Se o valor a pagar pela energia elétrica ainda não está no topo das preocupações de muitos, o caso muda de figura quando falamos de municípios. Aí, difícil será encontrar um autarca que não se queixe do verdadeiro rombo que o aumento do preço da eletricidade está a provocar nos cofres municipais. O presidente da Câmara de Porto de Mós, Jorge Vala, é um dos apreensivos e descontentes com a situação atual. «Procurámos fazer um orçamento muito realista que previa já a redução em cerca de 360 mil euros de verbas do Orçamento de Estado, sabíamos que ao aceitar as competências na Educação teríamos que pagar a 32 funcionários, e até previmos um aumento da energia, mas nunca ninguém imaginou que aparecesse uma guerra que veio mexer com tudo. Só para energia já gastámos mais do dobro daquilo que tínhamos previsto para este ano», adianta.
Para Jorge Vala não restam dúvidas: «Se fizer obra, fica feita e acrescento valor ao território mas ao pagar energia a este preço sinto que é quase como se estivesse a atirar dinheiro ao lixo. Satisfaço uma necessidade imediata, é certo, mas depois nunca mais vejo o dinheiro. E o pior é que satisfaço uma necessidade a um preço absurdo com IVA a 23% Por cada 1 000 euros, pagamos 230 ao Estado. Em dois milhões e tal, é meio milhão que lhe devolvemos do dinheiro que nos transferiu, o que não faz sentido».
E se o valor a pagar já é uma verdadeira dor de cabeça, a coisa complica-se quando é necessário ter dinheiro mas não se sabe muito bem onde o ir buscar, porque tudo tem de estar orçamentado e, no caso da energia, é difícil ir buscar a outras rubricas para pôr nesta. «Para mim, em termos de gestão financeira, é incomparavelmente pior gerir agora o orçamento municipal, que no período da COVID-19», diz o autarca. «Estamos muito, muito preocupados com o futuro, não só pelos custos elevados da energia mas, sobretudo, pela incerteza. Ninguém sabe muito bem o que aí vem. Tenho um colega, por exemplo, que pagava 600 mil euros para manter em funcionamento o sistema de gestão de águas, agora a fatura vai já em quatro milhões de euros e ainda o ano não acabou», acrescenta, lembrando, ainda, que tal como acontece com as famílias, não tem só a fatura da luz a pagar, há sempre outras que vêm aumentar, e muito, a despesa mensal.
A EDP ainda não denunciou o contrato que tem com o Município, mas Jorge Vala acredita que isso possa acontecer nos próximos meses e, por isso, já está, há algum tempo, a tentar arranjar alternativas mas reconhece que não está a ser fácil. «Fizemos uma consulta através da Comunidade Intermunicipal (CIM) mas não apareceu ninguém. Depois, consultámos as duas maiores empresas do mercado e os preços são absurdos e podiam ser contratos a um mês, duas semanas ou até menos. Agora vamos lançar um concurso para uma série de contadores para podermos, pelo menos até ao final do ano termos valores estabilizados mas estes são sempre associados aos de mercado e aí, quanto a mim, está a ser feito um preço especulativo», diz.
Castelo será o único com iluminação
Perante este aumento o Município, é obrigado a tomar medidas, umas mais drásticas que outras e não está só. Assim, e seguindo «um critério definido para toda a CIM, a partir da meia-noite apenas um edifício de referência mantém a iluminação ficando os restantes [na alçada do Município] às escuras, com a exceção daqueles que por estarem ligados ao sistema de iluminação pública, se a energia for desligada afetará também a rua ou ruas contíguas. No caso de Porto de Mós, o edifício referência é o Castelo». A medida foi anunciada há algumas semanas mas, segundo Jorge Vala, ainda não foi aplicada porque «foi necessário comprar os temporizadores» e, depois, o funcionário que os vai instalar «esteve de férias e a seguir, a dar apoio ao festival Viver». Há uma semana, quando falou com O Portomosense, o autarca garantiu que a questão seria resolvida daí a poucos dias. Com esta medida, o Município conta ter uma redução significativa no valor a pagar, mas a iluminação é apenas uma das componentes da fatura, por sinal, a mais pequena. A maior tem a ver, por exemplo, com manter em funcionamento o sistema de captação e distribuição de água.
A prever a denúncia do atual contrato e depois de já ter gasto valores muito significativos e bastante superiores ao que estava planeado, o Município, segundo o autarca, viu-se obrigado a suspender ou adiar várias obras que tinha previstas para este ano. Mesmo assim, garante, as mais importantes não constam da lista.
E serão as medidas tomadas e o esforço de poupança realizado suficientes? Essa é uma pergunta para qual Jorge Vala diz não ter resposta naquilo que é secundado por muitos outros autarcas de norte a sul do país. Em matéria de fatura energética (e cada vez mais, noutras), prognósticos só mesmo no final do jogo, sublinham.
Instituições apostam no sol para reduzir fatura da luz
Com a energia elétrica cada vez mais cara, O Portomosense falou com os responsáveis da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Porto de Mós e do Centro Paroquial de Assistência do Juncal, respetivamente, António José Ferreira e Lúcio Alves, com o intuito de perceber se este é um problema que já afeta as suas instituições e o que estão a fazer para o minimizar.
António José Ferreira refere que, como o contrato de energia elétrica ainda está em vigor até ao final do ano, por enquanto, é um problema que não se está a fazer sentir de forma direta. «Estamos certos que o cenário que aí vem não é nada bom e então já estamos a tomar medidas com o intuito de o minimizar, nomeadamente a instalação de painéis fotovoltaicos», diz o responsável. «Temos painéis há algum tempo mas a energia produzida tem sido apenas para venda à EDP. Vendemos mais barato que aquilo que compramos mas, enfim, é o habitual. Entretanto, para tentarmos ser autossuficientes durante a maioria dos dias do ano e já a prever estes aumentos da energia, decidimos instalar mais painéis fotovoltaicos, desta vez para produzir energia para autoconsumo», acrescenta.
O presidente da associação humanitária revela que está em causa «um investimento de cerca de 21 mil euros, apoiado em 30%», sendo a verba restante «suportada por fundos próprios». «A empresa fala-nos em mais de 90% de eficácia, ou seja, que consigamos produzir energia suficiente para os consumos diurnos de praticamente todo o ano, mas, mesmo que nos fiquemos por 70 ou 80%, já é uma grande poupança», reforça.
A poupança de energia com a consequente diminuição da fatura é uma preocupação que já não é de agora. Aquando da sua última grande intervenção no quartel sede, a associação tentou melhorar tudo aquilo que havia para melhorar em termos de eficiência energética, desde, por exemplo, a instalação de iluminação led, até ao ar condicionado de baixo consumo». Só faltava mesmo a questão do autoconsumo e que fica agora resolvida.
Orgulhoso do trabalho realizado numa casa em que cada cêntimo conta, António José Ferreira deixa escapar, contudo, um lamento: «Julgo que devia ser mudado o paradigma dos apoios estatais porque muitas vezes são apoiadas pessoas e instituições que não fizeram as coisas no devido tempo, que são laxistas ou até infratoras, e quem, tomou a iniciativa de melhorar ainda antes de ser obrigado, não tem qualquer tipo de apoio do Estado».
Lúcio Alves, do CPAJ faz um retrato muito semelhante: «Para já, ainda não sentimos um aumento significativo na fatura da energia elétrica, o valor ainda não é de assustar, mas temos noção que isso vai mudar. Estamos, naturalmente, preocupados, por isso decidimos instalar alguns painéis fotovoltaicos», adianta.
Famílias preparam-se para o aumento da eletricidade
Que o valor da fatura da energia elétrica vai subir nos próximos meses parece consensual, mas será que essa é já a realidade de muitas famílias portomosenses? E o que estas estão a fazer para reduzir a conta? Foi isso que procurámos saber junto de duas pessoas, cuja situação familiar e de consumos decerto encontrará paralelo na de muitas outras do concelho.
Liliana Vieira, técnica superior de análises clínicas, 37 anos, não notou qualquer aumento da conta nos últimos meses, mas, consciente de que esse cenário poderá mudar, este mês fez uma estimativa e concluiu que «o que pagaria se passasse do mercado liberalizado para o regulado não compensa a mudança», porque tem «a luz e o gás associados à mesma fatura» e, por isso, beneficia de um «desconto». Além de que, «mudando o gás para o mercado regulado, isso obriga a que haja uma nova inspeção da instalação, o que acarreta custos». Por isso e para já, vai «esperar para ver se os aumentos nos próximos meses são aqueles com que estava a contar», e depois tomará a decisão final, refere.
Quanto a práticas de poupança de energia, têm-nas perfeitamente incorporadas no seu dia-a-dia, «mais por uma questão ambiental, do que económica», esclarece, lembrando que «as mudanças que fazemos nas nossas rotinas para diminuir a pegada ecológica têm praticamente sempre um impacto na poupança económica e isso é mais um incentivo».
Pedro Fonte, motorista de transporte público, 46 anos, tem uma experiência diferente. O seu agregado familiar é constituído, de forma regular, por três pessoas e quinzenalmente, por quatro, e o que tem notado é um aumento claro daquilo que paga por energia elétrica. Tal como Liliana Vieira, tem a luz e o gás a aparecerem na mesma fatura, mas tendo em conta, apenas, a primeira componente, constata que, em média e para consumo idêntico, está a pagar mais 10 a 15 euros que em igual mês do ano passado. Como o preço do gás também tem vindo a subir, reconhece que são aumentos que «já pesam» no orçamento familiar, até porque «a esses se juntam os outros, nomeadamente, em termos de alimentação».
Poupar é também prática comum nesta família: «Nos banhos e até para lavar os dentes só abrimos a água quando é necessário. Quanto à iluminação a preocupação principal é não ter lâmpadas acesas sem necessidade. Em termos de custos a este nível penso que não há muito mais onde consiga cortar», diz.
Com o tempo frio à porta, para Pedro Fonte é certo e sabido que o valor da fatura vai, por si só, disparar, mas também diz não haver volta a dar: «As casas arrefecem e se queremos estar minimamente confortáveis temos de ligar o aquecimento», conclui.
Fotos | Isidro Bento e Jéssica Silva