A sessão tinha o propósito de esclarecer a população do Juncal sobre o parque fotovoltaico a construir às portas da vila. Contudo, volvidas três horas, foram muitos os que confessaram sair «com mais dúvidas e medos». Participaram cerca de 50 pessoas, tendo meia dúzia colocado dúvidas e partilhado apreensões às quais a empresa promotora foi tentando responder, contudo, houve quem se queixasse da informação «escassa» e «incompleta».
Depois da apresentação do projeto por parte de dois elementos da empresa, que garantiram que tudo está a ser feito de acordo com a lei, foi dada a palavra ao público. João Manuel Coelho reconheceu que «os terrenos são privados e os donos têm todo o direito a fazer o que bem entenderem», no entanto confessou-se «muito preocupado com o futuro das novas gerações e a continuidade da freguesia» e questionou se «os terrenos são os mais adequados», se alguém pensou que «esta infraestrutura vai prejudicar o pequeno pulmão verde que ali existe» e se se teve em conta que «aquela é a única área possível de desenvolvimento da terra». Por sua vez, Cristina Rosa disse que «é preciso ter em conta o impacto que o parque terá no ambiente e na comunidade» e que não se pode «falar da quantidade de energia que será produzida e quanto CO2 deixará de ser lançado na atmosfera, mas nada dizer das toneladas do mesmo gás que a floresta iria absorver se agora não fosse destruída». Defendeu, ainda, que devia ter sido feito um estudo de impacte ambiental para avaliar precisamente os prós e os contras.
Carlos Rosário apelidou o parque de «aborto», afirmando que é coisa que os juncalenses não precisam. Mostrou-se convicto de que «as vantagens a nível local serão zero» e acusou o presidente da Câmara de já saber deste projeto ainda antes das eleições, mas só agora se pronunciar. Octávio Almeida questionou a quantos metros é que o parque ficará das habitações, mas o técnico presente disse não ter essa informação consigo. O jovem quis também saber «o que está a ser feito para que a água das chuvas não vá causar prejuízos nas propriedades vizinhas» e isto porque, «se até agora a vegetação permitia uma infiltração lenta nos solos, quando for cortada, a água não se infiltrará da mesma maneira e escorrerá para algum lado», alertou. Joaquim Santiago disse que «não se percebe como é que a área florestal se concentra em três freguesias e este parque, por azar, foi logo cair no Juncal onde já há um areeiro que é um mamarracho». «Isto é para o Juncal desaparecer do mapa. Pelo menos, nos próximos 30 anos desaparece», sublinhou.
Depois do presidente da Junta ter questionado se «o terreno vai ser terraplanado, a que altura do solo ficam os painéis e se por baixo haverá vegetação», Hugo Grazina disse não ter ficado convencido com as garantias dadas pelo representante da empresa de que a questão da água das chuvas está a ser devidamente acompanhada. Lamentou ainda que não tivesse sido feito um estudo para tentar perceber «o impacto que a acumulação de tanto calor e a sua transformação em energia terá para a população (e animais), em especial aquela que vive mais perto».
Outro dos jovens obrigados a viver paredes meias com o parque, Ricardo Barros, disse que consequência disso, a sua casa, que até agora valia 400 mil euros, «passará a valer apenas 100 mil» e que, quando receber alguém, o mais provável será perguntarem-lhe se vive «numa vila ou numa zona industrial». Vítor Nascimento questionou o presidente da Câmara se «tem algum plano para desenvolver o Juncal e para que zona é que a vila poderá crescer». «Onde é que os jovens vão poder construir? Isto é mandá-los embora. São 30 anos em que o Juncal vai estar parado se não houver uma alternativa», frisou.
Luciano Vieira quis saber como é que está prevista a saída da energia para “injeção” na rede elétrica, e João Faustino queixou-se de que «isto não foi uma sessão de esclarecimento porque é um ato consumado», acrescentando, irónico, que «já se percebeu que, para a empresa, este parque só tem vantagens e nenhum inconveniente, é tudo ótimo».
“Fizemos tudo o que podíamos fazer”
«O Município fez o que podia e devia ser feito relativamente ao projeto de instalação do parque fotovoltaico no Juncal». Esta é a convicção do presidente da Câmara, Jorge Vala. Durante a sessão de esclarecimento, o autarca frisou que o parque foi aprovado pelo Município mas só «depois de um conjunto de inevitabilidades»: o PDM prever «a construção de parques de energias alternativas em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN) como é o caso» e ter havido «parecer favorável de todas as entidades». Ora, quando isto acontece «o Município não pode dizer “não”, sob pena de criar um imbróglio jurídico com quem tem um direito adquirido», sublinhou.
Mesmo assim, disse o responsável, «exigiu à empresa coisas que nenhum outro lhe exigira antes», como «a salvaguarda dos caminhos públicos» e a elaboração de um «projeto para cada conjunto de painéis». Além disso, «a solução para, de alguma forma ficarmos tranquilos com o processo, foi pedir um estudo de impacte ambiental, no entanto, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) dispensou-o deixando-nos sem margem de manobra. Se a APA e a CCDR (que é a entidade que gere a REN) dispensam, não podemos obrigar a empresa a fazê-lo», sublinhou.
Relativamente às queixas de que a discussão chega demasiado tarde, disse que a sessão só aconteceu agora «porque só agora é que o parque está aprovado». «Antes de uma coisa ser aprovada, não posso vir perguntar à população se aceita, porque não sei se o será», afirmou. Quanto a eventuais contrapartidas, o edil recordou que «se no caso dos parques eólicos a legislação obriga as empresas ao pagamento de um determinado valor às câmaras e às juntas, essa situação já não acontece nos parques fotovoltaicos». «A empresa só dá contrapartidas, se quiser. Se eu pudesse obrigar, teria de pagar, mas não posso», disse.
Jorge Vala frisou ainda que «dizer-se que se vai destruir o pulmão verde do Juncal ou condicionar o futuro da vila, é uma falsa questão». «O tal pulmão está em propriedade privada, portanto existe enquanto os proprietários o quiserem», destacou. Já a vila nunca poderia estender-se para ali, porque «é solo agrícola e o PDM diz que é uma zona não desafetável. Ora, se não podermos nos próximos 10, 15, 20 anos desafetar de agrícola para terreno urbano, também não podemos construir», concluiu.
Energia suficiente para fornecer 5 800 habitações
O parque fotovoltaico que a empresa Tecneira vai instalar no Juncal será composto por 20 196 painéis, cada um «com cerca de dois metros de largura, por um de comprimento». Os painéis irão assentar num sistema de estacas com cerca de 1,5 metros que serão fixadas no solo sem recurso a betonagem. Refira-se, a título de curiosidade, que «os painéis rodam muito lentamente ao longo do dia, de leste para oeste, para acompanhar o sol e otimizar a produção». A área (florestal) adquirida a dois particulares para o parque é de cerca de 20 hectares. A Central Solar de Porto de Mós, como se intitula o parque, terá uma potência instalada de 11 megawatt. Prevê-se que produza anualmente 19 503 Mhw, o que corresponde a energia suficiente para abastecer 5 800 habitações. Com isto evita-se o envio para a atmosfera de 7 235 toneladas de dióxido de carbono (CO2).
A construção da central irá demorar cerca de um ano e a empresa prevê que, para essa fase, sejam criados cerca de 50 postos de trabalho, realçando, ainda, que isso «estimulará a economia local», nomeadamente em termos de «restauração e alojamento». Já a funcionar, serão necessários, apenas, «um ou dois trabalhadores». A central tem um período de vida útil de 30 anos pelo que concluído esse prazo será, obrigatoriamente, desmantelada.
A empresa garante estar a seguir escrupulosamente a lei e que tudo, desde a construção até ao funcionamento, será feito para minimizar os incómodos. O corte de árvores e vegetação será também, apenas, o necessário, assegurou. O parque «não usa baterias», nem qualquer equipamento que possa causar o fogo e, como «os painéis não refletem a luz», não farão sentido os receios «quanto a um eventual aumento da temperatura na zona», explicaram os representantes da Tecneira.
Fotos | Isidro Bento e Jéssica Moás de Sá