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“O ensino público não pode acabar”

3 Fevereiro 2023
Jéssica Moás de Sá

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Jéssica Moás de Sá

3 Fev, 2023

Há vários anos que os professores lutam por melhores condições profissionais, mas essa luta tem-se acentuado nas últimas semanas. Além da greve por distrito de âmbito nacional, que decorreu em Leiria no passado dia 30 (da qual falamos no texto acima, invocando também as razões dos docentes), também à porta de cada escola espalhada pelo país, os professores e também educadores, têm-se feito ouvir. Porto de Mós não é exceção e foi nesse contexto que O Portomosense falou com duas docentes da Escola Secundária de Porto de Mós (ESPM).

Ana Sequeira Filipe, professora de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) do 9.º ano e Ensino Secundário, frisa «as políticas de há muitos anos que não valorizam e respeitam a Educação». «Temos muita burocracia a nosso encargo, chega-se ao cúmulo de muitas vezes termos mais burocracias do que tempo de aulas, não é admissível», começa por referir a docente. «Também estamos a reivindicar os nossos ordenados que nunca mais sobem, estamos a reivindicar escalões, concursos», acrescenta.

A professora salienta ainda que os Quadro de Zona Pedagógica (QZP) atuais são muito alargados, o que leva a que colegas neste regime «vivam a quase duas horas de caminho da escola». Ana Sequeira Filipe lamenta o facto de ter colegas que já «confidenciaram que não têm dinheiro, vêm para a escola por amor à camisola, pelos alunos, pela Educação», salienta. «A nossa luta não é só a nossa luta, é a luta pelos alunos, pelos auxiliares que têm ordenados miseráveis», sublinha.

Ana Sequeira Filipe acredita que, desta forma, «o ensino fica comprometido porque chega a desmotivação»: «Damos aulas o dia inteiro e depois estamos até à uma ou duas da manhã a trabalhar, a corrigir testes ou trabalhos, a preparar aulas». A juntar a isso, «os professores chegam a ter turmas com mais de 30 alunos e há professores que chegam a ter mais de 20 turmas, chega-se a um ponto que nem o nome dos alunos sabem, é ridículo», considera a docente. Esta falta de proximidade não permite, por vezes, «cativar os alunos» e chegar aos objetivos iniciais.

O testemunho de quem faz 150 quilómetros diários

Graça Maneia é um dos exemplos de quem faz muita estrada para vir dar aulas. Vem, diz, porque ama o que faz. «Há quilómetros que se fazem de coração, efetivamente vir para esta escola é isso, e é esta união que estamos aqui a ver hoje, que me faz deslocar todos os dias», frisa. De Condeixa-a-Nova (no distrito de Coimbra), de onde vem, até Porto de Mós, faz cerca de 75 quilómetros, ou seja, 150 quilómetros diários. É professora «quase há 28 anos», embora tenha estado alguns anos no ensino cooperativo, voltando há pouco tempo ao ensino público: «É fantástico, toda a gente devia sentir o que é o ensino público, que não pode acabar, de forma alguma», frisa.

A professora de Artes Visuais admite que já pensou em «desistir» de dar aulas, até porque tem dois filhos, sozinha, a seu encargo. «É muito complicado, tendo em conta o que ganhamos, os descontos e ao fim de tantos anos, eu e muitos “eus” estamos a receber exatamente o mesmo que recebe um colega que acaba de sair da faculdade», conta. Graça Maneia admite que, em termos familiares, as suas ausências já foram cobradas e que mesmo tendo estado a lidar com um problema oncológico, priorizou o ensino. «É o tentar dividir o meu tempo entre família, o meu problema de saúde e a escola, era o faltar às consultas para poder vir à escola, é esse amor que temos pela profissão», salienta. Este é o seu terceiro ano em Porto de Mós (é professora QZP) e todas estas viagens que faz para vir trabalhar não estão a ser fáceis de gerir em termos económicos. «Não consigo dormir de noite a fazer contas, o dinheiro não sobra no final do mês, depois de pagar as contas básicas, é isso que acontece», lamenta.

A opinião do diretor do Agrupamento de Escolas de Porto de Mós…

O diretor do Agrupamento de Escolas de Porto de Mós (AEPM), Pedro Vala, falou dos vários pontos que afetam a Educação, começando por recuar atrás no tempo e aos efeitos da pandemia (abordados por encarregadas de educação no artigo da página seguinte). «O confinamento afetou, de forma negativa e transversal, praticamente todos os setores da sociedade», começou por referir, acrescentando que na Educação «abrangeu praticamente dois anos letivos, com impactos profundos nas crianças e jovens, ainda por apurar na sua total dimensão», considera. No entanto, o diretor que assumiu funções no ano passado, mas que já era docente na Escola Secundária de Porto de Mós há alguns anos, sublinha que o «Ministério da Educação e Ciência colocou à disposição das escolas um conjunto de apoios extraordinários», como o ensino à distância ou a distribuição de kits digitais. No Agrupamento, além destas medidas, contou-se «com o profissionalismo e a dedicação de todos os professores, que responderam ao apelo de colocar de pé, em tempo recorde, o ensino de emergência para o fazer chegar da melhor forma aos 2 500 alunos do Agrupamento». Também «os pais e encarregados de educação foram chamados a assumir um papel bastante mais exigente durante este período, uma vez que, em certa medida, a escola se mudou para as suas casas», frisa.

Pedro Vala admite que o sistema nacional de Educação, «onde se insere o corpo docente, dada a sua dimensão, está em permanente “crise controlada”, que exige uma resposta rápida com vista à reposição do serviço educativo», referindo-se à falta de professores. O diretor garante que esta está ser colmatada de forma rápida: «Em sete dias, é possível substituir um professor, via reserva de recrutamento, ou em mais sete, via contratação de escola, se a primeira falhar». «Esta é a melhor das hipóteses e temos operado muitas substituições nesta base», refere. Pedro Vala admite que, ainda assim, «por vezes sucede que existem necessidades para determinados grupos disciplinares, para certas zonas, ou tipos de horários, ou uma conjugação desses fatores, em que a substituição pode ser mais tardia, por falta de candidatos à oferta. E aqui chegados, a escola fica sujeita às leis da oferta e da procura. O horário existe, mas não tem candidatos ou os que aparecem a concurso declinam e aceitam outras ofertas mais vantajosas». O que pode fazer a escola? «Optar por redistribuir horas pelos professores existentes, sendo que esta situação está condicionada à aceitação dos referidos docentes, uma vez que podem sentir esse acréscimo como uma sobrecarga, com prejuízo para os alunos que já têm», responde.

Pedro Vala diz que não é possível «estar tranquilo»: «Os nossos alunos precisam dos seus professores, de todos eles». «Nesta matéria parece não haver dúvidas, se nada for feito, em poucos anos, a falta de professores profissionalizados será um problema sério, mais sério nalgumas regiões ou grupos disciplinares do que noutros», mas o nível de preocupação é o mesmo», diz, acreditando que ficará «em causa a qualidade do serviço educativo que o país conquistou». A solução passa por um «aumento do investimento na Educação, que também passa pela reavaliação de alguns aspetos da profissão e da carreira dos professores e do pessoal não docente, tais como a renovação dos quadros, a progressão, o conteúdo funcional ou uma harmonização mais virtuosa entre a lista nacional e o sistema de colocações».

Fotos | Jéssica Moás de Sá

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