A terra que deu três almirantes a Portugal está também, desde o fatídico dia 10 de março de 1987, associada àquele que até hoje se mantém como o maior acidente ocorrido com a Marinha Portuguesa e no qual perderam a vida seis militares, entre os quais o segundo-tenente Francisco Jaime Poças Vicente da Rosa, filho e neto de portomosenses, cujos restos mortais repousam no Cemitério Velho de Porto de Mós. Desde essa data já passaram 36 anos, mas a Marinha não esquece os seus e foi, precisamente, para o homenagear a título póstumo, que esteve em força em Porto de Mós, a 12 de março.
O tributo começou com uma missa de sufrágio, na Igreja de São Pedro, presidida pelo capelão da Marinha, com a participação do coro e do septeto clássico da Banda da Armada, e na qual o militar portomosense e restantes camaradas foram várias vezes evocados.
A homenagem militar propriamente dita teve o seu primeiro momento junto ao jazigo onde foi depositado o corpo de Vicente da Rosa. Interveio um elemento da guarnição de 1987 do NRP “António Enes”, que num depoimento emocionado lembrou o militar e o cidadão. De seguida, o capelão dirigiu um momento de oração findo o qual Henriques Gomes e a irmã do homenageado descerraram a placa de homenagem da Marinha, afixada no túmulo. As honras militares foram prestadas por uma secção de fuzileiros e terno de clarins da fanfarra reforçado, tendo sido ouvidos os toques de continência e de silêncio.
Câmara também quis prestar homenagem
Ao início da tarde, realizou-se a homenagem conjunta da Marinha e da Câmara com a inauguração de um memorial no Jardim Municipal. Na sua alocução, Henriques Gomes começou por recordar o acidente ocorrido próximo do porto da Horta, nos Açores, quando a “António Enes” sofreu «uma violenta explosão na casa da máquina do leme provocando seis mortes, dois dos quais desaparecidos, e 11 feridos». Entre eles estava Vicente da Rosa, com quem o agora vice-almirante privou «muitos momentos ao longo do curso e durante o estágio a bordo do NRP Roberto Ivens», e de quem recorda «uma permanente boa disposição, um inquestionável camarada e amigo que grangeava a simpatia, a empatia e a amizade de todos com quem privava».
«Estamos aqui para através desta singela mas sentida cerimónia carregada de forte simbolismo, prestar a devida homenagem ao tenente Francisco Vicente da Rosa que faleceu ao serviço da Marinha e do país, nesta sua terra natal e perante a sua família e amigos em reconhecimento da Marinha pela sua última dádiva, bem como aos que o acompanharam nesse fatídico dia em que perderam a vida seis jovens entre os 20 e os 28 anos», justificou, interpretando como «sinal de solidariedade institucional e de amizade» para com um seu camarada, a presença da guarnição de 1987, reconhecendo nesta «o respeito e a consideração que ele e a família merecem». Concluída a alocução, o vice-almirante, o presidente da Câmara e a sobrinha de Vicente da Rosa procederam ao descerramento do memorial.
No seu discurso, o presidente da Câmara fez «um triplo agradecimento à Marinha», começando pela «apurada sensibilidade demonstrada» ao deslocar-se a Porto de Mós, «a terra escolhida pelos pais do segundo-tenente Vicente da Rosa para última morada do seu filho». «Compete-me agradecer esta escolha porque ao fazê-la, são também os pais da vítima, dois cidadãos portomosenses, que se tornam meritórios desta cerimónia tão plena de significado, pais que numa tendência contrária às leis da vida viram um filho partir prematuramente. Este sentido de família demonstrado pela Marinha é um bom retrato da camaradagem que se constrói e da coesão e é digna, pois, do nosso reconhecimento», afirmou.
De acordo com Jorge Vala, «não é evidente que reconheçamos no desempenho das tarefas quotidianas, no cumprimento de um dever menos impactante, o valor intrínseco e estruturante do serviço prestado», pelo que «a presente homenagem nos abre a consciência para o verdadeiro significado do serviço público». Nessa medida agradeceu à Marinha «por saber reconhecer a grandeza desse serviço e recordar o justo valor dos seus, também nossos, em todas as circunstâncias, não cedendo espaço ao esquecimento». O último agradecimento foi pelo «exemplo de coesão» que dá à sociedade civil e que esta «não raras vezes tem dificuldade em construir», de se reconhecer como «um corpo uno, orgânico e indivisível onde todos contam». «O que nos é demonstrado é que todos merecem ser lembrados e cada membro de uma comunidade que se perde merece o seu lugar na memória».
A encerrar, houve a deposição de coroas de flores junto ao memorial por parte dos representantes da Marinha, Câmara, família de Vicente da Rosa, Comandante do NRP “António Enes” e guarnição de 87 do mesmo navio e, mais uma vez, foram prestadas honras militares, nomeadamente, com os toques de silêncio, de homenagem e de alvorada.
A homenagem terminou com um concerto na Central das Artes, pelo octeto da Banda da Armada que durante cerca de hora e meia deliciou a vasta plateia com a interpretação de várias peças clássicas. No final, ambos os responsáveis agradeceram o espetáculo proporcionado e, mais uma vez, sublinharam a importância para a Marinha e para Porto de Mós da longa e sentida jornada de tributo a um militar portomosense que, com apenas com 27 anos de idade, morreu ao serviço de Portugal.
Em declarações ao nosso jornal, Sara Asseiceiro reconheceu que a homenagem assumiu «uma importância bastante grande e teve muito impacto» junto da família por, «passados tantos anos, ainda haver quem se lembre [de Vicente da Rosa] e faça questão de levar a cabo uma cerimónia destas». «Eu não cheguei a conhecer o meu tio porque só tinha dois anos, mas cresci a ouvir coisas ótimas a seu respeito e tudo aquilo a que assistimos hoje vem corroborar isso mesmo», afirmou. No seu entender «foi uma cerimónia muito bonita», realçando o facto do presidente da Câmara ter feito «um discurso muito bonito», apesar de não ter conhecido o homenageado «e a sorte de neste momento haver um vice-almirante» que foi colega de curso de seu tio e que, por isso, teve uma intervenção que também tocou fundo em toda a família.
Fotos | Isidro Bento