A Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, esteve no passado dia 5 no Pavilhão de São Silvestre, em Serro Ventoso, num encontro promovido pela União dos Agricultores do Distrito de Leiria (UADL). O mote era claro – afixados nas paredes do edifício, os cartazes mostravam frases como “Em defesa da agricultura familiar” e “Não pode ser só para os grandes agricultores, porque os pequenos também precisam de apoio”. A própria presidente da UADL, Vera Soares, recém-eleita, iniciou a sua intervenção com esse mantra: «Nós pretendemos lutar pelos direitos dos pequenos agricultores, dado que eles estão a ficar esquecidos e, se repararmos aqui na nossa plateia, jovens se calhar contam-se pelos dedos», apontou. A ingressão dos mais novos nas lides do setor foi, aliás, uma das reivindicações apresentadas pelos agricultores ao longo da tarde, aninhada, por exemplo, entre as queixas face ao aumento dos fatores de produção e às questões burocráticas e políticas.
Na mesa, com Maria do Céu Antunes e Vera Soares, estiveram ainda a vice-presidente da UADL, Sónia Mendes, e o seu presidente da Assembleia Geral, António Ferraria; mas também a sub-diretora regional da Agricultura da Beira-Litoral, Vanda Batista; a representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Laura Tarrafa; o presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós, Jorge Vala e o presidente da Junta de Freguesia de Serro Ventoso, Carlos Cordeiro.
Reivindicações e palavras de ordem
O encontro – agendado para as 14h30 – iniciou-se pouco antes das 16 horas, quando Maria do Céu Antunes chegou ao pavilhão junto à Igreja de São Silvestre. A ministra confessou sentir-se num «retorno a casa», ao ver «uma pequena aldeia» como aquela e «uma placa a dizer que tinha “café d’avó”». A “casa”, contudo, mostrou-se algo reticente: «Para nós é um grande orgulho tê-la aqui, mas dizer que quero que, quando se for embora, também vá com muito orgulho de ter estado em Serro Ventoso», disse o presidente da Junta de Serro Ventoso, Carlos Cordeiro, no início da sua intervenção, que sucedeu à da presidente da UADL. O autarca aproveitou para deixar a primeiras preocupação da tarde, «não só [dos agricultores] da freguesia, mas do Parque Natural»: «Uma desertificação muito grande», com menos jovens no setor. O autarca defendeu uma alteração na nomenclatura dos trabalhos agrícolas: «Um pastor não pode ser pastor, tem de passar a ser técnico de agro-pastorícia, um pescador não pode ser um pescador, isso era há 40 anos, hoje pode ser um técnico de pescado fresco, porque não? Nós temos o nosso rebanho e um dos problemas é arranjar pastores, mas se calhar se tivéssemos técnicos de agro-pastorícia, se calhar até conseguíamos arranjar», ironizou.
Estas e outras preocupações foram também partilhadas nas restantes intervenções. Jorge Vala recordou «a elevada faixa etária dos agricultores» do concelho, tal como «o problema da praga dos javalis»; Laura Tarrafa mencionou «uma Política Agrícola Comum cada vez mais ao serviço do grande agro-negócio europeu e internacional», ao invés da agricultura familiar, essa sim, «garantia da soberania alimentar do país», o que também é mencionado pelo presidente da União de Freguesias de Arrimal e Mendiga, Francisco Batista. «O que nós nos questionamos é, afinal, quem fica com os milhões? Serão os mesmos de sempre?», perguntou Laura Tarrafa, antes de apresentar 12 medidas esboçadas pela CNA, que incluem, entre outras, a «entrada na Assembleia da República de uma petição para que os agricultores possam ser ressarcidos» por prejuízos relacionados com as pragas de «javalis, lobos e cães assilvestrados», e, a nível governativo, a reivindicação de «um só Ministério para a Agricultura, para as Florestas e Desenvolvimento Rural». O vice-presidente da Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (CONFAGRI), Jorge Volante, sentado do lado da plateia, aproveitou para questionar Jorge Vala sobre a falta de manutenção do Rio Lena, quer a nível de limpeza, quer a nível «do aproveitamento da água disponível», e para pedir à ministra «formação de gestão, nomeadamente dos órgãos sociais» das cooperativas. Manuel Ferraria Alves referiu também «burocracia demais» nos processos, e foi replicado por António Ferraria, que falou também do «aumento do custo dos fatores de produção», nomeadamente os adubos, as rações, os combustíveis e a energia. O “líder histórico dos agricultores no distrito” terminou dizendo defender «a continuação das direções regionais e de um Secretário de Estado»: «Nós estamos aqui para colaborar com o Ministério, senhora ministra, estamos aqui para andar juntos mas também estamos aqui para lutar se for o caso disso», concluiu.
Números e medidas de apoio
«Não quero falar de milhões, quero falar de política que sirva as pessoas e que sirva o território», começou por dizer a ministra, Maria do Céu Antunes. A governante elencou, ao longo do seu discurso, diversos temas e indicou alguns números. «É que quando falamos dos milhões, falamos de uma Política Agrícola Comum que já fez 60 anos de existência», explicou, e cujos resultados estão visíveis: o «nível de auto-aprovisionamento [de Portugal] mantém-se constante ao longo dos últimos 20 anos, nestes 86%», diz, embora não só «o consumo de alimentos por cidadão praticamente» tenha duplicado, como as próprias exportações.
A ministra explicou ainda que os apoios do Programa de Desenvolvimento Rural estão a ser canalizados «para ajudar os agricultores portugueses a modernizarem-se, aumentando a taxa de comparticipação e os apoios». «No final do ano pagámos 24,6 milhões de euros, onde se incluem 10 cêntimos por litro de apoio, para fazer face aos consumos [de combustível] de 2021, mas para além disso ainda teve uma majoração à pequena agricultura de seis cêntimos por litro», explicou. A Comissão Europeia permitiu ainda, segundo diz a ministra, utilizar nove milhões da Reserva Agrícola, duplicados com o Orçamento de Estado, num total de «22,4 milhões de euros pagos em setembro», em «três setores muito impactados pelo aumentos dos fatores de produção: setor leiteiro, setor suinícola e as aves e os ovos». E, contextualizando as dificuldades e apoios da pequena agricultura, revelou alguns dados: «70% das candidaturas submetidas ao setor leiteiro têm menos de 50 vacas leiteiras. E no setor da suinicultura, 37% das candidaturas tem menos de 100 porcos». Em sede de OE estão outras medidas, que incluem a alteração do decreto-lei «que consagra o estatuto da agricultura familiar e a portaria que a regulamenta, no sentido de simplificar a candidatura».
A governante deu ainda conta de um programa já em desenvolvimento, para ajudar na formação dos agricultores, já que, diz, a tutela tem «consciência que aquilo que é ainda um entrave ao desenvolvimento da agricultura em Portugal são as desigualdades, provocadas pela dimensão da exploração, no acesso aos apoios e ao conhecimento». Para tal, propõe-se a «aumentar os apoios em territórios vulneráveis, em cerca de 30%» e a promover «cadeias curtas», os chamados «mercados locais», estando para o efeito em desenvolvimento o Observatório para a Sustentabilidade, para «avaliar aquilo que tem sido a evolução dos preços ao longo dos últimos tempos» e «garantir que ninguém sai prejudicado». Maria do Céu Antunes aproveitou ainda para apaziguar os agricultores quanto à alegada extinção das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, lembrando que estas não vão ser dissolvidas, antes estarão a funcionar em conjunto com outras áreas do desenvolvimento regional.
Questionada pel’O Portomosense, a presidente da UADL, Vera Soares acredita que o encontro «foi muito positivo»: «Pelo menos a nível teórico as nossas perguntas foram todas respondidas, agora vamos ver como é que é o passar para a prática», refere.
Fotos | Bruno Sousa
Revisão | Catarina Correia Martins