O rio Lena já não se apresenta com a limpeza e a vida de há décadas mas continua a dizer muito aos portomosenses, daí que na hora de rubricar com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) o protocolo que visa devolver-lhe ambas as coisas, a Câmara escolheu o símbolo maior do concelho – o Castelo – para acolher a cerimónia.
Foi assim, perante autarcas, técnicos ligados ao Ambiente, funcionários do Município e outros convidados que no passado dia 13, o presidente da APA, Pimenta Machado, e o vice-presidente da Câmara, Eduardo Amaral, assinaram o acordo que coloca nas mãos da autarquia, meio milhão de euros para requalificar o troço do rio que atravessa o concelho.
No decorrer da cerimónia, Eduardo Amaral, disse que «falar do rio Lena é falar da nossa comunidade, da nossa história, das vivências não só associadas à agricultura e ao contributo para a economia local mas também de momentos de diversão para jovens de várias gerações que aprenderam a nadar nos seus pegos».
Assim, a ambição é ter «um rio diferente, corrigido e ao mesmo tempo adaptado aos novos tempos e às novas exigências» recorrendo, para isso, «à engenharia natural de forma a poder criar um corredor verde entre a vila e o campo, continuar a acrescentar valor e dar a hipótese à fauna e à flora de se desenvolverem».
“Temos mais projetos a precisar de apoio”
Eduardo Amaral mostrou-se grato pelo apoio financeiro explicando que é uma intervenção que o Município não poderia fazer sozinho tendo em conta os valores envolvidos. O responsável aproveitou a oportunidade para sensibilizar para outros projetos e problemas.
«Pedimos que seja possível aos municípios que não estão agregados concorrer a fundos comunitários», disse, afirmando que por Porto de Mós insistir em ser gestor do seu próprio sistema de águas e saneamento «está impedido de aceder a ajudas comunitárias nesta área» o que obriga a que «tenha de contrair empréstimos como aconteceu com o saneamento da Cumeira».
Outro exemplo da necessidade de apoio financeiro é «o saneamento de Mira de Aire que ainda não foi concluído» apesar de às portas da vila existir o polje, uma zona húmida classificada como local de importância ecológica internacional.
Amaral recordou também que o concelho está numa zona que poderá ter «o maior lençol de água subterrâneo da Europa» e, nesse sentido, o município está «disponível para participar num projeto-piloto para apurar a quantidade e a qualidade da água e estudar a forma de reter parte dela à superfície», disse. Por último, defendeu que uma vez que se vai mexer no rio e nos açudes, se «reformule e adapte» o sistema de rega porque «desperdiça-se muita água e há quem a queira e não lhe consiga aceder».
Práticas ancestrais inspiram requalificação
O responsável pela empresa que vai levar a cabo a intervenção, Pedro Teiga, começou por agradecer a confiança demonstrada e que é o corolário de «anos de reuniões com técnicos e autarcas» que acalentam o sonho de ter «um rio bem cuidado e que volte a atrair a população às suas margens»
«Há agora, em boa hora, a oportunidade económica de implementar este projeto em que se olha para o rio desde a nascente até à Batalha nas suas multiplicidades, problemas e desafios», destacou explicando que se pretende «ter mais água e de esta ser preservada», bem como «haver menos danos em casos de cheia» e de se reduzirem as situações de erosão. Resolver o problema das espécies invasoras é outra das prioridades.
Acima de tudo, pretende-se criar «um verdadeiro corredor ecológico em que o homem está conectado com o rio», recorrendo para isso «a técnicas de engenharia natural», algumas delas já usadas pelos nossos avós. «Nem só com betão se faz um muro, há aqui outros muros vivos e eles sabiam como o fazer», frisou.
De acordo com Pedro Teiga, é fundamental também que os confinantes do Lena percebam o que vai ser feito e se envolvam e deem mais espaço ao rio, limpando as margens para que este cumpra as funções de «proteção e de proximidade». «Queremos um rio vivido por todos e com zonas onde as pessoas possam tocar na água porque esta tem qualidade e biodiversidade», concluiu.
Intervenção “destrói” 2 500 toneladas de CO2
A encerrar a cerimónia, o presidente da APA começou por lembrar que tal como Porto de Mós, a Batalha vai intervir no rio Lena, com idêntico apoio financeiro, pelo que na prática se vai «requalificar o rio em toda a sua extensão». No entender do responsável, bem necessário é, porque «se o rio quase desaparece no verão, quando chega o inverno transforma-se e, por vezes, chega a provocar inundações». Além disso, «o clima está a mudar e é necessário começar a olhar para os nossos rios e ribeiras e planeá-los à luz dessa nova realidade», afirmou.
«Aquilo que é natural é não ter betão no rio. É ter árvores, amieiros, freixos, madeira… O natural é cuidar do rio usando soluções naturais e é isso que aqui vai ser feito», reforçou.
Pimenta Machado fez a seguir o elogio aos autarcas de hoje que «têm uma vontade enorme de cuidar dos seus rios, coisa que não acontecia, por exemplo, há 40 anos, época em que os rios estavam poluídos, cheiravam mal e por isso era canalizados para ficarem escondidos».
Respondendo a Eduardo Amaral, o presidente da APA disse que a norma que impedia de concorrer a fundos comunitários os municípios que não estivessem reunidos em grandes sistemas de gestão de águas e saneamento já foi retirada, pelo que «agora todos os municípios podem ir a jogo». Por seu turno, as intervenções nos ecossistemas, por exemplo, para reformular o sistema de rega tradicional também são candidatáveis a ajudas europeias, assegurou.
Já na reta final do discurso, avançou com um número que o deixou visivelmente satisfeito: «A intervenção no rio Lena irá permitir retirar da atmosfera 2 500 toneladas de CO2, os gases com efeito de estufa».
O que vai ser feito…
Tal como O Portomosense já anunciou a intervenção no rio Lena (que no caso de Porto de Mós vai desde a nascente até à entrada no concelho da Batalha), prevê o corte seletivo e poda de árvores e arbustos; corte seletivo de silvados; contenção de flora exótica e/ou invasora; plantação de árvores autóctones e arbustos, e a instalação de soluções técnicas de engenharia natural e baseadas na natureza (estacaria viva, reperfilamento de leito e margens; paliçada e enrocamento vivos; muros de pedra seca; travessões de pedra e madeira, entre outras); construção de pilhas de compostagem para a valorização do habitat da fauna, e a reabilitação de açudes e levadas com passagens para peixes.
Foto | Isidro Bento