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Jovens metem “mãos à obra” num futuro cada vez mais digital

8 Setembro 2023
Bruno Fidalgo Sousa

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Bruno Fidalgo Sousa

8 Set, 2023

São jovens, com 30 anos ou menos, e é nos setores primários e secundários que ganham a vida. Num mundo cada vez mais digital há ofícios onde, mesmo com a preciosa ajuda da tecnologia, é com as mãos calejadas e o corpo dorido que se faz o “grosso” do trabalho. Nisso, quer o portomosense Virgílio Carreira, quer Patrício Azevedo, dos Casais dos Matos, concordam. O primeiro trabalha no setor da agropecuária, o segundo na serralharia. Ambos foram criados nos respetivos meios, e foi neles que encontraram ofícios que levarão para a vida – nestas profissões não há grande medo que falte trabalho. Afinal, «todos precisam de alimentos», por um lado, e todas as casas vão precisando de pequenos (ou grandes) trabalhos de serralharia. A tecnologia está lá, existe e é útil, numa dicotomia entre a profissão de outrora e a dos nossos tempos: Virgílio Carreira tem orgulho do sistema Cow Caretaker, uma «tecnologia de automação e monitorização em engorda intensiva de bovinos, um sistema construído totalmente em Porto de Mós, por quatro portomosenses», para a empresa que gere com o irmão, a Meat of the Gods, um complemento ao trabalho que faz todos os dias; já Patrício Azevedo, ainda que sem receio de vir a ficar sem emprego a longa-prazo, menciona a Inteligência Artifical como o futuro da profissão, que «não se vai perder, mas vai se calhar ser substituta por robots». Ainda assim, «vai sempre haver alguém que se vai safar à grande» com uma «arte» que considera ser «uma mais-valia para quem quer apostar nisto».

Entre a serralharia e as câmaras de vídeo

Patrício Azevedo faz 24 anos em outubro e, da sua idade, não conhece mais ninguém a trabalhar em serralharia. Ele próprio não estaria nessa profissão se não fosse a empresa do pai – Serralharia Vítor Azevedo -, onde ajuda desde que é criança: «Ia fazer companhia ao meu pai nos trabalhos e acabei por aprender e ver como é que ele fazia», explica. De portões a canalizações, passando pelo aquecimento central, «há trabalho para “dar e vender” e às vezes não dá para fazer tudo», daí que acompanhe o progenitor “em tempos de crise”, «quando ele está mais apertado» de trabalho. Algo para o qual não estudou (cursou Pós-Produção Vídeo e Grafismo na Escola de Tecnologias Inovação e Criação), mas também não foi preciso. Aprendeu desde cedo o ofício e a curiosidade natural ajudou: «Gosto de saber um pouco de tudo, tanto da área do meu pai como nas outras, se calhar é o que me faz apostar mais [na serralharia]», explica a O Portomosense. Então vai-se desdobrando entre esse trabalho mais “manual” e a área da videografia e do marketing digital, mas também com o desenho 3D de projetos de arquitetura. Mas, mesmo que seja esse o trabalho que mais gosto lhe dá fazer, sabe «que se o vídeo não der» tem ali «trabalho garantido».

Difícil, com «o trabalhar no terreno, ao calor, ao sol, bastante cansativo», mas o que é difícil também traz outra experiência, e a experiência fica para a vida, já que este «é um trabalho em que se aprende ali uma coisa, mas a mesma base dá para outra área». Sem receio que a tecnologia substitua por inteiro esta «arte», não se considera um exemplo por não «apostar nisto a 100%». Mas responde, confiante, que devia haver mais jovens a fazê-lo. E há mercado para tal.

Entre as novas tecnologias no mais antigo setor

Ser jovem é também primar pela modernização, pela inovação, pela adaptação. Foi isso que fizeram Virgílio Carreira, de 30 anos, e o irmão, José Carreira, de 35, quando criaram há dois anos a empresa Meat of the Gods, sediada na Ribeira de Cima, num espaço que herdaram do pai, já falecido, que o tinha herdado também do pai. «Um negócio de família» que engloba pomares, suinicultura e bovinocultura e que renasceu com uma nova roupagem. Por um lado, decidiram investir na já referida «tecnologia de automação e monitorização em engorda intensiva de bovinos, um sistema construído totalmente em Porto de Mós, por quatro portomosenses», um software designado de Cow Caretaker que permite «ver a vida do animal desde que entra até que sai». «A gente sabe o comer que se lhe deu hoje e o que se vai dando, e se o animal não estiver bem, o computador vai dizer. É uma mais-valia que não se tinha a perceção», explica, frisando que, por um lado, a tecnologia, de um modo geral, ajuda «bastante» e que, por outro, é também por serem jovens que dão mais valor a estas inovações. Aliás, toda a equipa da Meat of the Gods é jovem, «mesmo a nível dos veterinários e dos nutricionistas», «nenhum tem mais de 40 anos. Na altura o requisito do veterinário era que tinha de ser novo», explica. Por outro, alinharam o nome da companhia ao circuito comercial, com um nome que rapidamente indica a intenção dos jovens portomosenses, exportar para fora, e investiram na sustentabilidade, quer a nível da nutrição dos animais (e respetivos efluentes) e na redução da pegada de dióxido de carbono. Um apanágio das gerações mais jovens, cada vez mais cientes da sua responsabilidade ambiental. E rejeitam uma ideia conservadora e datada que é uma menor “intelectualidade” neste tipo de profissões. «Pelo contrário», diz mesmo Virgílio Carreira, fazendo notar que «esta profissão, embora em algumas situações se tenha que utilizar o corpo e de forma árdua, é também umas das profissões em que se tem de ter uma cultura geral bem recheada, beber informação de todas as áreas que tenham interação com o mundo agrícola e são muitas, um profissional desta área atualmente sabe fazer de tudo um pouco, ao contrário de outras profissões» consideradas mais “académicas” ou “intelectuais”.

Nascido e criado entre o gado e os pomares, Virgílio Carreira, à semelhança de Patrício Azevedo, não se considera «um exemplo» para outros jovens: «Simplesmente faço o que gosto e é o que todos deviam fazer na vida», diz, com uma ressalva. Se não tivesse as origens que tem, provavelmente não estaria envolvido no meio, «porque é preciso nascer nisto para aguentar o trabalhar todos os dias sem sábados, domingos ou dias santos». Essa é efetivamente a parte mais difícil de uma profissão onde «há sempre trabalho», mas que também acarreta muito sacrifício, com «alturas em que se tem de andar à chuva e ao calor, sacrificar um pouco a família devido ao elevado número de horas que se faz». Não só na agropecuária “pura e dura”, já que, como explica, «na parte da produção animal faz-se de tudo um pouco, desde serralheiro, pedreiro, canalizador, devido ao desgaste do material usado permanentemente pelos animais». Ainda assim, o «trabalho é “fácil”». As aspas são do próprio, que reforça a ideia: «É “fácil” porque faço o que gosto. Não me via a fazer outra profissão neste momento». E prevê continuar, já que considera esta «uma profissão para o futuro e com futuro, porque todos precisam de alimentos», embora confesse que haja «cada vez menos jovens nesta profissão, porque quem tenta iniciar um projeto de vida agrícola, sem qualquer suporte familiar, ou financeiro, acaba por não aguentar muito tempo, devido ao elevado investimento que é necessário para alavancar toda uma estrutura».

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