Ainda antes da chegada ao centro de testes à COVID-19, em regime drive-thru, instalado desde julho na Gândara dos Olivais, em Leiria, pelos Laboratórios Beatriz Godinho, a extensa fila de carros que se prolongava por várias dezenas de metros já era bem visível por quem circulava na Estrada Nacional 109. No interior dos veículos, vários ocupantes aguardam impacientes pela sua vez para serem submetidas ao teste de despiste ao novo coronavírus e, muitas vezes, é precisamente essa ansiedade que causa as maiores enchentes. «As pessoas estão muito ansiosas e então vêm quase com uma hora de antecedência», afirma Maria João, administradora da empresa que conta, neste momento, com quatro postos de colheita especializados em COVID-19, no distrito de Leiria. O cenário encontrado pel’O Portomosense na tarde em que visitou o local, é também reflexo da situação epidemiológica vivida no país, em que se assiste a um aumento constante do número de infeções.
Apesar do semáforo à entrada do edifício, Amado Tomaz, um dos fundadores da empresa, faz questão de encaminhar os automobilistas para o lugar de admissão dos utentes. Aos 85 anos, e mesmo pertencendo a um grupo de risco, admite que sente necessidade de «dar tranquilidade e confiança» aos seus funcionários e que essa é a principal razão para querer estar dentro do “olho do furacão”. «Acima de tudo, estou aqui pela saúde dos meus colaboradores e para ter a garantia de que podemos ter a casa aberta porque se eles se infetarem, a Direção-Geral de Saúde fecha o laboratório», desabafa.
É na primeira etapa, a da credenciação, que encontramos a colaboradora mais nova do grupo, Filipa Sismeiro, de apenas 18 anos. A sua tarefa passa por pedir às pessoas que lhe digam o nome, o e-mail, para o qual será enviado o resultado do teste e ainda o motivo pelo qual aí se dirigiram. Nesse momento, ouve-se uma voz vinda de dentro do carro que admite: «Estive em contacto com uma pessoa infetada», mas invocando Deus, mostra-se confiante de que o diagnóstico será negativo. De seguida, Filipa Sismeiro indica ao utente para qual das nove boxes se deve dirigir para fazer a colheita, que consiste na recolha de «produto biológico nasal e da parte de trás da garganta». «O processo é relativamente rápido, as pessoas desde que entram até que saem demoram cerca de 15 minutos», explica Cátia Nunes, do Departamento de Marketing dos Laboratórios Beatriz Godinho e que acompanhou a visita.
“Sinto-me mais segura assim do que em qualquer outro sítio”
Em plena segunda vaga da pandemia, a tarde no centro de testes adivinha-se muito preenchida. As seis colaboradoras que aí estão não têm mãos a medir. Ainda assim, os olhos azuis sorridentes de Gabriela Peixoto, de 22 anos, mostram que, mesmo com um ritmo de trabalho alucinante, não se coíbe de descrever aquele que tem sido o seu quotidiano nos últimos tempos. «É sempre esta azáfama e cada dia é pior, no sentido de termos mais gente e mais testes para fazer. E menos tempo», conta.
Todas as profissionais de saúde envergam, durante «três horas seguidas», o mesmo equipamento de proteção individual (EPI) que é composto por: fato de proteção de tronco e membros, bata, avental de plástico descartável, duas toucas, máscara FFP2, viseira, três pares de luvas descartáveis, duas proteções de calçado e «bastante fita-cola». A enfermeira explica que de cada vez que faz um teste, tem de trocar o terceiro par de luvas e desinfetar a viseira e o avental: «É uma forma de nos protegermos a nós e ao próximo utente», justifica Gabriela Peixoto. «Assim sinto-me completamente segura porque sei que não vai entrar cá nada», garante, entre risos. Ana Luísa, técnica de análises clínicas, está desde julho no centro de testes e tal como a colega admite sentir-se segura com o EPI que traz vestido: «Sinto-me mais segura assim do que em qualquer outro sítio». Aos 27 anos, também concorda que o ritmo de testes feitos tem vindo a «aumentar cada vez mais» e que há dias em que chega a casa «completamente exausta». «Tem sido complicado», reconhece.
Após esse turno, as profissionais retiram toda a indumentária que as deixam camufladas dos pés à cabeça, num processo que demora «cerca de 15 minutos» e aproveitam a pausa para «fazer xixi, comer ou até coçar a cabeça», descreve Cátia Nunes.
O testemunho de quem já fez o teste
Desde que entrou em funcionamento, na Gândara dos Olivais, o centro de testes drive-thru já efetuou «457 testes» a pessoas oriundas das 10 freguesias do concelho de Porto de Mós. Porém, seja pela dimensão da zaragatoa (objeto semelhante a um cotonete), pelo receio associado ao ato em si, ou até pela experiência menos boa partilhada por terceiros, a verdade é que a realização do teste de despiste ao novo coronavírus continua a causar alguma ansiedade a quem o faz. «A grande maioria das pessoas reage bem, mas claro, há sempre pessoas que acabam por nos agarrar ou dizer alguns palavrões», conta Daniela Marques, de 25 anos. Depois da colheita, os resultados dos testes são comunicados «entre 24 a 48 horas» e «no melhor cenário», o diagnóstico é conhecido «no próprio dia».
Durante a visita ao local, foi possível verificar o quão dispares são as reações das pessoas quando têm que fazer o teste para deteção da COVID-19. Se por um lado, há quem esteja completamente tranquilo com a situação, outros nem tanto, como é o caso das crianças. Apesar dos esforços dos profissionais de saúde em tentarem tranquilizá-las, seja através de explicações pormenorizadas ou até pelo toque da zaragatoa na pele, para provar que não causa dor, os mais pequenos acabam (quase) sempre por chorar.
Das três pessoas ouvidas pel’O Portomosense, todas tinham motivos diferentes para realizarem o teste. Para duas delas era uma estreia absoluta, para outra não. «É a segunda vez que faço o teste, mas desta vez custou-me mais um bocadinho», frisa uma jovem de 28 anos, vinda de Amiais de Baixo com sintomas do SARS-Cov-2, mas que prefere manter o anonimato. Experiência diferente teve Helena Ângelo, de 43 anos, natural da Ortigosa, que foi fazer a despistagem juntamente com os dois filhos, depois do marido, assintomático, ter testado positivo. «Correu bem, pensava que era pior», conta. Também Licínio Quintal, de 44 anos, residente no Alqueidão, freguesia da Boavista, esteve em contacto com um colega de trabalho, com quem tinha estado «praticamente o dia todo».
Número de testes de despiste à COVID-19 feitos no centro de testes drive-thru de Leiria, no dia da visita d’O Portomosense, a 17 de novembro. Dos testes efetuados, 29 revelaram-se positivos. O recorde de testes foi alcançado a 30 de outubro, dia em que se realizaram 302 colheitas.