Com o nariz queimado e o capuz amarelo sobre os cabelos, para melhor aguentar «as muitas horas à chapa do sol», Raquel Almeida, da Moitalina, engloba alguns dos valores que melhor caracterizam um nadador-salvador: empatia, prontidão, prevenção. Esta última é, talvez, a palavra que a jovem de 27 anos mais usou ao falar com O Portomosense sobre os seus quatro anos de experiência sazonal na praia da Nazaré. É, afinal, «a melhor forma de salvamento», um trabalho que se inicia ainda antes de chegar ao areal. «No dia anterior já convém ter uma noção das previsões do estado do mar, naqueles dias, naquela semana», explica. Depois, são horas ao calor, com dias em que é impossível estar sentada, com «milhares e milhares» de pessoas na praia. Os pormenores são vários: pela manhã, monta o posto, prepara as pranchas, as boias, a mala de primeiros-socorros, «tudo pronto caso seja preciso ir buscar alguém»; iça a bandeira, em sintonia com os restantes nadadores-salvadores, com quem comunica por walkie-talkie, e prepara-se para a alterar assim que necessário; em dias de bandeira vermelha, está ainda mais próxima da linha de água, numa espécie de «cordão» com os colegas de equipa. Afinal, «isso é meio caminho andado para prevenir resgates, há sempre quem queira pisar um bocadinho do risco» e, por vezes, há mesmo que chamar a Polícia Marítima.
Raquel Almeida já foi obrigada a fazê-lo, «porque o diálogo já não dava» e o «essencial» apito também não. Os insurgentes dispersaram quando as autoridades chegaram, depois de esbarrarem no trabalho preventivo da nadadora-salvadora responsável por aqueles 50 metros de praia (e por tantos outros, já que, como diz, «se houver um afogamento, não vai só um»). Trabalho que inevitavelmente a afasta de quaisquer grandes histórias de resgate: «Nunca tive um episódio de por alguém numa prancha, ou de ter de por um cinto de salvamento, sempre foi bastante tranquilo, também porque a Nazaré também funciona muito bem, não tens muitos salvamentos precisamente por isso». Ora, passando para o outro lado do Forte de São Miguel Arcanjo, a conversa é diferente. No Nazaré Tow Surfing Challenge esteve na linha de primeiro contacto com a água durante uma prova, na Praia do Norte, e assistiu ao resgate do surfista Alex Botelho. O mais próximo de um salvamento onde esteve, «tudo o resto foram coisas muito soft». E, tal como as praias diferem no comprimento das ondas, também o medo é desigual: a norte, a magnanimidade de uma onda de 30 metros a rebentar junto à linha de água; a sul, «em dias de bandeira vermelha, ondas de 2, 3 metros, não é o medo de ir buscar alguém». «O medo que tu tens é de falhar, no sentido de não prevenires e de alguém ir lá parar dentro», declara. Um trabalho «que requer vontade e disposição de querer ser bom ou mau». «Porque a minha tarefa é estar a olhar para o mar a partir do momento em que eu entro e até que eu saio, tem de ser essa a postura», garante.
Essa é a parte da prevenção. Mas quando é para reagir, Raquel Almeida também diz presente: «Já me aconteceu estar num café em Alcobaça e uma miúda engasgar-se com um rebuçado, e graças àquilo que tu aprendes da desobstrução da via aérea [consegui] salvar a miúda, porque ela já estava toda roxa, já não respirava, já não passava água, até chegar uma ambulância a miúda morria». Uma história da qual se vai recordar e uma manobra que aprendeu precisamente no curso de certificação para a profissão. Para Raquel Almeida, «suporte básico de vida é algo que se devia dar na escola». E não achou difícil, aliás, o curso de Engenharia Informática que cursou «é bem mais difícil»: «Eu sinceramente acho que é mais importante tu saberes ler o mar», diz, não descurando «a parte teórica» e «uma boa natação, estar à vontade na água é fundamental». Algo que também se ganha com a experiência, acredita, assim como o «sentido de responsabilidade». Não é, diz, o trabalho que as pessoas acreditam ser: «estar na praia a apanhar sol». Embora maus profissionais haja em todo o lado, claro. Mas os valores e a vontade que fazem um nadador-salvador não são substituíveis, acredita Raquel Almeida. A profissão não está em risco de extinção, só de adaptação, com «a questão dos drones» de vigilância, por exemplo. Agora, substituir? «Isso é a mesma coisa que substituíres um cirurgião».
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