Estamos em 2022, o cenário é de festa, a noite é longa e as pessoas vão dançando na pista improvisada junto à Igreja Matriz do Juncal. A certo ponto, a coluna de som toca um tema menos familiar para os visitantes da vila portomosense, mas que os juncalenses parecem não esquecer. “É o pão/é o frango/a imperial/é isto que mexe o pessoal do Juncal”, ouve-se, e o público canta como se estivesse em 2011, quando saiu essa que foi a primeira música dos Juncalhatoda, “O Ritmo do Juncal”, paródia de um outro ritmo popular. «Na verdade», explica ao nosso jornal João Alves, um dos elementos do grupo, «a Ritmo do Juncal foi feita numa de ser o hino das Festas de São Miguel», certame que encerra hoje, 22 de agosto, mais uma edição.
A esse tema seguiram-se outros 10, dentro de 32 vídeos publicados num canal de Youtube que acumula mais de dois milhões de visualizações. Embora os números em nada relatem o percurso dos juncalenses, a adesão do público aos temas que rodou nos discos nas Festas de 2022 o DJ “da casa”, Costa M, também ele Juncalhatoda, foi muito mais reveladora daquilo que “mexe o pessoal do Juncal”: um grande «bairrismo» e uma sensação de pertença. Afinal, foi assim que começou o grupo, numa altura em que «havia telemóveis, mas não havia redes sociais», e uma mensagem bastava para movimentar os jovens juncalenses rumo ao bar da associação, o “clube”. Muitas vezes nem era preciso a chamada: «O pessoal já sabia que chegava-se ali à sexta ou ao sábado, a gente íamos encontrar todos no clube a seguir ao jantar, não era preciso combinar nada, e acabou por criar-se ali um à-vontade de estar com as pessoas do Juncal e lá está, o “ser Juncal” acaba por ser isso», garante João Alves. Essa proximidade é, aliás, uma outra componente do espírito juncalense, aliada à “largura” da faixa etária: as idades dos cerca de 15 a 20 elementos do grupo variavam, «desde o Mauro [Agapito], que tinha para aí 15 anos na altura, ao Bruno “Euro” Ruivo, que tinha 30 ou 31. Não é uma cena pequenina de malta com dois ou três anos de diferença, no Juncal a malta dava-se toda muito bem, e por isso é que somos tantos», explica outro dos integrantes, Nuno Ascenso.
Os ritmos da vila juncalense
“O Ritmo do Juncal” foi a primeira música e o primeiro videoclip, gravado de forma quase improvisada, num software livre e com um “pano verde” que era azul. Mas foi com “Quintal Party” que, acreditam João Carreira e Nuno Ascenso, os habitantes do Juncal ficaram a conhecer os Juncalhatoda. Nesse ano (2011), tocariam pela primeira vez nas Festas de São Miguel e no ano seguinte o videoclipe de “Rega (Vai ligar o motor de Rega)” “passou” pelo programa de comédia “Gosto Disto”, o que levou também a uma aumento de audiências no canal. Surgem depois temas como “Tá Calor”, “Tozé Sovaqueira” ou “Opracá com Style”.
Dos ecrãs verdes passaram para os cenários da vila juncalense, do GarageBand passaram a gravar em estúdio, «houve mesmo uma evolução, quer dos equipamentos, quer da forma como estruturávamos o vídeo, porque depois já tínhamos uma espécie de guião, enquanto que, ao início, estávamos uma década para fazer», relata João Alves.
«Fazer os vídeos era efetivamente muito divertido», diz, «e aquilo funcionava porque espelhava que nós realmente estávamos a rir de uma ponta à outra do dia, porque tínhamos essa noção que estávamos a fazer umas figuras parvas, mas na altura não queríamos muito saber dessa questão. Éramos putos de 18 anos e queríamos era divertir e beber uns copos, se bem que nunca estávamos bêbados quando filmávamos», faz questão de frisar o juncalense. Já «a fazer as letras, aí sim, se calhar ia um bocado de álcool», confessa, entre risos, Nuno Ascenso. As ideias também iam variando, ora com duplos sentidos «à Quim Barreiros», ora com as críticas sociais (em “Infelofeliz Natal”, cantam “os Correios vão fechar” – e fecharam mesmo, temporariamente). Nas palavras de João Alves: «Aí mostra que, no início, não havia mesmo intenções de chegar a lado nenhum. Era uma cena muito pessoal, para a malta do Juncal e pouco mais. Absolutamente ninguém de fora ia perceber essas piadolas». Nem era preciso. Os juncalenses nunca se mostraram reticentes em ver esta expressão artística na sua vila. Nuno Ascenso relata que «havia vezes que o pessoal parava quando a gente estava a gravar na rua. Viam e apitavam, mandavam uns bitaitezinhos». João Alves concorda: «Na altura tinhamos uma fanbase muito grande de putos. Desde a escola primária, que eles achavam bastante piada. Hoje em dia, esses putos têm 20 anos», e são eles que cantam ainda os temas dos Juncalhatoda nas Festas de São Miguel, como cantaram, por exemplo, há 10 anos nas Festas de São Pedro, em Porto de Mós. «O sábado mais barato de sempre que o Fundo Social teve de pagar. Já não se arranja um sábado àquele preço», acredita Nuno Ascenso. O cachet «foi para aí 300 euros» que acabaram «por gastar no jantar». Estiveram presentes cerca de 10 mil pessoas e os Juncalhatoda foram mesmo cabeças-de-cartaz, apesar de só terem «dado dois ou três concertos antes disso». «E os putos estavam a curtir bué, é a sensação que eu tenho de estar lá no palco, o pessoal queria que a gente estivesse lá mais uma hora ou duas», relata o juncalense.
Mais de uma década depois
Hoje, segundo Nuno Ascenso, «é muito difícil» juntar o grupo (que nunca chegou a terminar, «nós não fizemos foi mais nada», conta, entre risos, João Alves), «porque um trabalha em Lisboa, outro no Porto, Inglaterra, França, outro está por cá mas já não sai porque tem filhos, outro já se casou e a mulher não deixa, há uma série de conjunções, mas sim, o máximo possível que conseguirmos juntar, a gente junta-se. Claro que nas festas do Juncal se torna mais fácil», reforça Nuno Ascenso.
As Festas de São Miguel do Juncal retomam amanhã para uma nova edição, sem nada que antevenha ouvir-se em palco Juncalhatoda, mas com a possibilidade em aberto. Os integrantes do grupo, ou pelo menos uma maioria, vão lá estar, contudo, apesar de nada estar «combinado, são coisa que nem é preciso combinar. O pessoal está no [bar do] Coreto e aparece lá. As Festas de São Miguel são sagradas», garante João Alves.