Durante um mês, João Vieira, de Mira de Aire, esteve em missão humanitária na tabanca (aldeia) de Bindoro, uma aldeia isolada no norte da Guiné-Bissau, onde «ainda falta quase tudo», como o acesso a cuidados básicos de saúde, e onde «todas as semanas morre uma criança». Através da Fundação José Manuel In-Uba partiu para Bindoro, juntamente com José Manuel In-Uba, o presidente da fundação, e Albino Justo, o amigo que lhe lançou o convite, com o objetivo de construir um edifício de apoio escolar que integrasse um alojamento para professores, onde estes pudessem pernoitar, e um posto de saúde. Porém, à chegada ao terreno, ao depararem-se com as dificuldades existentes e tendo em conta o material que tinham disponível, tiveram que tomar uma decisão. Após uma reunião com o comité da tabanca, onde estão os «grandes homens», decidiu-se que o mais urgente seria avançar com a construção do centro de saúde, um sítio onde «pudesse residir uma enfermeira e se pudesse tratar de pequenos ferimentos, das vacinações e das grávidas nos partos» que até aí tinham que percorrer, de mota, mais de 12 quilómetros, de um caminho sinuoso, para chegarem a Mansoa, «o único sítio já com algum desenvolvimento», para terem os bebés.
Nesta missão, nem tudo foi fácil. «Chegámos a 3 de novembro e pensámos que no dia 5 já íamos ter o contentor [onde estava todo o material] desalfandegado e só a 10 é que conseguimos», conta João Vieira, de 54 anos. Depois de terem pagado «valores altíssimos» no porto, tiveram que ultrapassar «toda a burocracia» de arranjar carros para transportar o material, a grande maioria doada e a outra parte comprada pelos três. Embora o mirense admita que tiveram «ajudas de relevo», os custos elevados levaram a que tivessem que procurar mais apoios. Seguiu-se uma maratona de peditório: «Andámos mesmo a pedir, literalmente, a bater à porta de gabinetes de políticos, de pessoas que nos pudessem ajudar», conta. Depois do material carregado, pronto para seguir para Bindoro, muito dele acabou por não resistir ao transporte. «Os blocos de tijolo apareceram todos partidos. A estrada é realmente muito má», descreve.
Hoje o espaço, já construído, está dividido em três salas (uma parte para consulta/atendimento, a outra para tratamento e a outra uma área privada, onde irá viver a enfermeira). Fica a faltar o equipamento e a contratação desse profissional de saúde, por isso ainda não se sabe quando o posto médico entrará em funcionamento, mas a previsão de João Vieira é de que isso vá demorar «garantidamente seis meses»: «Em África é muito difícil as coisas avançarem, há sempre algum entrave», refere.
“Os professores desistem a meio”
Na tabanca de Bindoro existem apenas três escolas. Uma feita em tabique, que está muito degradada, a outra, igualmente degradada, onde já faltam algumas chapas, e uma outra, a mais recente e a que se encontra em «melhor estado», construída pela Fundação In-Uba. Há cerca de 400 crianças em idade escolar que frequentam essas escolas, haverá muitas mais que nunca chegam a ter essa oportunidade. Para aí chegarem, os professores, que vêm de fora, são obrigados a passar pelo martírio de percorrer o único caminho que vai dar à tabanca. Deslocam-se de mota, aos pares, faça chuva, faça sol. «É um caminho muito mau, o que leva a que muitos professores desistam a meio do ano letivo. Muitos deles são pessoas que já têm um bocadinho de formação e depois veem-se enfiados ali naquele fim do mundo…», afirma, frisando que este é o maior foco de desmotivação. É aqui que entra a segunda parte do projeto da Fundação In-Duba: a construção de um alojamento para que os professores pernoitassem em Bindoro, evitando, assim, que fizessem essa deslocação. «Nesse edifício, existiria um dormitório, balneários e uma sala-convívio, onde teríamos um móvel com livros, uma pequena biblioteca», descreve João Vieira, revelando que, deste edifício, ainda só foi possível construir os alicerces.
Sem orçamento que lhe permita financiar serviços tão simples numa sociedade, como Saúde, Educação ou forças de segurança, o Governo da Guiné-Bissau fica meses sem pagar a esses funcionários. «Os carteiros e os professores não recebem há mais de um ano», refere, a título de exemplo, João Vieira. Esta escassez de recursos financeiros leva a que os professores optem por alternativas, como transformar as escolas em regime de auto-gestão, e peçam semanalmente às famílias de cada aluno 500 francos CFA (cerca de um euro), um valor que pode parecer irrisório mas que se revela muito para quem pouco tem e para quem cada cêntimo faz a diferença. «Os próprios pais não têm esse dinheiro. Na tabanca eles não têm processos de produção para fazerem dinheiro», refere, acrescentando que esta solução acaba por se refletir no número de crianças que frequentam a escola, muitas acabam por desistir.
Uma experiência “enriquecedora mas dura”
Já de regresso a Portugal, João Vieira assume que, agora, a prioridade é recolher fundos, para comprar mais material e depois concluir a obra. «Já temos parte do material necessário mas ainda falta muita coisa», afirma. «O que queríamos mesmo era painéis fotovoltaicos, porque lá não há energia elétrica, para ver se conseguíamos deixar todo o edifício com instalação elétrica», revela, acrescentando que, neste momento, só dispõem de um gerador, oferecido por uma pessoa de Alvados. A outra prioridade é um carro que permita fazer os tais 12 quilómetros. «Não precisava de ser um jipe. Podia ser algo que já tivesse sido dado como velho aqui», afirma.
João Vieira já fez diversas viagens onde percorreu vários países, mas em nenhum viveu uma experiência como esta. «Foi uma experiência realmente muito enriquecedora e dura. Eu não estava preparado para aquela realidade», confessa. Apesar de todas as dificuldades, o espírito é de missão cumprida: «Sinto que contribui para ajudar a resolver algumas coisas que lá estavam, embora não se tenha concluído nada, fizeram-se coisas, avançou-se mais um bocadinho». João Vieira conseguiu mudar Bindoro mas Bindoro também o tornou numa pessoa diferente, com uma outra postura e um olhar distinto perante a vida: «Apesar de terem uma vida com tão pouco conforto, com tanto trabalho duro e tanta dificuldade nunca vi pessoas com caras sofridas», revela.