O dia no Arrimal não estava convidativo a passear pelas ruas devido às negras nuvens que o céu revelava. A chuva ainda dava ares da sua graça, mas durante a conversa com Maria Casemira Sousa o sol decidiu que era uma boa altura para aparecer. Em frente às escadas da sua casa, conta-nos um pouco mais sobre a sua educação parental e como um simples carneiro lhe custou uma ida noturna à serra. Casemiro, pai de Maria, «tinha um rebanho de ovelhas grande» e tendo em conta que não teve direito a ir à escola quando era mais nova, admite que era ela «que tinha que ir lá para a serra levá-las». Como o professor da altura só dava aulas aos rapazes, havia também muitas meninas que tinham de «ir trabalhar com uma enxada a roçar mato» e «cavar por esses campos fora».
Num dos dias em que estava a guardar as ovelhas, ao regressar a casa, o seu pai contou os seus animais e percebeu uma coisa: «Faltava um carneiro». Tendo em conta que Maria não sabia onde é que se encontrava o animal, só havia uma hipótese: ir à procura dele na noite cerrada. Os seus 87 anos de vida visualizaram tempos em que não havia eletricidade em alguns pontos do país, nomeadamente Arrimal, Porto de Mós, Rio Maior e Alcobaça, o que fazia com que os percursos tivessem de ser feitos com o auxílio da memória. Maria, equipada com «uma saieca pela cabeça», e o seu pai, saíram de casa acompanhados com um pau e lá foram à caça do gambuzino, neste caso, do carneiro. Chegados à serra, mais propriamente «à Memória», o carneiro «estava lá assim num cantinho». Para que ele não fugisse mais, o seu pai «pegou o “carneiro pelos cornos” com uma corda». Apesar de serem boas notícias para o pai, para o lado de Maria não foram assim tão positivas. Quem levou o carneiro de volta a casa foi ela, mas o seu pai não deixou passar a oportunidade para lhe «dar uma lição», «dando alguns golpes com o que sobrava da corda no caminho de volta», conta.
Chegados a casa, apesar de a sua mãe ter pedido a Casemiro para não bater mais na rapariga, não havia forma de retirar aquelas que já tinha apanhado na serra. Tudo isto para que, da próxima vez, ela procurasse as ovelhas todas. Maria não sabe bem como é que a sua mãe o fez, só sabe que o seu pai não lhe bateu mais. A única coisa que a mãe lhe disse foi: «Deita-te na cama». Apesar disso, o seu pai «não estava esquecido». Maria Casemira levou as ovelhas no dia seguinte novamente para a serra, mas com um aviso do seu pai. “Vê o que fazes…»
Maria Casemira reconhece que «a vida é assim», e apesar da idade passar, são as memórias com os pais que permanecem. «Fizesse bem ou fizesse mal, lembro-me de muitas coisas que os meus pais fizeram», diz. Apesar de não saber ler devido ao facto de só ter tido aulas a partir dos seus 15 anos, uma das suas filhas vai ajudá-la a ler este pedaço de memória que conserva. Maria Casemira ainda tem muitas histórias com os seus pais, como é o caso da espiga de milho que ela cortou de forma errada, o que resultou num cabo da enxada a bater-lhe novamente, mas recorda-se sempre dele como um «muito bom pai».