Há quem vá por respeito, outros vão com o objetivo de fazer companhia e há até quem decida ir por obrigação. São imensas as razões que estão por detrás das idas aos cemitérios. Isabel Reis e Lurdes Beato são exemplos de quem que, há largos anos, têm o ritual de ir frequentemente a esses locais de culto, com o objetivo de visitar entes queridos: Seja para «rezar», «prestar homenagem» ou até «agradecer».
«Para mim ir ao cemitério significa fazer companhia a quem lá tenho. Vou e venho em paz. Quando saio de lá, saio ainda melhor e com o sentimento de que fiz o que tinha que fazer», descreve Isabel Reis, de 61 anos, natural do Alqueidão da Serra. O hábito de ir ao cemitério ganhou-o «desde muito novinha» com os pais. Mais tarde, depois de se ter casado, passou a ir com a sogra, cuja filha «morreu cedo», começando a ir mais vezes. Após o falecimento da mãe do marido, «passou a ir sempre». Hoje em dia, são seis as campas que visita semanalmente no cemitério do Alqueidão da Serra. «Vou lá sempre quando eles fazem anos, ou de nascidos ou de mortos», adianta.
No jardim de Isabel Reis crescem flores de vários tipos, desde próteas, gerberas, astromélias e até crisântemos, cujo destino final é a sepultura dos seus familiares. A enorme quantidade e variedade de flores que nascem no seu terreno, leva a que raramente seja obrigada a comprar e tem também impulsionado a sua solidariedade. «Normalmente sobram-me sempre flores porque tenho muitas e depois acabo por ir levar a determinadas campas de pessoas que morreram jovens e não têm ninguém que lá vá», justifica.
No dia de ir ao cemitério, vai sempre munida de máscara e do próprio material de limpeza. A sua principal preocupação é manter as sepulturas apresentáveis, uma rotina que, para si, já está completamente interiorizada. «Normalmente lavo sempre com água e por vezes, uso lixívia se estiver mais amarelado ou verde, por causa da chuva e das verduras», explica Isabel Reis, adiantando que tem sempre o cuidado de mudar a água às jarras. Além disso, quando chega o verão, tenta ir mais do que uma vez por semana ao cemitério para manter as flores regadas.
Na hora de ir embora, despede-se com um «até para a semana» e garante que no cemitério se sente bem porque, na sua crença, os seus familiares «continuam vivos». «Parece que estou no céu. Lá sinto-me bem e se estiver sozinha ainda melhor. Mas se vier alguém também não me estorva», confessa, entre risos.
Preferência está nas flores naturais
Natural da Corredoura, Lurdes Beato, de 66 anos, vai de forma regular ao cemitério velho de Porto de Mós «há cerca de 34 anos», altura em que o pai faleceu. O ritual começou com a justificação de fazer companhia à mãe porque esta «não podia deslocar-se sozinha». Já nessa altura, as flores artificiais nunca foram uma opção, o que em parte se deve ao facto de também no seu jardim haver uma grande quantidade de flores que vão brotando ao longo do ano. «Optámos sempre por flores naturais, que crio durante o ano no meu quintal onde tenho várias espécies». Em conversa com O Portomosense, Lurdes Beato faz questão de sublinhar que mesmo após a morte da mãe, o hábito de dar preferência às flores naturais permaneceu e se mantém até aos dias de hoje. Por muito incomum que possa parecer, as orquídeas são as suas flores de eleição na hora de enfeitar as sepulturas de familiares. «Gosto muito de meter coroas imperiais e orquídeas. Nos próximos meses vou ter orquídeas para todas as semanas porque sou capaz de ter entre 40 a 50 vasos com elas», garante.
Normalmente as idas ao cemitério são feitas ao sábado ou domingo de manhã, quando dispõe de mais tempo livre, levando consigo todo o material que precisa de casa, para não ter que mexer «nas coisas que lá estão». Por norma, costuma visitar e enfeitar duas campas: a dos pais e a de um vizinho, cuja mulher está acamada. «Enquanto eu puder e tiver flores, irei sempre enfeitar. É uma pequena partilha», refere. Quando decide dirigir-se ao local de culto, o mais antigo de Porto de Mós, Lurdes Beato faz questão de oferecer boleia a uma senhora que não tem carta de condução e que, dessa forma, evita «chatear as filhas».
A higienização e apresentação das sepulturas é a sua principal preocupação porque, na sua perspetiva, «há muitas campas desprezadas» e também não quer que as dos seus entes queridos cheguem a esse ponto. No entanto, Lurdes Beato tem consciência que ter sempre flores é um trabalho árduo a que muita gente não está disposta. «Conseguir ter flores para manter um ano inteiro dá muito trabalho. É preciso perder muito tempo a cultivar, sachar e regar para poder ter disponibilidade de ter flores frescas todo o ano», adverte.
A portomosense não tem dúvidas da importância e do significado que para si tem ir ao cemitério. «É uma maneira de os visitar e de me sentir bem, mais leve. Sempre que tenho problemas que me afligem é a eles que recorro. Eu sei que eles me estão a ouvir e que me acompanham», conclui.