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O que é ser político em tempos de COVID-19? A resposta na primeira pessoa

22 Maio 2020
Jéssica Moás de Sá

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Jéssica Moás de Sá

22 Mai, 2020

Num âmbito mais local ou a nível nacional, é incontestável afirmar que o que domina atualmente a agenda política é a COVID-19. Muitos políticos certamente não esperavam que um surto fosse a maior luta que travariam durante os seus mandatos e que durante algum tempo iriam ficar adiados alguns projetos e estratégias que tinham para as suas freguesias, municípios ou para o país. Colocamos algumas questões: onde ficou a política no meio disto tudo? Onde ficaram as ideologias partidárias? Quem é o político da era da pandemia e quais os seus maiores desafios? Foi isso que procurámos saber junto de vários protagonistas políticos, em diversas frentes e cargos.

Jorge Vala: “Deixei de ser presidente de Câmara e passei a ser presidente da COVID-19”

Para o presidente da Câmara de Porto de Mós, Jorge Vala, não há dúvidas de que nestes momentos «vem ao de cima o lado mais pessoal, a sensibilidade, o que se é enquanto pessoa e a educação» de qualquer político. E por isso, considera, «completamente impossível» separar o político da pessoa por trás do cargo, seguindo muitas vezes, na tomada de decisões, «aquilo que vai na alma e o que o coração manda fazer». Têm sido dias, frisa, em que se sente sempre no ativo e com «uma preocupação permanente». Com algumas pessoas da sua equipa camarária tem partilhado que neste mês e meio deixou de ser o presidente da Câmara para ser «o presidente da COVID-19». E o que é que isto quer dizer? «Quer dizer que entregamos muito do que é a nossa capacidade de fazer a esta questão, à preocupação com as pessoas, ao tentarmos resolver coisas à população. Fomos confrontados com uma situação desconhecida e para a qual tínhamos que dar respostas», sublinha.
O autarca frisa que é importante que o político, neste caso em funções como as que desempenha, «acredite que aquilo que está a fazer é o melhor para as pessoas», mesmo que depois venha a revelar-se mais ou menos certo. Este não é tempo «de política partidária», sinal que veio até «do próprio Governo»: «Por forma a que os procedimentos fossem agilizados, grande parte das decisões colocou-as nos presidentes de Câmara, nem sequer foi nos executivos», explica. Jorge Vala destacou ainda que a nível regional, os processos para combater o surto, têm sido feitos «na Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), composta por 10 municípios» e que também aqui, «em nenhuma circunstância» sentiu que uma Câmara estava a ser beneficiada em relação a outra. O presidente da CIMRL, também presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, tem sido «cuidadoso na tentativa de dar o sinal da equidade».
Jorge Vala afirma que seria «afrontoso numa situação destas» que a oposição, a nível local e nacional, estivesse «sistematicamente a apontar erros». O exemplo do Governo tem sido positivo: «O nosso primeiro-ministro tem estado na primeira linha a assumir em vários setores e aquilo que temos visto é uma oposição de retaguarda». As acusações de aproveitamento político, nesta altura, também não fazem sentido para Jorge Vala: «As declarações diárias, as intervenções que se fazem, aos olhos de alguns podem parecer exageradas, podem parecer aproveitamento político, eu acho que faz parte da vida de quem está na política. Com toda a honestidade, gostaria muito mais de estar numa situação diferente, eventualmente estar a ser criticado por ter tomado a opção de fazer isto ou aquilo numa situação normal. Nesta anormalidade que nós vivemos acho que estamos todos a puxar para o mesmo lado e todos empenhados em que isto passe o mais rápido possível».

Paulo Batista Santos: “Nesta altura sentimos uma maior responsabilidade nas nossas decisões”

«É com honra», diz o presidente da Câmara da Batalha, Paulo Batista Santos, que desempenha funções na atual realidade, até por saber «a responsabilidade» que tem nas suas mãos. «Sentimos uma maior responsabilidade nas decisões e sobretudo em encontrar as melhores soluções para cada momento», explica. O desafio, no fundo, é o mesmo que tinham «no passado», diz, apenas se tornou «mais exigente e mais criterioso». O autarca afirma-se «muito grato» pela forma como a política tem sido feita no seu município: «Os líderes da oposição têm sido exemplares na união de esforços em torno de um objetivo comum, quero sublinhar que tenho tido total colaboração de todas as forças políticas, em todas as juntas de freguesia, independentemente do partido». Aquilo que está a acontecer na Batalha, acredita que está a acontecer «por todo o país», dando «um bom exemplo» de que a «política para este efeito nada conta».
Paulo Batista Santos já desempenhou funções políticas de âmbito nacional, nomeadamente como vice-secretário da Mesa da Assembleia da República e vice-presidente das Comissões Parlamentares de Agricultura e Mar e da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública e por isso, viveu de perto algumas crises, económicas e sociais, mas nunca passou por um «desafio assim», reconhece. Perspetiva que venha a ser «um período longo» e por isso mesmo considera que não faz sentido que os políticos possam vir a ser acusados de se estarem a aproveitar politicamente desta situação: «Qualquer um de nós que faça uma ação com essa perspetiva, não tem resultado de propaganda eleitoral porque vai ser um tempo longo, perde-se no tempo, é uma inutilidade. Os autarcas estão conscientes disso e muito focalizados. Com toda a franqueza, eu vejo o melhor que há dos nossos políticos nestas alturas».
A proximidade com as pessoas na política local torna «mais difícil», em fases de fragilidade da população, «a convivência com a dor»: «Em terras como as nossas, onde praticamente todos nos conhecemos, ou seja, onde há uma relação de afetos com as pessoas, crescemos com elas, vivemos com elas, são nossos familiares, é de facto difícil conviver com a dor, com o desemprego, com aqueles que sejam afetados pela doença, é difícil gerir isso», assume. O segredo, refere, «é fazer tudo «com muita determinação» para conseguir dar respostas à comunidade.

NAS JUNTAS DE FREGUESIA

O presidente da Junta de Freguesia das Pedreiras, Rogério Vieira, está já no seu terceiro e último mandato e era para si «impensável» terminar assim o seu trabalho na freguesia. «O nosso objetivo era termos um mandato mais tranquilo, para concluirmos os objetivos a que nos tínhamos proposto, a pandemia veio alterar tudo», explica. Garante que mesmo que «imaginasse que isto ia acontecer» não era isso que o demovia de se candidatar, mas este é um tipo de desafio que preferia «que não existisse».
A palavra «político não se usa» nesta fase, considera Rogério Vieira. Neste momento o trabalho que tem tentado desenvolver é «em prol das pessoas, para que tudo corra da melhor forma possível» e acredita que a maior parte dos problemas «estão a ser resolvidos». No concelho tem sentido que existe «um trabalho de equipa entre a Câmara, as juntas de freguesia e as forças representadas na Assembleia», estando todos, «a trabalhar em prol da população, do concelho e das freguesias».
Rogério Vieira frisa ainda que «nesta vida autárquica, quem não tiver sentimentos, não serve a população», e que são esses sentimentos que dão ainda mais força «para ajudar as pessoas». «Andamos nas ruas e sempre que aparece alguma situação, por telefone ou presencialmente, tentamos falar com as pessoas, e dar-lhe algum apoio e ânimo», conta.

NA ASSEMBLEIA MUNICIPAL

A Assembleia Municipal «continua a exercer as funções que lhe estão inerentes como órgão deliberativo», garante a presidente, Clarisse Louro. A lei confere nesta fase «poderes extraordinários ao presidente de Câmara mas também introduziu «deveres de comunicação à Assembleia Municipal», explica. Essa comunicação tem existido: «Tem havido sempre uma boa interligação entre mim e o senhor presidente de Câmara, eu tenho sido informada pelo próprio das suas decisões e também nos temos reunido algumas vezes. No caso da Assembleia Municipal, em conversa com os líderes das bancadas, temos mostrado disponibilidade para ajudar nos problemas existentes», clarifica.
De uma forma mais particular, a presidente da Assembleia destaca que tem tentando estar próxima da comunidade, sendo que o facto de ser também profissional de saúde permite que possa transmitir «algumas mensagens e sensibilizar as pessoas para cumprirem as ordens da Direção-Geral da Saúde». No entanto, Clarisse Louro destaca que tem sido difícil deixar de se envolver pelo lado mais pessoal: «Eu sou a presidente da Assembleia e tenho às vezes algum receio de me envolver demasiado porque essa é a função do presidente e eu não quero ser mal interpretada». A presidente frisa que é difícil separar «a Clarisse presidente, da Clarisse pessoa» e não dúvida que se teria «envolvido muito mais» se não ocupasse este cargo.
Na opinião da autarca esta «pandemia veio reforçar a importância do poder local nas localidades e a resposta dada pelas autarquias, independentemente de quem está a gerir e do partido». Isto acontece porque «os presidentes de Câmara e o poder local têm um conhecimento do terreno e das suas populações» que lhes permite um trabalho muito mais ajustado. Esse trabalho vai ser também muito importante num futuro que promete trazer «uma crise social muito grande», considera.

NA OPOSIÇÃO AO MUNICÌPIO MUNICIPAL

Rui Marto é um dos vereadores na oposição na Câmara de Porto de Mós, tendo por isso um ponto de vista distinto de quem está no topo das decisões. Na sua opinião ser político hoje é o mesmo que antes: «Tomar as atitudes, pensar e definir as estratégias tendo sempre por base fazer o melhor para as populações». Neste caso, diz, o que mudou foi o foco uma vez que em «20 anos de política» nunca tinha «passado por uma situação em que tudo gira em torno de um só tema». Nunca imaginou vir a passar por uma situação destas, mas acha que, de uma forma genérica, em termos políticos, acabou por ter mais «aspetos positivos do que negativos», uma vez que «a classe política demonstrou o que os une, o interesse da população».
Esta é uma fase de «unanimidade», acredita, embora comecem a surgir as primeiras críticas por parte da oposição a nível nacional, depois de no decorrer de todo o processo ter havido uma oposição quase «nula», com uma agenda política muito restrita. Rui Marto acredita que era precisamente isso que «a população queria», avaliando pelos «estudos de opinião». Ou seja, «quem está na oposição e não concorda, ou o diz num meio muito restrito ou cala-se e deixa quem está a fazer um trabalho de liderança, fazer o que melhor entender», explica. O autarca garante que «a maior parte das pessoas», tanto no concelho como a nível nacional «deram logo essa abertura para que quem estivesse no poder tomasse as suas medidas».
Rui Marto é também da opinião que é impossível dissociar o político da pessoa, até porque um político, defende, «cria as convicções tendo por base a sua formação pessoal, a maneira de ser, a educação», mas nesta situação em específico isso é ainda mais notório. «Nalguns casos é mais fácil tocar o coração e esquece-se o “eu sou político e esta é a minha estratégia”», diz.
O aspeto mais negativo que tem a destacar desta fase, a nível local, foi o facto das «reuniões de Câmara terem sido suspensas», uma decisão que considera «extremamente negativa». Rui Marto acredita que «em tempos de guerra é que se devem reunir todos os elementos e este é o tempo de todos remarem para o mesmo lado», sublinha.

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