O Cine-Teatro de Porto de Mós acolheu, no dia 23 de setembro, uma sessão de esclarecimento sobre a 1.ª Alteração da 1.ª Revisão do Plano Diretor Municipal (PDM). A sessão contou com a participação de dezenas de pessoas, oriundas de vários pontos do concelho, o que diz bem do interesse manifestado pelos portomosenses, desde o simples cidadão com um terreno e que à luz desta alteração em curso pretendia questionar se podia lá construir, até ao investidor ou pequeno construtor, que investiu com a expectativa de construir ou vender para construção e queria, agora, saber se o investimento sairia gorado. Uns e outros levavam a mesma expectativa mas esta cedo se desvaneceu: tanto o presidente da Câmara, Jorge Vala, como as duas técnicas da empresa responsável pela elaboração, revisão e alteração do PDM, deixaram bastante claro, e foram-no lembrando ao longo da sessão, que o que está agora em cima da mesa é uma alteração e não uma revisão ao documento pelo que, por força da lei, as mudanças de maior monta por que todos ansiavam, a serem possíveis, só mesmo através de um procedimento de revisão ao PDM.
Por sua vez, uma das técnicas, Catarina Matias, explicou que a alteração visa, entre outras, adequar o PDM à “Lei dos Solos”, nomeadamente do que diz respeito à passagem do, até agora, solo urbanizável para solo rústico ou urbano. Por se tratar de uma mudança significativa pelo impacto que tem, será mesmo a mais importante.
Assim, enquanto até 2014 a legislação contemplava a existência de três tipos de solos quanto ao seu uso – rústico, urbanizável e urbano –, a chamada “Lei dos Solos”, publicada nesse ano, veio acabar com o conceito de “solo urbanizável”. Nesse sentido, o que se pretende agora é decidir se determinado terreno, até aqui “urbanizável”, passa a rústico ou a urbano. Para passar a urbano, é condição estar situado «numa área já ocupada com edifícios ou ao longo de vias públicas com, pelo menos, abastecimento de água mas, de preferência, também com saneamento e rede elétrica», esclareceu.
Quase todas as reclamações foram rejeitadas
De acordo com Olga Prada, a outra técnica, no âmbito da alteração que está a decorrer «foram recebidas 110 participações de munícipes, mas apenas 15 foram aceites», por as restantes não se enquadrarem naquilo que são os propósitos da mesma. Por igual razão, a primeira versão da proposta levada à CCDR teve de ser alterada mesmo em aspetos em que era entendimento dos técnicos que «bastava um bocadinho para ficarem resolvidos uma série de problemas».
Olga Prata sublinhou que o Município quer resolver muitas das situações apresentadas mas não o pode fazer. «É uma coisa que custa a vocês e a nós porque mesmo concordando, tecnicamente, com algumas», as entidades não nos autorizam qualquer mudança porque a alteração dá-se, apenas, com o propósito de adequar o PDM à legislação em vigor» concluiu.
Fim das áreas urbanizáveis criticado
Durante a sessão foram vários os populares e autarcas que manifestaram a sua discordância com a extinção das áreas urbanizáveis (espaços territoriais que podiam ou não ter já ocupação urbanística e infraestruturas e que, em circunstâncias normais, seriam zonas de expansão futura) e a consequente classificação dos terrenos como solo “rústico” ou “urbano”.
A obrigatoriedade já está em vigor desde 2014, no entanto foi dado como prazo máximo para a reclassificação o ano de 2023 e é isso que agora, a nível local, está a ser feito. De acordo com uma fonte do anterior executivo camarário PS, a alteração não foi feita na época, apesar da revisão do PDM ser de 2015, porque «depois de tantos anos para conseguir a aprovação do PDM entendeu-se que as perdas com mais um atraso seriam muito maiores que os ganhos, até porque a extinção das áreas urbanizáveis, no conjunto da população, só afetava e afeta uma minoria».
Razões ou não à parte, os presidentes de Junta de Mira de Aire, Serro Ventoso e Juncal consideraram no decorrer da sessão que a extinção prejudica as suas freguesias e «é mais um contributo para a desertificação». Por sua vez, João Lavado Pereira, munícipe mirense, ilustrou bem o desânimo e a frustração de todos aqueles que se sentem prejudicados. «Algumas pessoas fizeram investimentos, compraram terrenos com uma expectativa que agora sai gorada e, além disso, vão ser prejudicadas, porque todos os anos vão ser obrigadas à limpeza dos terrenos, ao abrigo da lei contra incêndios», disse o munícipe.
«O que faz uma pessoa com um terreno de três ou quatro mil metros quadrados que não pode florestar porque tem habitações a menos de 50 metros, que não pode rentabilizar para agricultura porque não é viável, dado vivermos numa zona de pedra. Será que vai ter que o doar à Câmara ou a alguém para se ver livre dele?», questionou, desanimado.
Presidente da Câmara quer avançar com revisão do PDM
«O que estamos a fazer agora, já podia ter sido feito há muito. A chamada “Lei dos Solos” foi publicada em 2014 e o PDM em agosto de 2015, portanto podia já ter acomodado essa legislação e evitávamos estar aqui hoje», disse o presidente da Câmara, na abertura da sessão de esclarecimento. De acordo com o autarca, como isso não aconteceu, agora já não há mais margem de manobra: ou é feito até ao final de 2023, ou o Município fica impedido de apresentar candidaturas a fundos comunitários. Pode ainda ver a sua ação condicionada no âmbito do próprio PDM.
A “alfinetada” ao executivo camarário que à época dirigia os destinos do Município foi repetida mais vezes nas intervenções e respostas do autarca mas não foi a única. Jorge Vala lamentou também que a atual alteração só fique «meio cumprida» por “culpa” do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que apesar de já ter concluído há um ano a passagem do seu plano de ordenamento a programa, ainda não procedeu à sua publicação. Ora, como este último se sobrepõe em termos legais ao PDM, para acomodar algumas das novas regras, o Município será obrigado a fazer nova revisão do seu Plano Diretor.
Segundo o autarca, o PDM de 2015 está com algumas «incompatibilidades relativamente à carta de Reserva Ecológica Nacional (REN)», com «um conjunto vasto de erros que são naturais» mas que precisam ser corrigidos e não o podem ser agora porque o processo de alteração não o permite, e com outras «ambiguidades» que urge resolver.
Assim, a intenção da Câmara é logo que a alteração seja publicada, iniciar o processo de revisão do PDM porque é algo sempre demorado. A propósito, Jorge Vala confessa que para si «é impensável que demore mais de três ou quatro anos a rever um PDM» mas, de facto, «foram necessários 14 para o de Porto de Mós», lembrou.
Jorge Vala, mostrou-se, ainda, bastante crítico dos «decisores de gabinete» que tomam decisões que condicionam a vida de muita gente «sem sequer saírem do conforto dos seus gabinetes para verem a realidade no local» e que se mostram inflexíveis fazendo uma interpretação cega da lei e das regras em vigor, situação que no seu entender está longe de ser rara.
Fotos | Isidro Bento