Dia 23 de dezembro e tudo normal: casa recheada de comida para preparar a Consoada, família reunida e a previsão de que a bebé que trazia na barriga só nasceria a 27. Assim nos contou Joana Mendes, recordando o Natal de 2018, em Lisboa. Apesar de não ser natural de Porto de Mós, Joana Mendes é agora uma “visita” habitual. «O meu marido, o Hugo, é de Porto de Mós. Vivemos cá, mas vamos muito a Porto de Mós», explica. Em 2018, pelo facto de esta época estar sintonizada com o final da gravidez, foi planeado que o Natal seria em Lisboa. «Já não me podia ausentar, porque o parto seria feito na Maternidade Dr. Alfredo da Costa. Veio a minha mãe, que mora perto de Lisboa, e a minha sogra [de Porto de Mós] com o companheiro, íamos ser cinco pessoas a passar o Natal», recorda.
Depois de um jantar no dia 23 perfeitamente normal, a madrugada de 24 traria «as primeiras contrações». «Comecei a sentir por volta das três ou quatro da manhã. Uma particularidade foi que, como tínhamos mudado de casa há pouco tempo e era o primeiro filho, tinha uma lista, mas ainda não tinha feito a mala para a maternidade. No quarto que hoje é da Amora [a bebé], onde tinha as roupas todas dela e outras coisas, estava a dormir a minha sogra e o companheiro, tive de os acordar para fazer a mala», conta Joana Mendes, entre risos.
Joana Mendes sempre gostou «muito do Natal», embora o facto de trabalhar numa editora, onde o trabalho aumenta nesta altura, lhe tire tempo para desfrutar como outrora. Ainda assim, continua «a adorar» o Natal que ganhou ainda uma dimensão maior. Quando percebeu que a sua filha ia nascer neste dia, teve um pensamento claro: «Quando viesse, vinha. Não me importei nada de passar o Natal no hospital», recorda.
O facto de ser Natal trouxe, no entanto, alguns constrangimentos, que trocaram as voltas em relação ao local do nascimento. «Era suposto eu fazer o parto na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, apesar de ter sido seguida por um obstetra de fora. Quando lá fui, nas últimas semanas de gravidez, um procedimento normal, disseram-me que como era Natal e as escalas eram reduzidas, teria que entrar pelas urgências», começa por explicar. Foi isso que fez, mas nesse dia, havia também greve. «A maternidade só tinha um anestesista a trabalhar e estavam a recusar todas as grávidas que entrassem pelas urgências», lembra.
Depois de fazer a triagem, realizou o CTG (exame para avaliar o bem-estar fetal) até que foi chamada pela médica. «Ela disse-me que eu estava com tão boa cara, a rir, que de certeza que ainda não estava em trabalho de parto, mas quando veio o resultado, afinal estava», relembra. Foi nesta altura também que lhe disseram que teria de ir para outro hospital. «Aí batemos o pé e dissemos que não saíamos para outro hospital que não fosse indicado por eles e em que o hospital já soubesse que íamos ser encaminhados e tivemos sorte, fomos encaminhados para o Hospital de Santa Maria», explica. O parto «correu muito bem» e até tiveram direito a um momento natalício. «Ainda dentro do bloco, enquanto a Amora mamava, uma enfermeira perguntou se, sendo Natal, nos importávamos que entrasse um grupo de uma associação a distribuir presentes», conta Joana Mendes, que, além de não se importar, ainda gostou da ideia. «Mantém-se o espírito no hospital, aliás, eles até acabam por ser um pouco mais benevolentes, o Hugo nesse dia pôde ficar quase até à meia-noite, normalmente não se pode, mas diziam “como é Natal, deixamos mais um bocadinho”», conta.
Quanto às festas de aniversário, o facto de coincidirem com o Natal, torna a logística mais complicada. «Tanto eu como o meu marido temos pais separados, o que já dificulta. Do meu lado, tenho uma parte da família no Alentejo, a família do Hugo é de Porto de Mós, temos que ir fazendo um ano num sítio e um ano noutro», descreve. A utopia aconteceu em 2019, no primeiro ano de vida de Amora: «Juntámo-nos todos no Alentejo, a família de Porto de Mós foi para lá e fizemos uma festa conjunta, foi espetacular».
Mãe e filha em risco
A experiência de Odília Ferreira, dos Casais Garridos, foi bem diferente. «Fará 51 anos a 25 de dezembro que tive a minha filha, mas foi um dia que passei muito mal», recorda, juntamente com o seu marido, António Mateus Ferreira. Foi internada no Hospital da Nazaré, três dias antes da filha nascer. «Sentia-me muito mal, estava quase no fim da gravidez e o meu marido já não me segurava em pé com dores horríveis na barriga e, por isso, levou-me ao hospital, já não voltei para casa», recorda. Como Odília Ferreira já tinha feito duas «operações de barriga aberta», o médico, que não era o mesmo que a seguiu durante a gravidez, optou «por não fazer a cesariana no dia 23» e esperar mais um pouco, apesar das dores «insuportáveis» em que se encontrava. «Deviam ter feito a cesariana», considera António Mateus Ferreira que ainda tem alguma indignação na voz.
«No dia 24 deram-lhe injeções para sossegar e para dilatar, mas não valia a pena», recorda o marido que tem mais memórias desses dias do que Odília, que, com as dores, perdeu alguma noção. Quando no dia 25, António Mateus Ferreira ouviu um telefonema entre o médico que os estava a assistir e o médico de férias que faria o parto a dizer que “entretanto já não se salvava nem mãe nem filho”, armou «um pé de vento muito grande»: «O hospital foi abaixo, ela estava ali encostada, sem dilatar e não faziam nada e eu disse-lhes que se acontecesse alguma coisa, iam ser responsabilizados», lembra. «O doutor Moreira estava em Lisboa com a família, mas em 30 minutos fez Lisboa – Nazaré e quando chegou fez logo o parto de cesariana», conta. Caso o obstetra tivesse demorado mais «já havia ambulâncias preparadas para ir para o hospital de Leiria». António Mateus Ferreira confessa que, com estes três dias de adiamentos, tinha medo que a sua filha «nascesse com alguma deficiência por estar em sofrimento». Tudo acabou por correr bem e às 18h45 de dia 25 de dezembro, Elisabete Ferreira Mateus nasceu. O pós-parto não foi fácil, porque depois desta violência obstétrica, Odília Ferreira desenvolveu uma depressão pós-parto. «Foi muito violento para mim, não ligava a nada, nem consciência tinha», recorda. Uma das imagens mais dramáticas que guarda foi de quando lhe rebentaram as águas: «Toquei à campainha, a enfermeira destapou-me e disse “ai menina, mau prognóstico, não gosto de ver estas águas escuras”».
Neste dia nasceram vários bebés, mas a filha de Odília Ferreira e António Mateus Ferreira foi a única menina. «Ela chorava, já toda a gente sabia que era a voz dela», recordou o pai, de sorriso no rosto. Ambos ficaram felizes que tivesse nascido no dia de Natal, que já era habitualmente de reunião familiar e do qual gostavam muito. Desde que nasceu, juntaram-se as festas: «Fazíamos o Natal e o aniversário juntos e ainda hoje. Quando ela era pequena e adolescente convidava os primos e amigos, muitas vezes juntavam-se ali na garrafeira», conta. Já a filha, apesar de «gostar de fazer anos no dia 25», sempre teve o sentimento de que assim «era apenas uma festa». Quanto às prendas, garantem os pais, sempre «teve direito a duas, para se sentir especial no seu aniversário».