Liberdade não se escreve sem jornalismo

28 Março 2024

Luís Vieira Cruz

«No dia 14 de março, todos os jornalistas d’O Portomosense decidiram lutar por mudanças no setor»

No dia 14 de março, data em que a 1018.ª edição d’O Portomosense saiu para as bancas, seria de esperar que a sala da nossa redação – ilustrada na foto que a título de exceção acompanha este editorial – estivesse a trabalhar a todo o vapor na preparação do número seguinte, este que agora lhe chega às mãos. Contudo, isso não aconteceu. E não aconteceu por livre e espontânea vontade de todos os jornalistas desta casa, que decidiram usar o Direito à greve para lutar por mudanças no setor.

Hoje em dia, um jornalista está por demais condicionado no exercício da sua profissão, arriscando-se a incumprir, mesmo que sem vontade própria, com o rigor que a missão exige. São demasiadas as horas extra que se trabalham para entregar qualidade; são demasiado baixos os ordenados que os profissionais – na sua esmagadora maioria licenciados – recebem ao fim do mês; há estagiários do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) a levar mais dinheiro ao fim do mês do que colegas encartados com 10, 20 ou até mesmo 30 anos de experiência e de casa; há cada vez menos valorização da nossa atividade; as assinaturas descem a ritmos alucinantes (quer a nível local, quer regional ou nacional); são demasiados os jornalistas a ir para a rua porque não há que chegue para lhes pagar ao fim do mês, tendo os restantes que colmatar a sua falta o melhor que podem ou sabem para que a informação continue a fluir…

Estes e muitos outros exemplos podem ser dados sobre um setor que cada vez mais se vê expurgado de profissionais de excelência. Estes que, com o passar do tempo, vão sendo substituídos, atraídos para outras paragens. Mas a sociedade civil tarda em aperceber-se de toda esta situação precária. E porquê? Porque se há alguém que tem amor à camisola e que tenta a todo o custo fazer cada vez mais com cada vez menos, esse alguém é o jornalista. Mas o amor à camisola não nos paga as contas. Passar a vida na red line está a esgotar-nos, a adoecer-nos, a tirar-nos a criatividade e a energia que tanto precisamos. Enquanto os bons baterem o pé e ficarem, no pasa nada. Mas quando forem embora – irão, inevitavelmente – e a sociedade realmente se aperceber da queda drástica da qualidade informativa que lhe chega (e nem vou calcar as fake news ou a Inteligência Artificial), irá, certamente, começar a dar-nos outro valor, talvez até o merecido.

Naquela quinta-feira boa parte das redações parou totalmente. E as que não pararam tiveram que se fazer mover alimentadas por estagiários ou puxando dos galões. Quanto aos que “faltaram” ao trabalho, poucos devem ter sido os que se deixaram estar simplesmente por casa. Um pouco por todo o país, particularmente nos grandes centros urbanos, milhares foram os profissionais que se aglutinaram e fizeram ouvir.

Por entre marchas, cânticos e cartazes, o vocábulo que mais se destacou entre os manifestantes foi Liberdade. E que oportuno foi falar dela, sobretudo quando a escassas semanas de celebrarmos os 50 anos do 25 de Abril vemos a nossa Democracia tão ameaçada.

Liberdade não se escreve sem jornalismo, ponto. Ou será que os anos áureos da nossa Democracia apenas coincidiram com o período em que o jornalismo e a qualidade de informação não estavam tão condicionados? Não me parece.

redacao O Portomosense | Jornal O Portomosense

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