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Luís Amado estreia ciclo de conferências sobre o 25 de Abril

8 Fevereiro 2023
Bruno Fidalgo Sousa

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Bruno Fidalgo Sousa

8 Fev, 2023

«Estabilidade» (e a falta dela) foi a palavra de ordem mais vezes empregue pelo ex-ministro da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros (e portomosense “de gema”), Luís Amado, naquela que foi a sua intervenção na primeira conferência do ciclo comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril em Porto de Mós, no passado dia 27 de janeiro. Durante cerca de duas horas, com uma plateia que lotou o Auditório da Central das Artes, o ex-governante palestrou sobre o impacto internacional do 25 de Abril, relacionando-o com a atual situação global de inflação, segurança e guerra, para a qual aponta o “Ocidente” como o principal culpado: «Em nome dos valores da democracia, perdemos o controle da situação e deixámos o mundo à beira de uma catástrofe», acredita.

«O 25 de Abril foi não só um acontecimento extraordinário para Portugal, mas teve um impacto fora de fronteiras que nós não imaginávamos que pudesse ter tido, eu próprio percebi isso quando, de facto, outras partes do mundo olhavam para a experiência portuguesa e queriam saber mais sobre como é que se tinha processado esse milagre da transição pacífica», começou por explicar Luís Amado, levantando-se da mesa que dividia com a moderadora Patrícia Alves, e o historiador Kevin Soares, membro da comissão executiva das comemorações, promovidas pelo Município. De pé até ao final do serão, Luís Amado prosseguiu, referindo que, se «os historiadores virão falar do passado», ele está «muito preocupado com o futuro». Traçando uma linha orientadora entre o 25 de Abril de 1974 e a atualidade, o antigo ministro explicou que a Revolução dos Cravos, «de certa maneira, desencadeia o início de um período de grande expansão democrática no mundo», mas que cujas falhas do referido processo estão hoje mais visíveis do que nunca.

“Um processo de transformação do país” e da Europa

Para Luís Amado, a Revolução de Abril foi «um processo de transformação do país, em que o poder local teve de facto uma importância extraordinária», acredita, por ter permitido a qualquer partido «integrar-se no processo democrático». «Percebemos para onde é que íamos, tínhamos um objetivo político que era partilhado pelas principais forças políticas do país, independentemente de quem tinha a maioria do Governo nessa circunstância, e com esse processo de alternância foi possível desencadear uma dinâmica de estabilização da democracia portuguesa e foi isso que impressionou o mundo, impressionou muito a Europa», explica o ex-ministro. Segundo ele, «o país de hoje é uma referência», apesar de ter «desequilíbrios muito sérios ainda, desigualdades profundas, uma dívida colossal, problemas de expectativas que não estão satisfeitas, mas o que é facto é que o pais tem uma atratividade hoje que é espantosa», diz Luís Amado, apontando duas razões relacionadas com «a vivência democrática»: «Uma sociedade pacificada e uma sociedade estabilizada» politicamente, fruto precisamente do 25 de Abril. Contudo, relembra, «o processo democrático [já] começou a retrair-se», com dois desafios fundamentais: o contexto económico internacional motivado pela guerra e o contexto social motivado pelo «modelo que se tornou de referência à escala mundial» depois do 25 de Abril e da Guerra Fria, o capitalismo.

Os desafios vigentes da democracia

Sobre o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, Luís Amado receia que possa vir a transformar-se «numa guerra apocalítica». «A NATO está de facto em conflito com a Rússia, não formalmente, mas a dinâmica de confronto está em curso», explica, justificando o porquê de achar que «vai acabar por [ser] uma nova Guerra Fria, com uma nova “cortina de ferro”, que agora irá desde o mar do Norte até Odessa, mais quilómetro, menos quilómetro de fronteira», o que levará inevitavelmente a um «mundo multipolar» e a uma «perda» do “Ocidente” no contexto económico internacional. Até «podemos saber como é que isto acaba, mas não sabemos o que é que se vai passar até à forma como acaba», diz Luís Amado. Para o antigo governante, «uma guerra que não tem uma deficiência clara, gera uma incerteza muito grande, e portanto grande instabilidade nos circuitos de impressão e distribuição [de dinheiro], é óbvio que a estabilidade das democracias é posta em causa», adianta, recordando as intervenções do “Ocidente” pelo mundo ao longo das décadas: «Estivemos 20 anos numa guerra a defender valores e princípios extraordinários, em nome desses valores e princípios extraordinários cometemos ignomias, crimes, em nome de uma visão idealista que, de alguma forma, tem criado os problemas com que nós hoje estamos confrontados. Na defesa desses valores nós olhamos para trás e vemos o rasto de tragédia que deixámos».

Já sobre o contexto social, Luís Amado refere maioritariamente as desigualdades entre classes: «O elevador social permite às pessoas perceber que amanhã podem viver melhor do que vivem hoje e que os nossos filhos podem viver melhor do que nós vivemos. Se isto falha, e está a falhar, a instabilidade social aumenta». O ex-ministro aponta como causas para uma maior desigualdade «uma política monetária muito expansionista, que favoreceu muito o capital em detrimento do fator trabalho», desequilibrando «ainda mais as condições de acumulação». Reforça, contudo, que «as sociedades democráticas são muito livres, mas também por isso o ruído de insegurança que geram é cada vez maior».

E rematou, antes de dar a palavra à plateia para uma ronda de perguntas (que até teve direito à leitura de um poema): «Já não temos muito tempo para perceber aonde é que este erro nos vai levar, para a guerra já nos levou, mas vamos ver se de facto é possível evitar uma escalada, a escalada seria muito mais difícil para todos nós».

Fundador do BE é o próximo convidado do ciclo

O historiador Kevin Soares aproveitou a ocasião para anunciar o próximo convidado do ciclo de conferências, que será a atividade principal da comissão executiva das comemorações para o ano de 2023: o historiador Fernando Rosas. «O objetivo», explicou Kevin Soares, «foi proporcionar momentos de partilha de conhecimento especializado, seja por pessoas que tiveram percursos de investigação notável, seja por pessoas que tiveram percursos profissionais notáveis». Como tal, vem à vila de Porto de Mós em fevereiro o académico e um dos fundadores do Bloco de Esquerda, Fernando Rosas, para falar «sobre a implantação da ditadura na sua longa duração, olhando sobretudo para o início». A sessão está agendada para dia 24 e tem por base o livro Salazar e o Poder – A Arte de Saber Durar, da autoria do palestrante, e os exemplares (que não são de leitura obrigatória para quem quiser assistir) podem ser adquiridos antes ou depois da sessão, num espaço promovido pela Livraria Arquivo. No entanto, como Kevin Soares fez questão de frisar, a Biblioteca Municipal de Porto de Mós «comprou-os todos», para «toda a gente poder ler» e ninguém ficar, por razões de natureza monetária, «sem acesso ao conhecimento».

Fotos | Bruno Sousa
Revisão | Catarina Correia Martins

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