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Maria Ricardina Vieira: “Na Guiné-Bissau pode faltar muita coisa mas não falta a felicidade das crianças”

26 Abril 2022
Jéssica Silva

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Jéssica Silva

26 Abr, 2022

No início do ano, Maria Ricardina Vieira, de 24 anos, trocou a vida pacata e cómoda que tinha em Serro Ventoso para sair da sua zona de conforto e abraçar o desconhecido. Sozinha, partiu para uma missão de voluntariado na Ilha de Bubaque (Guiné-Bissau), onde prestou ajuda na área da Educação e da Saúde. Uma aventura que classifica como «incrível e inesquecível», mas difícil de descrever. Durante quase três meses, viveu experiências que jamais esquecerá e são precisamente esses momentos, os mais marcantes, que nos conta, já de regresso à terra natal.

“Senti-me em casa”

Maria Ricardina Vieira chegou à Ilha de Bubaque a 7 de janeiro, onde foi muito bem acolhida e se sentiu desde logo «em casa». «Todas as pessoas me conheciam e quando saía à rua perguntavam-me como é que eu estava, se precisava de alguma coisa», recorda. A adaptação ao novo país praticamente não existiu. «Só chorei na última semana. Nunca tive um momento em que me apetecesse ir embora. Claro que tive momentos mais difíceis, como por exemplo quando houve o golpe de Estado e fiquei muito assustada, mas sempre estive bem e feliz», garante.

Mais de quatro mil quilómetros separam Portugal da Guiné-Bissau e as diferenças culturais que distinguem os dois países rapidamente se fizeram notar. A simplicidade das crianças foi uma delas e a que mais sensibilizou a jovem de Serro Ventoso. «Eles reparam que és de fora mas não te tratam com racismo. Por exemplo, as crianças gritam “branco” porque querem-te conhecer mas não sabem o teu nome. Eu respondia “olá” e, nesse momento, dão-te o sorriso mais lindo que tu vês. É um sorriso genuíno porque veem que olhaste para eles, que lhes deste atenção e ficam felizes», conta. Noutra situação, já a poucos dias de regressar, Maria Ricardina Vieira conta que, juntamente com o presidente da Junta de Serro Ventoso, Carlos Cordeiro – que ajudou a proporcionar esta experiência à jovem e que fez questão de ir buscá-la àquele país africano – comprou guloseimas que distribuíram pelas crianças. «A felicidade pura delas… Os olhos brilhavam ao receberem o chupa-chupa e é uma coisa tão simples», descreve, visivelmente emocionada. «Em Portugal as crianças choram por não terem um telemóvel xpto. Na Guiné-Bissau pode faltar muita coisa mas não falta a felicidade e o amor que as crianças te dão», sublinha.

Outro dos episódios que Maria Ricardina Vieira recorda com grande comoção foi a reação de um professor a quem ofereceu uma gramática de Português e que estava a dar aulas com um manual de 2007. «Ele ficou tão sentido, tão feliz», afirma, acrescentando que no dia seguinte reparou que a gramática já estava repleta de marcações e que o professor voltou a reiterar o agradecimento: «Maria, obrigada mesmo. Realmente este livro explica a matéria muito melhor e de uma forma mais acessível para os alunos». Nesse momento, a jovem admite que não conseguiu controlar a emoção: «Vieram-me as lágrimas aos olhos».

“Há crianças que nunca viram um lápis de cor”

Ao longo do tempo em que foi voluntária na Guiné-Bissau, esteve integrada na congregação das Irmãs Missionárias da Consolata. Conforme o dia da semana, as rotinas variavam e o seu quotidiano era passado em sítios diferentes. Na área da Saúde, a jovem ia ao Centro de Recuperação Nutricional onde fazia um rastreio nutricional às crianças. Observava o peso, a altura e media o perímetro braquial para saber se as crianças estavam desnutridas. Outras vezes, deslocava-se a pontos mais distantes da Ilha – às “tabankas” – para fazer «vigilância nutricional», sobretudo a grávidas, bebés e crianças. A voluntária ia também à Casa das Mães, um espaço inserido num hospital onde se acompanham as mulheres grávidas. «Dava formação sobre o pré e o pós-parto e explicava a importância da alimentação, dos nutrientes e da higiene», refere.

No âmbito da Educação, Maria Ricardina Vieira ia uns dias à Tabanka Etimbato – um espaço multiusos construído pelas Irmãs – ensinar os meninos que não têm possibilidades económicas de ir à escola. «Ensinava-os a escrever e a fazer contas. Além disso fazia atividades, jogos, brincava e cantava com eles», explica. Foi numa dessas atividades que assistiu a uma das situações que mais a impressionou: «As crianças estavam a aprender as cores em Português e muitas delas nunca tinham visto um lápis de cor». Noutros dias, a jovem ia ao jardim de infância e outras vezes deslocava-se à Escola D. José Totokan, onde dava aulas ao 3.º ciclo e intervinha nas disciplinas de Português, Inglês e Educação Social.

Maria Ricardina Vieira deixou a Guiné-Bissau dia 29 de março mas já só pensa em regressar. A porta, essa, está aberta. «Conheci um padre que gere cinco escolas e que me disse que gostava muito que voltasse para o ajudar a dar formação aos professores na área do Português», conta. Embora a vontade de voltar a Bubaque seja grande, a jovem mostra-se preocupada com o futuro: «Se não começar a trabalhar entretanto quando chegar à idade da reforma vou viver de quê?». Por enquanto prefere «acalmar» e aguardar que surjam oportunidades de trabalho na área mas caso isso não aconteça, o regresso a África poderá tornar-se realidade. «Quero mesmo muito repetir a experiência», conclui.

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