras, etapas em que vão progredindo» e obtendo «recompensas à medida que vão desenvolvendo competências», gerando aprendizagens ao mesmo tempo que se divertem. Ao contrário dos jogos de computador ou telemóvel, os de tabuleiro são presenciais, o que quer dizer que as crianças vão ter de lidar com os outros jogadores, vão «surgir conflitos», o que leva a uma aprendizagem sobre comunicação e empatia. Além da parte social, um jogo de tabuleiro é também uma forma de «estruturar e desenvolver o pensamento lógico». Pedro Silva, médico de formação, a trabalhar no concelho de Porto de Mós, partilha da mesma opinião de que este tipo de jogos é importante para as crianças, pois ensina-as a «esperar pela sua vez de jogar» e a «terem capacidade de colaborar e trabalhar em conjunto», que são habilidades essenciais. Adianta ainda que jogar «é quase como trabalhar», a capacidade de «sistematização, organização e perseguição de um objetivo» e pode ser «muito interessante» em termos formativos não só para crianças mas também para pessoas de outras idades.
“Explorar o lado interior”
Uma das características mais importantes dos jogos de tabuleiro modernos, segundo Micael Sousa, é que estes garantem que todas as pessoas da família podem estar a jogar o mesmo jogo, permitindo a socialização «entre gerações». O fundador da Asteriscos deixa algumas sugestões de bons jogos portugueses para jogar em família: Café, Rossio, Porto, 6 Castelos e Estoril.
Os jogos de tabuleiro são a área de estudos de Micael Sousa, que tem colaborado com diversas entidades, fazendo investigação sobre maneiras de os utilizar. O investigador afirma que «uma das principais áreas» da «aplicação séria dos jogos» é na área da saúde, já existindo vários terapeutas que usam alguns dos seus elementos. O vice-presidente da Asteriscos usa os jogos de tabuleiro para estudar a personalidade das pessoas afirmando que permitem explorar o «lado interior», embora reconheça que quando são utilizados por terapeutas ou psicólogos, estas ferramentas são levadas a outro nível.
Desde a sua infância que Pedro Silva gosta de jogos, mas foi apenas quando estudava na Escola Secundária que «teve acesso» a uma «ludoteca de jogos temáticos», e com a ajuda do seu professor conseguiu «alimentar o bichinho» e perseguir esta paixão. Para famílias interessadas em começar a sua aventura nos jogos de tabuleiro, Pedro Silva recomenda o Catan, que foi «o que tornou os jogos naquilo que são hoje», pois tem um elemento de convívio muito bom, mantém todas as pessoas no jogo até ao fim e não é muito cansativo.
Embora «a ganhar fãs por todo o país», em Portugal a comunidade adepta de jogos de tabuleiros ainda é pequena, especialmente quando comparada com o centro e o norte da Europa, onde o «hábito de jogar está enraizado» nas famílias. Micael Sousa afirma mesmo que os criadores de jogos na Alemanha «têm tanto reconhecimento social como o escritor de um livro».
Jéssica Moás de Sá | revisão