Mira de Aire acolheu no passado dia 14 de dezembro aquela que foi a última reunião de Câmara pública deste ano. Os trabalhos prolongaram-se por mais de duas horas sendo que uma delas foi totalmente dedicada às intervenções do público e respetivas respostas do presidente da Câmara. A maior “novidade”, contudo, aconteceu no período Antes da Ordem do Dia com o vereador do PS, Rui Marto, a comentar, e de forma dura, algumas das justificações dadas por Jorge Vala aos munícipes (ver página seguinte).
Voz ao público
Na abertura, o presidente da Junta voltou a dizer que «em termos de Saúde estamos muito mal» e desta vez ficou-se por um exemplo do que diz ser «um problema que aflige toda a população»: «Tive o relato há dois dias de uma pessoa que foi para o centro de saúde às 10 horas [da noite] para conseguir uma consulta no dia seguinte». Carlos Alberto Jorge, um dos mirenses que intervieram, contou outro episódio testemunhado pelo próprio: «Uma funcionária do centro de saúde aconselhou uma utente a ir inscrever-se no centro de saúde de Porto de Mós». «Será que querem esvaziar o número de utentes aqui? Não percebo como é que isso acontece», afirmou com alguma revolta.
Relativamente à insegurança, Alcides Oliveira disse que agora a juntar ao problema que já afligia a população e atingia, em particular, «algumas pessoas e proprietários», há também a questão dos assaltos». «Sabemos que a situação é algo comum a todo o país mas enquanto as coisas estão longe passam-nos um bocadinho ao lado», reconheceu, temendo que «o problema relacional no Beco e na Rua das Flores possa ter extravasado para outros locais de Mira de Aire», agora sob a forma de assaltos.
Depois de Carlos Alberto ter falado da insegurança como «uma situação confrangedora», Artur José Vieira perguntou o ponto de situação «numa certa zona residencial», que não identificou, questionando em jeito de desabafo: «Essa insegurança se fosse noutra terra do concelho não estaria já resolvida?». Por seu turno, Magda Reis recordou que há anos que alguns mirenses vêm chamando a atenção para o problema «que agora parece não se restringir apenas aos moradores de uma determinada área mas a estender-se a outras». «Chamamos a atenção das várias entidades, sabemos que todas estão sensibilizadas mas a grande questão que se coloca é que não passa de uma sensibilização. De facto, a simpatia é comum a todas mas a simpatia não se tem traduzido em ações concretas», lamentou.
“Já demos muito a Porto de Mós”
A ideia de que Mira de Aire possa estar algo esquecida por parte do poder autárquico municipal passou também pela intervenção de vários munícipes. Carlos Alberto foi o primeiro, dando, entre outros, como exemplo, o facto de apenas metade da população da vila ter saneamento básico. «O saneamento é o nosso aeroporto», frisou, lembrando que é uma questão que vem já de 1961, ano em que «a população entregou à Câmara 600 mil escudos» para esse fim. Perante a demora na resolução do problema e de outros que identificou, Carlos Alberto deixou o alerta: «Não se esqueçam que Mira de Aire [com as contribuições fiscais registadas] foi a responsável por o concelho ter passado de terceira para segunda categoria em meados do século XX. Nós já demos muito a Porto de Mós. Agora Porto de Mós tem de olhar mais para Mira de Aire. O atual executivo tem feito muito e bem mas é preciso mais».
Ana Lavado Ferreira, por sua vez, expressou «o desalento por sentir que os mirenses foram «novamente relegados para segundo ou terceiro plano, uma vez que as promessas feitas para a freguesia estão ainda muito longe de serem cumpridas». De acordo com a munícipe, «o entusiasmo que se sentiu no primeiro mandato tem vindo a desaparecer»: «Da vossa parte e de quem vos assessoria sente-se que se perdeu o estímulo, o ritmo, a empatia e, muito, o brio profissional. Da nossa parte voltou a frustração, a descrença e algum discurso de “são todos iguais”, sublinhou, acrescentando que «as distrações graves que houve (covid, vacinas, guerras, imigração, crise na Saúde, etc.) e que vieram alterar prioridades, não justificam tudo» e «a justificação de que o mandato ainda não acabou também já perdeu significado».
Aos problemas e às carências já descritas, estes e outros munícipes acrescentaram mais um rol tendo o presidente da Câmara, como é habitual, dado os esclarecimentos que entendeu pertinentes.
“Falta de saneamento não é culpa deste executivo”
«A questão da Saúde é um problema premente e presente e que, infelizmente, se tem vindo a acentuar. Nós tentamos, pelo menos, não fugir às responsabilidades. Os problemas dos nossos munícipes são problemas nossos e temos que os assumir porque no passado essa responsabilidade era posta para trás das costas e dizia-se: isso é um problema do Ministério, vão lá ralhar com o ministro», começou por afirmar Jorge Vala.
De acordo com o responsável, «relativamente a Mira de Aire estamos num ponto como se calhar nunca aconteceu. Reformou-se um médico, uma médica está de baixa e a outra pediu mobilidade e foi aceite, e temos uma médica que está aqui com meio horário». «O compromisso do ACES é que a partir do dia 2 de janeiro vem um médico que já cá esteve e que se reformou mas que aceitou fazer um contrato para dar resposta à população», informou, acrescentando que no âmbito da USF Aire e Candeeiros «foram admitidos dois recém especialistas que ainda não concorreram mas já estão integrados e um deles virá para Mira de Aire». Entretanto, e também de forma transitória, um dos médicos que está em Porto de Mós passa a assegurar um ficheiro em Mira de Aire «e a médica que está a coordenar virá assegurar as consultas de especialidades», garantiu.
Quanto ao saneamento, Jorge Vala reconheceu que «falta fazer a parte maior», afirmando contudo que «não se pode apontar o dedo a este executivo por não o estar a fazer porque antes também ninguém o fez». O edil explicou que o último executivo PS fez uma parte numa altura em que ainda havia fundos comunitários. Como já não os há diretamente para esse fim, a solução será recorrer a um empréstimo bancário depois de concluído o saneamento da EN8. Entretanto, o projeto está a ser todo revisto e haverá a candidatura ao programa regional mas sem grande expectativa de sucesso, confessou. A obra poderá ser feita toda de uma vez, ou por fases, preferindo o autarca a primeira opção.
Em relação aos assaltos, Vala deixou bem sublinhado que a situação «não tem rigorosamente nada a ver» com a que se vive no Beco e no Largo das Flores. Quanto a esta voltou a dizer que a Câmara só pode intervir no espaço público sendo que as pessoas no centro da polémica moram em casas arrendadas por mirenses ou por pessoas com propriedades na vila.
“É quase uma ofensa dizerem que abandonei Mira de Aire”
Em resposta às críticas mais contundentes, o presidente da Câmara disse que «Mira de Aire está a sofrer muito do desinvestimento que teve nas últimas décadas» e que se sente «quase ofendido» por dizerem que abandonou a vila e freguesia. «Este executivo, além do que já fez no primeiro mandato, já fez coisas, tem estado a fazer coisas e vai continuar a fazer coisas, e aquilo que fazemos assenta nas próprias dinâmicas locais», frisou.
«Quando estamos nestes cargos, estamos na tentativa de fazer o melhor. Eu tento perceber o desalento da população e também não venho para aqui com desculpas, não tenho essa necessidade e de cada vez que foi necessário, como no caso do Largo das Flores, vim dar a cara. Toda a minha vida, que já não vai curta, tive e tenho por hábito cumprir com aquilo com que me comprometo e assumir as responsabilidades quando erro», vincou.
Isidro Bento | foto