Na sequência «de todas as notícias que têm surgido sobre a “suposta invasão” de javalis em zonas urbanas, o PAN criou um grupo de trabalho com o intuito de estudar o tema, perceber as razões para o sucedido e apresentar possíveis soluções», informou, em comunicado enviado à nossa redação, a Comissão Distrital de Leiria do partido. Deste grupo resultaram algumas «conclusões» e como Porto de Mós «e concelhos limítrofes têm sido afetados por este problema» a Comissão Distrital fez chegar a O Portomosense um artigo onde revela algumas delas.
No artigo, assinado por Luís Vicente e Ana Pereira, ambos pertencentes ao PAN, ao grupo de trabalho criado e também biólogos, são desmistificadas algumas ideias pré-concebidas sobre o tema. «O ICNF alargou o período e métodos de caça a pedido dos caçadores, a quem delega grandemente a gestão da caça. No entanto, (…) não existe qualquer estudo que valide o impacto desta atividade nos efetivos populacionais», começam por referir os biólogos, que acrescentam que o próprio ICNF «admite que esta solução encontrada está longe de ser a ideal e de resolver a questão».
Antes de avançarem com outras soluções, os membros do PAN optaram por clarificar o comportamento da espécie. «É um mamífero inteligente e inofensivo, vive em famílias por vezes numerosas e tem um comportamento social complexo e muito protetor dentro do grupo. São geralmente muito secretivos, adaptando a sua atividade ao período da noite durante o qual mais dificilmente se cruzam com os humanos. A sua alimentação é feita sobretudo de frutos, raízes, fungos e pequenos invertebrados que encontram na floresta natural, o seu habitat por excelência», dizem. «Porém», lembram os biólogos, «estes animais lutam pela sobrevivência»: «Quando o alimento escasseia ou existe algum desequilíbrio, arriscam a vida junto de povoações e percorrem maiores distâncias na procura de alimento. Atravessam estradas e dão-se então acidentes com vítimas mortais: os javalis quase sempre e, por vezes, pessoas».
Apesar de reconhecerem que estes acontecimentos «são lamentáveis», Luís Vicente e Ana Pereira também advertem que «são decorrentes do mundo altamente alterado, vulnerável, instável, complexo e em mudança que nós, pessoas, criámos». «Os seus habitats naturais foram sendo progressivamente humanizados e fragmentados. Na tentativa de sobreviver às alterações climáticas e à destruição causada pela desflorestação e pelos enormes incêndios e cheias que têm ocorrido, saem à procura de água e alimento», refletem. Os biólogos referem ainda que não podemos afirmar que existe um excesso de população de javalis: «O conceito de “excesso” só tem sentido na competição com os humanos. Sem existirem dados de biologia populacional (…), não podemos fundamentar cientificamente a veracidade do tão falado descontrolo populacional».
“Mas afinal, qual é a solução?”
Os membros do PAN acreditam que é preciso estudar os javalis, uma «espécie pouco estudada cientificamente em Portugal». No entanto, «conforme vários estudos científicos», a caça «não é um método eficiente» na regulação de populações naturais: «Se por um lado tem pouco impacto, por outro, é fortemente lesivo para outras espécies dos ecossistemas onde se realiza». Os biólogos defendem que «qualquer ação de controlo populacional passa, obrigatoriamente, pelo controlo da natalidade», que deve ser feito «através de esterilização ou colocação de dispositivos de contracepção, efetuadas por médicos veterinários e técnicos».
Uma das medidas fundamentais é também «a preservação de habitats naturais»: «Qualquer destruição para fins humanos de habitats naturais deveria, por lei, ser acompanhada por medidas compensatórias de criação de áreas de igual dimensão para proteção integral». Na opinião do PAN, é «urgente criar zonas de proteção integral em Portugal suficientemente grandes e interligadas no território por forma a que a vida natural possa coexistir em equilíbrio e sem intervenção antrópica». Também é, acreditam Luís Vicente e Ana Pereira, «muito importante aumentar a vigilância das zonas de proteção aumentando o efetivo e ações de fiscalização do SEPNA pois a pressão de caça nestas zonas naturais do seu habitat traduz-se numa mobilização dos espécimes para zonas urbanas».
«A solução possível para zonas urbanas ou agrícolas seria a colocação de vedações elétricas e outros métodos dissuasores», é referido no artigo. O «apoio à investigação científica que traga mais conhecimento sobre métodos dissuasores da presença do javali em hortas e campos agrícolas assim como povoações ou estradas e via férrea», é um apelo deixado pelo grupo de trabalho do PAN. Devia também ser proibida a «caça dos potenciais predadores naturais [dos javalis] como saca-rabos e raposas e eventualmente à reintrodução do lince e do lobo».
Luís Vicente e Ana Pereira concluem o artigo lembrando «as questões éticas», que devem ser tidas em conta nas soluções encontradas para esta problemática. «Sabemos que, como nós e os outros animais, os javalis também são sencientes, isto é, são dotados de capacidades cognitivas, de capacidades emocionais e empáticas, que sofrem, amam, têm alegrias e tristezas», frisam.