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Na festa da aldeia encontrei o amor

20 Agosto 2020
Jéssica Moás de Sá

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Jéssica Moás de Sá

20 Ago, 2020

Recuando, principalmente, aos anos de 1960 e 1970, muitas são as histórias que já ouvimos dos nossos pais e avós, de amores que começaram nas festas de verão das aldeias. As festas eram o ponto alto do ano, e conforme os testemunhos que aqui vamos trazer, aguardadas com ansiedade todo o ano, por rapazes e raparigas. A música de José Malhoa (que todos sabemos cantarolar) é certeira: «Ainda te lembras amor, como tudo começou, se te esqueceste, eu não/ O nosso primeiro beija-beija, foi atrás da igreja, num bailarico de verão».

Manuel Carvalho cresceu e viveu na localidade de Arrimal, agora pertencente à União de Freguesias de Arrimal e Mendiga, e foi um dos que sempre participou ativamente nas festas da terra, nomeadamente a festa em honra de Santo António em julho, nessa altura realizada na igreja que ainda hoje existe próxima do atual cemitério. Quem chegava à festa não saía até terminar, recorda: «Uns vinham de bicicleta, outros a pé, traziam a namorada e comia-se no recinto da festa, para o qual toda a gente levava farnel». A população «não tinha transporte para casa» e ainda tinham que andar bastante até chegar ao recinto, por isso, não compensava regressar a casa até que a festa terminasse. Os pais estavam presentes a maior parte do tempo, por isso, a hipótese mais viável para conseguir “partir à conquista” era «acompanhar as namoradas a casa já ao final da noite». «Às vezes lá se conseguia ir até ao muro da igreja namoriscar um bocadinho», recorda, entre risos, Manuel Carvalho, admitindo que para isso, era preciso os pais não verem. No entanto, isso era raro, porque «as mães aguentavam-se toda a noite a controlar as filhas» e alertavam: «Vê lá se não andas muito chegada a nenhum».

O arrimalense não tem dúvida: «As festas, mas principalmente, os bailes, eram o ponto de encontro dos namorados, sobretudo numa fase inicial», porque depois de o namoro estar efetivado e de ser conhecido pelos pais, começavam a ir a casa das respetivas famílias. Para a conquista havia alguns truques. «Nos bailaricos quando queríamos dançar com uma rapariga usávamos “a moda da laranjada”. Nós comprávamos uma grade de laranjada e depois as raparigas chegavam ao pé de nós e perguntavam quanto custava, pagavam e depois nós dizíamos que elas tinham que dançar connosco», conta. O dinheiro que angariavam da venda da laranjada «era para pagar ao tocador da festa», custo que era muitas vezes suportado pela população, quando a organização não conseguia pagar tudo.

Ai de quem desse um beijinho

Filomena Amaro dá-nos a perspetiva do outro lado, do sexo feminino, que, admite, sempre foi muito mais julgado por namorar. Era principalmente às mulheres que se impunham horas para estar em casa ao final da noite. A juncalense, que sempre participou nas festas da terra, inclusive a festa em honra de São Miguel, não tem dúvidas de que este evento anual era o ponto de partida para muitas histórias de amor, muitas delas que deram em casamento, filhos e netos.

Não eram o único ponto de encontro de rapazes e raparigas, também se namorava «no campo» ou «na fonte pública» quando as raparigas iam buscar, «de cântaro na cabeça» a água, no entanto, eram sem dúvida um dos momentos importantes do ano nesse aspeto. «Em geral, eram feitas por juventude da terra, algo que já não acontece, e as raparigas e rapazes andavam todo o ano à espera que viessem as festas para poderem fazer as suas conquistas», explica. O problema é que «havia uma lei dos pais que à meia-noite queriam tudo em casa, principalmente as raparigas e aí é que estava o grande bico de obra»: «Se os pais vinham com elas, nada feito, mas se não vinham, aí os rapazes acompanhavam-nas a casa». Mesmo que já fosse um namoro assumido, «não havia ordem para dançar enquanto os pais lá estivessem, só quando se iam embora é que se podia ficar a namorar».

«Felizmente», confessa Filomena Amaro, os seus pais nunca foram muito restritivos e a mãe acompanhava-a, a ela e mais duas irmãs, às festas. No entanto, a juncalense presenciou histórias de pouca permissão: «Os rapazes às vezes ficavam escondidos e as raparigas depois de entrarem em casa vinham para a janela». Mas se os pais soubessem destas coisas, «havia pancadaria», porque achavam «que era assim que se dava educação», frisa Filomena que agradece isso «ter mudado».

Na altura namorar «era piscar o olho e convidar para dançar» e em público não podia haver «grandes aproximações». «Os casais tinham que ficar separados e se dançassem mais chegados, era logo falatório na aldeia e chegava imediatamente aos ouvidos dos pais», recorda Filomena Amaro. Depois de dado o primeiro beijo não havia volta a dar, a sentença estava traçada: «Depois daqueles beijos às escondidas, ai do rapaz que largasse a rapariga, não a podia querer só para um beijo», frisa. «Tramada» estava também a mulher que se soubesse «que já não ia virgem para o casamento, ficavam marcadas. Se estivessem grávidas tinham que casar logo e ficavam marcadas também pelo padre»: «Os casamentos nem eram ao domingo, para não ser tanta vergonha, casavam-nos durante a semana».

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