Pela voz de Ary dos Santos

3 Maio 2022

Catarina Correia Martins

«Era uma vez um país/onde entre o mar e a guerra/vivia o mais infeliz/dos povos à beira-terra». As palavras são de José Carlos Ary dos Santos e retratam um país sufocado pela ditadura do Estado Novo. Volvidos 48 anos do 25 de Abril de 1974, continua a fazer sentido falar-se desta data, do dia em «que dentro de um povo escravo/alguém que lhe queria bem/um dia plantou um cravo». É bonito distribuirmos cravos vermelhos ou cantarmos a Grândola Vila Morena, mas porque continuamos a fazê-lo? Para que não esqueçamos que «Foi esta força sem tiros/de antes quebrar que torcer/esta ausência de suspiros/esta fúria de viver/este mar de vozes livres/sempre a crescer a crescer/que das espingardas fez livros/para aprendermos a ler/que dos canhões fez enxadas/para lavrarmos a terra/e das balas disparadas/apenas o fim da guerra». Assim, todos os anos lembramos que «Foi esta força viril/de antes quebrar que torcer/que em vinte e cinco de Abril/fez Portugal renascer».

São muitos os filmes que nos contam a história, que, ano após ano, passam na televisão portuguesa. E em todos os 25 de abril dizemos: «Outra vez os Capitães de Abril? Outra vez A Hora da Liberdade?». Humildemente hoje respondo: outra vez e ainda bem, porque «De tudo o que Abril abriu/ainda pouco se disse/e só nos faltava agora/que Abril não se cumprisse». E para que nunca se fechem «as portas que Abril abriu», é preciso que continuemos a comemorar a revolução, que continuemos a dizer a todas as gerações o que ela significou para nós enquanto povo, enquanto país. Aproveitemos enquanto temos ainda protagonistas vivos, mas continuemos a lembrá-los depois de partirem, como fazemos com Salgueiro Maia ou Otelo Saraiva de Carvalho. Porque é a informação, o saber da História, que faz com que não deixemos que se repita.

Na sessão concelhia de celebração, a presidente da Assembleia Municipal, Clarisse Louro, lembrou que, agora, já «temos mais tempo de democracia do que anos de ditadura» e que «celebrar a democracia e a liberdade é, também, relembrar esse outro tempo e reafirmar que nunca mais o queremos viver». «Por maiores que sejam as dificuldades, é na democracia que está a solução», afirmou. O presidente da Câmara, Jorge Vala, recordou também que «o 25 de Abril legitimou o lugar do homem comum na história e na construção do futuro, não só pelo voto ou pelo contributo da sua expressão livre, mas como peça fundamental do seu próprio percurso individual, enquanto agente interventivo, no seio da sua comunidade» e «através de toda a sua intervenção na vida pública e de exigência de respeito pelos seus contributos e direitos individuais».

Enquanto jornalista, não posso deixar de referir o importantíssimo contributo do 25 de Abril para a liberdade de expressão e para a liberdade de imprensa, permitindo-me fazer hoje o que faço, da forma que faço. A escritora Filipa Fonseca Silva escreveu, a propósito do tema, que «o mal alimenta-se do silêncio» e é nisso mesmo que acredito, que enquanto pudermos, através da nossa voz, dizer a todos o que se passa, o “mal” terá mais dificuldades em progredir. E se isto não fosse verdade, não continuavam a existir países que calam a informação, que subvertem o que se diz e mostra e que impedem o cidadão comum de chegar até ao conhecimento através dos meios de comunicação. Puxando “a brasa à minha sardinha”, que saibamos valorizá-los, que sejamos capazes de reconhecer mérito e trabalho dos jornalistas, dos jornais, das rádios, das televisões, porque também eles são o travão que impede que se cerrem «as portas que Abril abriu».

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