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Na Conferência de São Vicente de Paulo de Porto de Mós “ajuda-se sem olhar a quem”

31 Janeiro 2022
Jéssica Silva

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Jéssica Silva

31 Jan, 2022

Ajudar sem olhar a quem. É este o lema que norteia o quotidiano de Rosário Saldanha desde o dia em que tomou posse como presidente da Conferência de São Vicente de Paulo de Porto de Mós, um dos movimentos sócio-caritativos no concelho. Já lá vai um ano. Foi a 16 de janeiro de 2021 que a antiga presidente, no cargo há mais de 23 anos, passou o testemunho à atual direção que, a convite do pároco local, aceitou abraçar o desafio. «É uma ocupação bem grande e de muita responsabilidade», reconhece. Desde esse momento, Rosário Saldanha, de 67 anos, já perdeu a conta às pessoas que lhe pediram ajuda, fosse com bens alimentares, roupa ou até mesmo conselhos. «Ser vicentino é saber ouvir, ir à rua e visitar os doentes», considera.

A porta da sede, situada no Salão Paroquial de São João, em Porto de Mós, está aberta todas as terças-feiras, das 15 às 18 horas, para quem a necessidade obrigue a aí deslocar-se. É nesse lugar que se mata a fome a quem não tem o que comer e que se agasalha quem não tem como proteger-se do frio. As pessoas que aí recorrem vêm de lugares tão distintos quanto as razões que as levam a pedir ajuda. Chegam de dentro e de fora do concelho e têm, principalmente, entre 50 e 60 anos. Cada uma carrega consigo uma história diferente. «São pessoas que ficaram viúvas, que recebem pensões muito pequenas e ainda têm a seu cargo filhos menores. Há ainda casos de pais que por terem sido fiadores dos filhos pagaram pelas separações. Tivemos também o caso de uma rapariga que engravidou aos 16 anos e os pais colocaram-na fora de casa. A sogra chegou aqui a chorar porque não tinha nada e demos-lhe o enxoval completo», exemplifica.

Durante o tempo em que estivemos nas instalações vimos chegar muita gente, sobretudo brasileiros que ainda não conseguiram o visto de residência e que por isso têm dificuldade em arranjar emprego. Maria Nalva, de 49 anos, é exemplo disso mesmo. Há dois meses deixou tudo para trás em Brasília, a capital federal do Brasil, e veio viver sozinha para Porto de Mós. Neste processo nem tudo foi fácil e desde que chegou, a Conferência tem sido o seu grande suporte. «No primeiro dia que vim cá tinha pouquíssima comida, só tinha cinco euros, estava a passar muito frio e deram-me comida e roupa», recorda. Maria Nalva mostra-se grata por todo o apoio recebido e garante que hoje se «sente em casa»: «Fui sempre muito bem acolhida. Fizeram realmente a diferença na minha vida».

“Não fazemos distinção a quem damos”

Ao entrar na sede rapidamente constatamos que é um lugar onde impera a organização. Todo o vestuário e calçado está devidamente arrumado e dividido por género e tamanhos que vão desde o recém-nascido até ao número 44. Tudo está exposto consoante a estação do ano e o restante guardado em caixotes. Os voluntários têm um papel preponderante nesta dinâmica, não só garantem que tudo está no sítio certo como também fazem a triagem daquilo que chega. «O que achamos que não está em condições levamos para a Cáritas Diocesana de Leiria, que depois faz uma nova seleção e, se entender, manda para a reciclagem», explica Rosário Saldanha. Neste momento, a associação conta com cinco voluntários que semanalmente vão rodando entre eles. É o caso de Leonor e Saudade, ambas aposentadas, cujo o voluntariado já faz parte das suas rotinas. «Trabalhamos com gosto», frisa Leonor, enquanto vai dobrando mais algumas peças de roupa.

Na Conferência de São Vicente de Paulo de Porto de Mós todos têm os mesmos direitos, independentemente da cor, género, raça, credo ou opinião política de cada um. «Não fazemos distinção, damos a qualquer pessoa. Cada qual leva o que quer. As pessoas são conscienciosas, têm o bom senso de levar aquilo que realmente precisam», garante, acrescentando que se tem registado um aumento de procura de pessoas de fora do concelho. Ainda assim, com o passar do tempo houve certas restrições que foram sendo implementadas. «As melhores roupas guardamos lá dentro (fora da vista de quem chega) porque se as tivermos à mostra há quem leve para vender e nós decidimos controlar», justifica.

“Somos o SOS de muitas famílias”

Todos os meses, o Banco Alimentar fornece bens alimentares à Conferência que assim que chegam já têm destino. São divididos em sacos, consoante as famílias, e entregues na última terça-feira do mês. Porém, há casos que não podem esperar por esse dia. «São os cabazes de emergência. Se as pessoas precisam nesse momento e se tivermos satisfazemos logo. Temos que estar sempre presentes», frisa.

Em janeiro, 57 famílias receberam este apoio, menos três do que em dezembro. Um decréscimo explicado pela desistência de quem «entretanto arranjou trabalho». Este grupo é também o suporte para ajudar certas pessoas a quem a Segurança Social não consegue dar resposta. «Somos o SOS para as pessoas mais necessitadas, tanto na alimentação como em medicamentos», garante. A pobreza envergonhada continua a existir e a prova disso é que do número total de famílias apoiadas, existem seis que preferem manter-se longe de olhares indiscretos e cujo apoio é-lhes entregue em casa, pela responsável da associação.

Assim que tomou as rédeas do movimento sócio-caritativo, Rosário Saldanha implementou uma série de mudanças, uma das quais passou por concentrar todos os bens na sede e a outra foi a aposta na informatização dos dados. A par destas, foi feita uma verificação da lista de beneficiários da Segurança Social que se comparou com a lista de pessoas que estavam a ser apoiadas pela Conferência. «Descobrimos que cinco famílias estavam inscritas nos dois lados. Essas cortámos logo», revela.

Os alimentos e o vestuário são apenas uma ínfima parte do que se pode encontrar na sede. Também estão disponíveis acessórios, brinquedos, utensílios para a casa (como loiça, tachos e panelas), roupa de casa (como almofadas e cortinas), havendo também a possibilidade de se conseguir mobílias e até eletrodomésticos.

Apesar do esforço diário, a responsável garante que, no fim, é recompensada, sobretudo, quando alguém, cujo os olhos riem, lhe diz: «Se não fossem vocês, não tínhamos nada para comer». «Quando se ouve isto sente-se uma paz de espírito tão grande…», acrescenta, visivelmente emocionada.

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