Em pleno Estado Novo, a política de Salazar envolvia a concretização de cooperativas e adegas, que produzissem especialmente azeite e vinho, embora se incluíssem outros produtos agrícolas. A ideia era tornar a agricultura o principal meio de sustento para uma grande parte da população, sobretudo nas zonas rurais. Constituiu-se uma «rede nacional de cooperativas, adegas ou lagares. Organizavam-se os agricultores, criava-se uma junta diretiva e começava-se a construir estes espaços, o Estado Novo é que os fazia», explica Vítor Barros, um dos três sócios que agora vai reabilitar o lagar de Alvados, que foi uma destas obras do Estado Novo, «do final dos anos 1940, princípio dos anos 1950».
Para cuidar deste lagar, criou-se então a Cooperativa de Olivicultores de Alvados, que durante muitos anos manteve “o barco” estável. Como em muitas associações pelo país fora, com a desertificação das aldeias e o abandono da agricultura, foi começando a ser difícil manter as direções da cooperativa. «No final dos anos 1990, o Centro Rural [programa estatal] voltou a apoiar a cooperativa» que «levou um impulso novo», mas os problemas começaram a aparecer de uma forma irreversível: «Uma crise diretiva, os que estavam envelheceram e os novos não querem tomar conta destes espaços e isto começou a decair».
Foi aqui que Vítor Barros, ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e com casa em Alvados desde os anos 1990 por ligações familiares, juntamente com António Pedroso, ex-presidente da Junta de Freguesia de Alvados e Pedro Martins, também ligado à Junta há vários anos, decidiram mudar o rumo deste lagar. «O telhado tinha caído, isto estava completamente ao abandono, algumas máquinas tinham sido vendidas, outras roubadas. Havia várias dívidas, já iam quase em dez mil euros», contam os sócios, que ficavam «de coração partido» quando se deparavam com a degradação do espaço. Os três pagaram todas as dívidas e, recebendo «a confiança dos antigos sócios e da Junta de Freguesia [que ficou na liderança do espaço aquando do abandono da última direção]», extinguiram a Associação de Olivicultores para acabar com quaisquer problemas legais que pudessem advir. Há dois anos que andavam em processos para legalizar a nova empresa, Ingrediente Mourisco, que este ano já está capaz de produzir azeite: «Já está tudo a funcionar, ainda não estamos abertos ao grande público, mas já testámos as máquinas», garantem, salientando, no entanto, que este é um «ano mau para começar porque não há azeitona».
Os novos donos deste lagar, agora privado, querem que este continue a ser um espaço para servir a população de Alvados e de toda a região, esse foi até um «compromisso» feito com a Junta de Freguesia. «Já investimos aqui muito dinheiro em máquinas e na requalificação do edifício, sobretudo no telhado que está reforçado devido às tempestades que têm existido na zona centro ultimamente e que provocam estragos», explicam. Uma das novidades que implementaram, foi um sistema para que os produtores possam descarregar a azeitona no lado exterior do lagar e que entra diretamente para o interior, seguindo todos os passos de lavagem e pesagem. Também no exterior, nas traseiras do lagar, foi instalado o tegão, «onde é acumulado o bagaço que sai da azeitona» e que depois vai ser utilizado pelas empresas desse setor, tendo assim no exterior do lagar o início e o fim do processo. Um dos objetivos é vir a ter, no futuro próximo, outros produtos, sempre com o azeite como base, como sabonetes, chá de oliveira ou detergentes para a loiça. A empresa concorreu a fundos europeus para a reabilitação e modernização do espaço e pretende já no início do próximo ano contratar «uma ou duas pessoas a tempo inteiro para o olival, para quando chegar a campanha, o lagar ter produção própria»: «Algumas pessoas estão disponíveis para nos ceder os olivais antigos para reabilitarmos. Não queremos só produzir o azeite, queremos reabilitar os olivais», frisa António Pedroso.
Antigos sócios satisfeitos
Os três timoneiros da reabilitação do lagar de Alvados estão crentes de que têm o apoio de toda a população e que isso, inclusive, «já se nota pela plantação e poda de alguns novos olivais que estão a aparecer». António Ferreira é espelho dessa confiança que, sobretudo os antigos sócios que estiveram ligados a esta história vários anos, têm. É «com bons olhos» que este ex-presidente da cooperativa vê a iniciativa de voltar a trazer para a população este espaço. Ele próprio foi, enquanto presidente depois do 25 de Abril, um rosto de mudança ativa, durante o seu mandato: «Consegui pôr o lagar a trabalhar e comprámos um trator para os sócios que quisessem lavrar e tratar das suas propriedades», recorda, lamentando que depois as coisas tenham vindo a retroceder.
Quanto ao projeto dos novos empresários, não tem dúvidas de que tem tudo para dar certo: «Eu conheço as pessoas e tenho boas razões para acreditar que eles são capazes de levar o projeto para a frente e trazer mais uma marca de azeite». António Ferreira destaca ainda «o risco que é ser hoje empresário», salientando a coragem dos três sócios e desejando «muito sucesso».