Quase de uma assentada, e para surpresa geral, o Juncal perdeu a prometida e contestada central fotovoltaica e cerca de 20 hectares de floresta. O chamado Parque Solar do Juncal morreu antes de ter nascido e com ele uma área maioritariamente constituída por pinhal, equivalente a 20 campos de futebol. «Razões de inviabilidade técnica, nomeadamente relacionadas com a orografia do terreno», são apontadas pela empresa promotora, para justificar a sua desistência de um projeto «de milhões».
Em declarações ao nosso jornal, Alda Delgado, administradora da Tecneira, reconhece que a empresa «sempre achou que este projeto era um grande desafio do ponto de vista do terreno» e tendo em conta essa realidade «fez tudo o que estava ao seu alcance em termos técnicos, e um investimento considerável, para viabilizar o projeto», nomeadamente tentando encontrar uma tecnologia compatível com a orografia do terreno». No entanto, após a desmatação e um estudo mais aprofundado em termos de topografia «concluiu-se que tecnicamente não era possível a instalação dos painéis». «O terreno tem mesmo uma orografia muitíssimo complicada e não havia qualquer compatibilidade com as tecnologias disponíveis no mercado. Ainda se recorreu a uma outra que só um fornecedor no mundo tem mas concluiu-se que o projeto não era viável tanto em termos técnicos como financeiros», justifica.
Questionada sobre se os custos foram o motivo principal que levaram ao cancelamento do projeto, Alda Delgado sublinha que para qualquer empresa «só faz sentido fazer um investimento caso este seja viável. Por isso, «económica e financeiramente estar a fazer um investimento de largos milhões, como era o caso, para algo que não é viável, era um absurdo».
«Aqui somos um dos principais lesados. Fizemos um investimento bastante considerável e mesmo assim não avançámos [para a montagem do parque voltaico]», diz com pesar.
Embora a desmatação não tivesse sido feita com esse propósito, considera que «até houve alguma vantagem nesta limpeza» em termos de «prevenção de incêndios florestais».
Empresa apoia reflorestação
«Nós cumprimos integralmente o contrato de arrendamento mas uma vez que o nosso projeto já não vai avançar, achamos que é importante proceder à reflorestação daquela área. Assim, já temos um acordo fechado com os proprietários e que prevê uma contribuição financeira para ajudar a esse fim», revela, acrescentando que fará sentido pensar-se «num pinhal semelhante ao que existia e a árvores mais resistentes», no entanto, frisa que se está a falar de «propriedade privada», portanto, «terão de ser os proprietários a decidir o que fazer e quando».
O Portomosense falou também com um dos dois donos dos terrenos, Alfredo Monteiro de Matos, que confessou que ambos foram «apanhados de surpresa» e não estavam a contar «que a empresa desistisse do negócio», daí que neste momento ainda não tenham definidos quaisquer «planos para aqueles terrenos». À partida, a hipótese de reflorestação é sempre a primeira opção», no entanto, «pode aparecer outra porque são terrenos muito grandes e com uma localização mais ou menos e pode ter outras utilidades que não só a floresta, diz. «Se não houver mais nada será floresta. Aliás, uma parte vamos licenciar para reflorestação e deverá ser com pinheiros».
Alfredo Monteiro de Matos explica que «já está tudo resolvido com a empresa, nomeadamente, em termos de prejuízos», no entanto, deixa transparecer uma certa desilusão pelo fim inesperado do Parque Solar do Juncal.
Projeto contestado pela população durante sessão de apresentação e em petição pública
O projeto de instalação de um parque fotovoltaico às portas da vila do Juncal – o denominado Parque Solar do Juncal – teve a sua apresentação pública à população a 7 de julho de 2022 e logo ali foi alvo de contestação popular.
O Salão Paroquial acolheu cerca de meia centena de pessoas e foram várias as vozes que se levantaram contra o abate de uma extensa área de floresta, considerada por alguns o “pulmão verde” da freguesia. Outras das preocupações manifestadas tinham a ver com a proximidade excessiva a algumas habitações e os problemas que poderiam resultar do deficiente escoamento da água das chuvas.
Depois de vários moradores terem criticado a instalação daquela unidade «na zona que seria de crescimento natural da vila do Juncal», o presidente da Câmara, Jorge Vala, esclareceu no mesmo encontro que os terrenos em causa estão em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN) e Rede Natura, áreas onde o Plano Diretor Municipal (PDM) prevê a possibilidade, apenas, de construção de parques de energias alternativas, como era o caso. Daí que para o autarca não fizesse sentido falar-se de zona de crescimento da vila uma vez que «é solo agrícola e o PDM diz que é uma zona não desafetável. Ora se não pudermos nos próximos 10, 15, 20 anos desafetar de agrícola para terreno urbano, também não podemos construir», afirmou, lembrado ainda que o tal “pulmão verde” estava em propriedade privada, portanto, só existia enquanto os respetivos proprietários o quisessem.
De qualquer forma, Jorge Vala garantiu nesse encontro com a população que a Câmara fez tudo o que podia e devia sobre este projeto e que só foi aprovado «depois de um conjunto de inevitabilidades»: o PDM prever «a construção de parques de energias alternativas em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN) como é o caso» e ter havido «parecer favorável de todas as entidades». Mesmo assim foi pedido um estudo de impacte ambiental do qual a empresa foi dispensado pela Agência Portuguesa do Ambiente.
No final da reunião, os populares diziam-se pouco ou nada esclarecidos do que seria o Parque Solar e, principalmente, das consequências para a terra, da sua montagem e posterior entrada em funcionamento. No entanto, poucos pareciam acreditar que o processo fosse reversível tais as garantias dadas pela empresa e pelo presidente da Câmara de que todas as licenças já estavam emitidas.
Ainda foi elaborada uma petição pública online e uma outra em papel (a digital contou apenas com 124 subscritores) mas o processo parecia imparável e mais certezas houve quando começaram as operações de desmatação. Foi, então, a surpresa geral quando a empresa veio a público confirmar que o Parque Solar do Juncal, afinal, ficaria pelo caminho por não ser ter revelado viável em termos técnicos.
População e autarcas pedem reflorestação
Confirmado que está o fim do projeto que visava a instalação de uma central fotovoltaica às portas da vila do Juncal, O Portomosense foi ouvir autarcas e populares. A central era de iniciativa privada e seria instalada em espaço igualmente privado mas com consequências públicas, como o corte de cerca de 20 hectares de floresta.
O discurso dos autarcas afina pelo mesmo diapasão: presidentes de Junta e de Câmara lembram que se tratava de um investimento privado e ambos esperam que à ação de desmatação se siga a de florestação. «De um lado está uma empresa, do outro, um privado, portanto não há muito a dizer. As pessoas já estavam convencidas que aquilo ia avançar e deu-se cabo de um bom bocado de floresta e agora não há lá nada, nem mesmo mato», diz o presidente da Junta de Freguesia do Juncal, Artur Louceiro. Embora sem o dizer, fica claro no seu discurso o desconforto por a empresa ter reunido «apenas com a Câmara» para a informar dessa decisão, tendo sido através desta que soube da «intenção da empresa em ajudar na reflorestação». E como é que a população reagiu ao anúncio de que já não vai haver central fotovoltaica? «Ficou de algum modo satisfeita porque as pessoas pensavam que ia acabar tudo naquela área», responde.
O presidente da Câmara, Jorge Vala, é também parco em apreciações: «Os comentários que faço são os mesmos que já fiz aquando da apresentação do projeto. Trata-se de um investimento privado em espaço que é de privados e a Câmara não foi parte da decisão [de instalação]. A única coisa que nos pediram foi uma certidão de localização onde o Município atesta que o espaço reúne condições para aquele fim de acordo com o PDM». «O que eu pedi [agora] à empresa e aos proprietários é que apresentem rapidamente um plano de reflorestação e que o concretizem. A empresa disse-nos, inclusive, que iria ser parte do investimento e os proprietários irão fazer o mesmo», explica o autarca adiantando que «de acordo com estes a grande maioria do pinhal estava em altura de corte portanto isso evidencia que seria mais ou menos inevitável, mais cedo ou mais tarde, o abate das árvores para comércio».
Jorge Vala espera que a reflorestação «seja com pinhal e árvores autóctones resistentes ao fogo» e nega que possa ali nascer uma grande área de eucaliptal como alguns temem, lembrando que há regras específicas a cumprir e entidades públicas que têm de dar parecer positivo. De qualquer forma, é sua convicção de que se trata de um espaço onde nunca poderá nascer uma grande área de eucalipto.
Moradores satisfeitos
Carlos Rosário, um dos juncalenses que mais lutaram contra o projeto de instalação do Parque Solar, diz ao nosso jornal que «enquanto cidadão e um dos responsáveis pela petição» contra a central, fica «satisfeito com este desfecho». «Fico contente que tenha ido abaixo. Por conhecer algumas situações tinha quase a certeza que não iria avançar tal como, de facto, não avançou», refere.
«O presidente da Câmara já me disse que a intenção é reflorestar e eu até sugeri que fosse comprada uma parte dessa área para depois, no futuro, poder ser aproveitada para benefício da freguesia. Isto porque quando é privado as pessoas pedem muito dinheiro e assim se a Câmara a adquirisse podia vir a ser útil ao Juncal em várias áreas», acrescenta.
Para este morador do Andam, há um ano, na reunião de apresentação do projeto, «houve a venda de um “produto” que, claramente, não estava de acordo com a realidade. A história foi muito mal contada e as entidades oficiais tentaram livrar-se das responsabilidades». Carlos Rosário diz também que houve alguns organismos que «aprovaram o projeto tacitamente», ou seja, que ao não se pronunciarem dentro dos prazos legais isso levou à sua aprovação automática. Fui para a Direção-Geral de Energia quando começaram a desmatar mas não vi licença nenhuma», exemplifica.
No seu entender, muitos juncalenses só se aperceberam do que seria a central mais tarde. «As pessoas, ao início, não perceberam o que estava ali a ser feito, achavam que era uma coisa para se servirem, para terem energia mais barata em casa mas era precisamente o contrário», sublinha.
João Coelho, outro dos moradores contactados pelo nosso jornal, conta que foi recentemente submetido a uma intervenção cirúrgica e que, por isso, não tem falado com muita gente, mas que a verdadeira boa notícia será se a antiga área florestal não for ocupada com eucaliptal. «Não fico mais satisfeito por não ter os fotovoltaicos se no mesmo local vier a ter uma mata de eucaliptos», frisa.
No âmbito deste artigo, O Portomosense contactou a Direção Geral de Energia e Geologia, a Agência Portuguesa do Ambiente e a CCDR Centro sobre o fim antecipado do projeto e as condições de licenciamento, e até ao fecho desta edição não obteve resposta.
Energia para 5 800 casas
De acordo com dados revelados pela empresa, o projeto do Parque Solar passava pela instalação de 20 196 painéis solares com capacidade para produzir 19 503 MWh, ou seja, energia suficiente para abastecer 5 800 habitações, o que equivale a levar energia elétrica a quase metade dos lares portomosenses. Com isto evitava-se o envio para a atmosfera de 7 235 toneladas de dióxido de carbono (CO2).
Previa-se que o Parque demorasse um ano a ser montado e que nessa fase fossem criados cerca de 50 postos de trabalho, estimulando, ainda, a economia local em termos de restauração e alojamento. Depois de concluído a expectativa era a de que pudesse contar com dois funcionários.
O Parque teria um período de vida útil de 30 anos, após o qual teria de ser obrigatoriamente desmantelado.