O lar de muitos ardeu

26 Setembro 2024

Jéssica Moás de Sá

Um lar para onde voltar ao final do dia. Se me pedirem uma lista sobre coisas que me dão paz, que me mantêm firme nos dias de névoa, aqui está uma coisa: Um lar para onde voltar ao final do dia. Não é uma casa, é um lar. É um lar porque tem o nosso cheiro. É lar porque há molduras das nossas memórias e uma gaveta – sim, aquela gaveta – cheia de tralha da qual não nos conseguimos desfazer. No nosso lar há canecas temáticas dos nossos filmes e clubes preferidos. Há um canto preferido onde gostamos de beber o café. No nosso lar estão as nossas roupas, as mantas velhinhas das quais não nos desfazemos porque nenhuma nos vai aquecer tão bem, pelo menos a alma. O nosso lar é porto-seguro. No nosso lar permitimo-nos ser na nossa medida exata. 

O lar de muitos ardeu. Foi consumido pelas chamas de incêndios que parecem durar há muitos anos sem pausa. Como se nunca chegassem a ser extintos. Já se conhecem os lobbys por detrás de alguns dos fogos, já se fizeram estudos sobre os problemas de ordenamento do território, já está identificada a carência (de material e apoio técnico) dos nossos guerreiros bombeiros, mas tudo isto tem valido de nada. E uma coisa é certa: o lar de muitos ardeu. 

Escrevo este texto sentada no meu sofá, de pijama, são 22h17. Ao meu lado tenho a manta de todos os dias e estou sentada no meu lugar de sempre. E, neste momento, estou agradecida. Não sou hipócrita e mentiria se dissesse que todos os dias me contento com as coisas simples do dia a dia. Também busco mais, também me deixo ir no consumismo do que não preciso, mas quero. Canso-me dos dias de rotina com as mesmas paredes de sempre. Mas há estes dias e estes momentos em que olhamos em redor e sabemos que temos exatamente tudo o que precisamos para sermos felizes. E não podendo dar isso como certo, que tentemos lembrarmo-nos mais vezes, ao final de cada dia, que tivemos um lar para onde voltar. 

Uma sentida homenagem a todos os bombeiros que faleceram durante estes incêndios. 

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