Se acha que O Portomosense é o único jornal feito no concelho de Porto de Mós, está enganado. E enganado continua se pensa que nos referimos ao Voz de Mira de Aire. Falamos, na verdadem de um jornal semanal que é feito na Mendiga, o Jornal das Nossas Notícias. Os jornalistas e ilustradores são os alunos do Jardim de Infância, orientados pela educadora Graça Duarte. O projeto tem já alguns anos e foi mudando de nome, consoante a vontade dos “jornalistas”. «Este ano [letivo] só comecei com o jornal quando eles me perguntaram por ele» e decidiram acrescentar a palavra “nossas” ao Jornal de Notícias que já tinham no ano passado.
Individualmente, no início da semana, cada criança conta à educadora a sua notícia do fim de semana. Graça Duarte escreve-a e o autor ilustra-a de seguida. A ideia de implementar o jornal nasceu da necessidade de colocar as crianças a desenhar: «Iniciei com um grupo de 11 crianças de três anos, e quando já tinham quatro, havia uma grande parte, especialmente rapazes, que raramente exercitavam o desenho». Mas porque é que é tão importante desenhar? «Além de extravasar, de ser a expressão plástica das emoções, daquilo que viram, que são, do que gostavam de ser ou de fazer, também treina muitos movimentos finos que são importantes para depois [na escola primária] pegar na caneta, exercitar a escrita…», explica a educadora.
As vantagens do método somam-se e permitem a Graça Duarte saber mais dos seus alunos a partir das «notícias mais incríveis» que contam: «Dá para perceber o tipo de vivências que têm, se são crianças com vivências mais alargadas ou não, isso também me interessa para perceber melhor a realidade de cada criança, o ambiente onde está…». Além disso, «especialmente com as crianças mais novas», há notícias que «são mais a expressão dos desejos ou dos medos». Também «os pais acharam super interessante» e pediram que se continuasse a fazer, porque «depois quando chega a casa o dossiê com os trabalhos, a parte que gostam mais e com que as crianças mais vibram é esta».
No entanto, para que isto funcione as notícias têm que ser lidas para todos, «tem de haver retorno», sobretudo «da parte dos adultos tem de haver reconhecimento do esforço que eles fizeram», conseguido, por exemplo, com o “parabéns, obrigada por partilhares a tua notícia connosco”, entoado depois da leitura de cada uma das notícias. Outro dos contributos para esse retorno passa pelo convite feito a todos os pais para que entrem na sala e «leiam as notícias em voz alta aos filhos»: «Aí eles apercebem-se da permanência da escrita, o que eles disseram é exatamente o que a mãe ou o pai está a ler e há o reforço, potencia o valor daquilo que foi feito», explica a educadora.
Ferramenta trabalha diversos conteúdos
São vários os motivos que levam Graça Duarte a manter este método – entre tantos outros –, começando desde logo pelo que a levou a implementá-lo: «Há uns anos, dava-se uma folha de papel e um lápis preto a uma criança e ela ficava montes de tempo a desenhar e era um jogo já super interessante», no entanto «hoje em dia já não é tanto assim, há muitas ofertas, muitas distrações, não só em termos de estímulos visuais, mas também eletrónicos», por isso «queria que eles desenhassem, mas de acordo com alguma coisa que fosse importante para eles». Além disso, consegue usar esta ferramenta para trabalhar alguns conceitos que é suposto desenvolver nestas idades, como o facto de haver «um princípio, um meio e um fim na frase» e a própria existência das frases: «Cada frase tem uma cor até chegar a um ponto. E eles podem contar quantas frases tem a sua notícia, estamos também a exercitar a matemática».
Com «os mais velhos», os de cinco anos que, em breve, iniciam o primeiro ciclo, o rol de oportunidades estende-se ainda mais: «Vamos contar palavrinhas e perceber que há uma fronteira entre cada palavra, o espaço»; «às vezes podemos escolher só uma frase e trabalhá-la de diversas maneiras, por exemplo, descobrir a palavra que tem mais letras, fazemos um jogo» ou «brincar ao contrário, usar o não, colocar a frase toda ao contrário», «há mil coisas que se podem fazer» usando «a realidade deles, valorizando aquilo que já viveram e a curiosidade que ainda tenham por alguma coisa». É por tudo isto que a educadora considera que esta «é uma ferramenta muito interessante».
As notícias de cada um
O conteúdo das notícias é variado e depende muito daquilo que são as experiências de cada criança e de cada família, e a família é mesmo aquilo que as crianças mais valorizam, de acordo com a educadora: «Às vezes, o que mais gostam é o tempo que passam com os pais, o que fazem com eles. Nem sequer é o sítio espetacular onde foram, isso também interessa, mas o que destacam é “eu fui com o pai e com a mãe”».
Quando visitámos o Jardim de Infância da Mendiga, na semana passada, era dia de leitura das notícias. Ordem sorteada com uma lengalenga e com uma varinha mágica que aponta para as notícias afixadas na parede: “Está a chover, está a pingar, a raposa no quintal a apanhar laranjinhas para o dia de Natal” e “plim” estava escolhida a notícia a ler a seguir.
A Júlia esteve no fim de semana a «apanhar azeitonas» e «o pai estava também lá a ajudar», assim como «o tio João e o avô Baltasar». A tarefa da Júlia era apanhar as azeitonas «com as mãos para um balde gigante», pelo meio apanhou «1000 ou mais caracóis». A notícia da Emília conta uma ida a Fátima em que «a mãe levou um lanche» que «tinha bolacha Maria». O André conta que «os primos foram lá a Valverde» e que um deles «fez um avião de papel», todos juntos tentaram «lançá-lo por cima do portão» e conseguiram «três vezes». A notícia do Martim envolve gatos que «apareceram lá» em casa «no fim de semana». Primeiro apareceram dois, «depois apareceu outro igual ao Tobias [o seu gato]». Mais tarde, quando o Martim foi «aos frangos» viu «um gato verdadeiro também parecido com o Tobias» e «parecia uma guerra de gatos porque todos queriam comer mais». Destas e doutras notícias se reveste o Jornal das Nossas Notícias que, esta semana, tem certamente uma nova edição com outras tantas aventuras contadas pelo jornalistas juniores da Mendiga.