Nasceu há 32 anos no Chão das Pias, freguesia de Serro Ventoso, mas há muito que Andreia Silva se tornou numa cidadã do mundo. Depois de já ter percorrido vários países, está a viver no Quénia há quase dois anos, onde é voluntária num projeto de ajuda humanitária (EU Humanitatian AID Volunteers), financiado pela União Europeia. Foi precisamente durante uma viagem à Ásia, quando conheceu um médico que trabalhava na área do desenvolvimento e cooperação, que o bichinho do voluntariado começou a despertar, uma experiência que, admite, até esse momento nunca tinha ponderado: «Mostrou-me o projeto em que estava inserido no Camboja e achei muito interessante. Comecei logo a pensar que seria algo que gostava de fazer».
Formada em Terapia Ocupacional, Andreia Silva começou uma busca incessante na tentativa de encontrar oportunidades que existissem nessa área. Depois de duas tentativas para se candidatar que se revelaram infrutíferas, à terceira foi mesmo de vez, tendo acabado por ser selecionada para um projeto na área da inclusão e deficiência, no Quénia. Seguiram-se várias formações na Europa e em setembro de 2019 foi enviada pela MTÜ Mondo, uma organização da Estónia, e recebida pela a WEFOCO, a organização parceira de acolhimento. «O processo demorou um ano, desde a primeira candidatura até ser selecionada», recorda, reconhecendo que «não é muito fácil» entrar neste mundo de trabalho, nem encontrar oportunidades de voluntariado nessa área.
Na chegada ao Quénia, chegou a estar privada de algumas condições básicas de vida, como o saneamento e água, mas nem isso a fez sentir dificuldades de adaptação, algo que, acredita, possa estar relacionado com as experiências de outras viagens que trazia na bagagem. Embora reconheça que existem «muitas diferenças culturais» entre Portugal e o Quénia, o que, assegura, requer «muita flexibilidade», a voluntária confessa que aprendeu a viver de «forma simples, mas com qualidade de vida».
Melhorar a qualidade de vida de crianças com deficiência
Numa primeira fase, a voluntária começou por fazer a avaliação das necessidades existentes na comunidade, a que se seguiu o desenvolvimento de atividades. Durante os seis meses do projeto, Andreia Silva deu formação a pais, cuidadores e professores que lidavam com crianças com deficiência, com o objetivo de as «capacitar» para que, no futuro, fossem elas próprias a fazer as intervenções. «Trabalhei com uma escola para crianças com deficiência intelectual e física e também numa residência para crianças com paralisia cerebral, que foi mandada construir por uma senhora que sabia que as escolas não tinham os recursos necessários para tratar os casos considerados mais severos», explica.
A outra parte do projeto era feita junto das comunidades, nas aldeias, onde a portomosense realizava ações de sensibilização para os direitos das crianças com deficiência com o intuito de «informar e sensibilizar para a inclusão». «Passávamos um filme na língua local sobre uma criança com paralisia cerebral e depois falávamos sobre os direitos que estas crianças têm. Informávamos também sobre os serviços existentes e a que sítio podem ir para obter ajuda», recorda.
Em março de 2020, a pandemia levou à interrupção do projeto, depois de a organização de envio ter decidido que «por questões de segurança» os voluntários deveriam ser repartidos. Em setembro, Andreia Silva voltou ao Quénia onde continuou a dar formações. Com base nelas elaborou um manual para entregar a todos os seus formandos, o que permite que agora possam ser essas pessoas a dar formação. Quando tudo parecia estar a caminhar no rumo certo, a portomosense ficou infetada com COVID-19 algo que, admite, afetou «bastante» o seu trabalho e a impediu de ir às escolas durante dois meses. Porém, não baixou os braços e adaptou o projeto, tendo nesse período realizado campanhas de sensibilização para a prevenção do contágio do novo coronavírus.
Trabalhar a igualdade de género numa sociedade patriarcal
Depois de em março ter finalizado o projeto de inclusão e deficiência que a levou a África, Andreia Silva voltou a Portugal mas regressou recentemente ao Quénia para dar continuidade a um projeto sobre a igualdade de género e a luta contra a violência contra as mulheres. Neste projeto, a organização na qual está inserida trabalha com grupos de mulheres em que cada uma representa uma determinada zona e que foram formadas para serem «embaixadoras contra a violência de género». Para Andreia Silva este projeto ganha relevo acrescido principalmente por estar a ser desenvolvido num país com uma «sociedade patriarcal» em que «a mulher tem muito menos poder do que o homem» e onde ainda existe poligamia. A somar aos problemas de violência, de violações e de mutilação genital feminina, a voluntária reconhece que ainda há «muita falta de informação», daí a necessidade de prosseguir com o trabalho de «capacitação», em conjunto com os embaixadores para que estes «continuem a transmitir informação sobre a violência às comunidades locais».