Quase meio século depois, será que o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) está a cumprir os propósitos para que foi criado? A resposta varia consoante o interlocutor, mas parece consensual que se muito já foi feito nesse sentido, muito haverá ainda por fazer.
À boleia da apresentação da proposta do plano de cogestão para o PNSAC, foram vários os que aproveitaram não apenas para discutir o projeto em concreto, mas também a relação população/PNSAC, e expressar opiniões e expectativas acerca da área protegida. É a esses olhares que damos agora destaque e que deixam pistas daquilo que muitos portomosenses pensam e querem do PNSAC.
“Não há um sentido de pertença ao Parque”
Na sessão realizada a 17 de janeiro, na Central das Artes, Eugénia Pimenta, de Serro Ventoso, pegando numa das conclusões do estudo sobre as “forças e fraquezas” da área protegida, concordou que há uma «falta de sentido de pertença da população e o afastamento da mesma, nomeadamente os jovens». Segundo esta, isso «verifica-se em todas as aldeias e tem sobretudo a ver com as limitações à construção». «É um fator que leva a que as aldeias estejam a envelhecer, a perder gente, mão de obra e a capacidade de preservar aquilo que é tradição», afirmou, defendendo que o anunciado geoparque poderia ser «uma forma de valorizar o património natural» e inverter a situação.
Alcides Oliveira, presidente da Junta de Mira de Aire, afirmou que a ideia dominante sobre o Parque «é negativa, por não se poder fazer isto ou aquilo». Há também «uma falta de informação gritante» e, como «só uma franja é que sabe o que se passa», sugeriu maior aposta na comunicação com as populações.
“Os 75 milhões devem ser gastos no PNSAC”
Avelino Vitória Gomes, morador em Porto de Mós, quis saber «quem é o atual diretor do PNSAC» e se o plano prevê «a reconstrução de edifícios, no planalto da Serra de Santo António, que pertenceram à Igreja». Já o presidente da Junta de Serro Ventoso, Carlos Cordeiro, fez votos para que «os 75 milhões previstos para o plano sejam divididos pelos sete municípios de acordo com a área do seu território que está dentro do PNSAC» e que o investimento seja integralmente realizado na área protegida porque «as pessoas que cá vivem são as que sofrem os constrangimentos».
O autarca deu os parabéns por se tratar do «maior projeto dentro do PNSAC até aos dias de hoje», considerando, contudo, que «está muito virado para a pessoa que nos visita e pouco para aquela que vive cá», o que não será a melhor estratégia tendo em conta «o problema gravíssimo que é a desertificação». «Tivemos uma perda de população entre 10 a 15%, portanto, este plano devia estar mais virado para as pessoas que cá vivem e para aquelas que querem vir para cá» reforçou, defendendo que deve haver apoios à compra e recuperação de casas.
Cristina Rosa, do Juncal, começou por dizer que «estamos a falar do mundo rural, mas nada se ouve de agricultura, que é uma atividade extremamente ligada a esse mundo» e para as pessoas se fixarem é importante terem atividades nas quais possam trabalhar». Concordando com Carlos Cordeiro de que «é um plano mais virado para fora que para dentro», disse que «os turistas vão querer ver pessoas e espaços bem cuidados», por isso é fundamental contrariar o abandono das aldeias. Por último, e tendo em conta as alterações climáticas, nomeadamente o aumento das temperaturas, defendeu «que se comece a pensar na hipótese de investir no sobreiro no PNSAC».
Marcelo Silva, biólogo, também ele a residir no concelho, estranhou «que a conservação da natureza tenha um valor muito reduzido», parecendo que foi «relegada para segundo plano, quando num parque natural é o mais importante». O munícipe vê também com apreensão «tanto investimento no turismo», afirmando que este «devia ser para as pessoas do Parque se sentirem bem, para terem mais atividades que possam aproveitar ou onde investir, não um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar um fim».
“É um projeto megalómano”
O presidente da Junta do Alqueidão da Serra, Filipe Baptista, esclareceu que, quando alguns defendem que o plano devia pensar mais nas pessoas que cá moram, «não é por haver medo de quem vem de fora», mas pela vontade de que encontrem «um território humanizado» e para isso é necessário que os moradores «tenham uma atividade sustentável ao longo do ano», por exemplo no artesanato ou no turismo. Apostar «na agricultura, na floresta, na pastorícia, no olival e na apicultura devem ser prioridade e isso passa também por investir em cursos técnicos e superiores nestas áreas», disse.
Para Filipe Baptista, o plano de cogestão «é um projeto megalómano», fazendo votos, contudo, «que seja implementado em grande parte, se não no todo». O autarca lamentou, ainda, a demora nos procedimentos que levam a que se ande «há dois anos para se obter parecer (favorável) para instalação de uma antena de
telecomunicações» ou que seja muito difícil autorização para abertura ou arranjo de caminhos, apesar de ambos serem «fundamentais atualmente».
O autarca fez votos para que se possa, finalmente, legalizar a casa de apoio à Estrada Romana e que as juntas sejam chamadas a dar a sua opinião sobre as ações a realizar no âmbito do plano de cogestão e haja uma distribuição justa e equilibrada das verbas.
“Um milhão só para estudos?”
Hélder Costa, de Alcaria, disse que começa «a ficar desconfiado» quando vê «valores tão elevados» e, neste caso, os 77 milhões previstos fazem-lhe «confusão, por não estar habituado a lidar com números tão altos», e mais confusão os «sete milhões para a recuperação do monumento nacional das pegadas de dinossáurios e um plano de prevenção com dois milhões de euros».
«Se eu tiver uma empresa tenho de ter um plano de prevenção e um monumento nacional está aberto há não sei quantos anos e precisa gastar dois milhões de euros num plano de prevenção?», interrogou-se. «[Em quatro anos] temos 760 mil euros para promover desde trails a tasquinhas. Ok, se quisermos pôr isto a nível europeu ou até mundial se calhar é pouco, mas só as tasquinhas de Porto de Mós são conhecidas no país inteiro e não foi preciso gastar muito dinheiro, bastou ter uma boa estrutura, boa comida e boa pinga», frisou.
No entender de Hélder Costa, «se queremos tanto apostar na promoção, não podemos depois limitar o número de participantes de uma prova de trail no Parque a 200 participantes (incluindo as pessoas da organização), até porque controla-se isso mas é impossível saber que público vai haver. Por outro lado, não faz sentido permitir-se que uma empresa, só porque é empresa, coloque, sem entraves, «450 pessoas em áreas sensíveis como a Fórnea», diz o experiente atleta e organizador de provas desportivas.
Voltando aos números, criticou o facto de «só para estudos estar previsto cerca de um milhão de euros», quando a realidade do PNSAC já é sobejamente conhecida, e questionou como é que se chegou aos valores previstos para cada rubrica e para cada ação.
A fechar, António Fael, espeleólogo do Núcleo de Espeleologia de Leiria e morador em São Bento, lamentou «não ter ouvido falar em apoios para o desenvolvimento de projetos científicos, apesar de haver várias pessoas a fazer trabalhos bastante válidos nas áreas da espeleologia, da bioespeleologia e biologia, e que era importante acarinhar». O morador aproveitou para «pedir encarecidamente» que «falem com as pessoas que moram na serra, porque são elas que a conhecem bem», e ao fazer isto estão a corrigir um dos erros principais do Parque, «que foi, precisamente nunca ter conseguido dialogar com as pessoas da serra», sublinhou.