No mundo da cultura da azeitona e do azeite, é certo e sabido que a um ano de safra sucede um de contra-safra – depois de uma boa produção, a seguinte é sempre, ou quase sempre, de quebra acentuada. Até aqui tudo bem, os produtores já sabem que é assim. O pior é que de 2021 para 2022 tudo indica que se passará do “8 ao 80”, ou melhor será dizer do “80 ao 8”. Depois daquele que terá sido o melhor ano de que há memória, 2022 arrisca-se a ser um dos piores atirando a produção para níveis de 2016 ou 2017. No ano passado, bateu-se o recorde com 200 mil toneladas de produção de azeite. Este ano, se chegar às 75 mil «já é uma sorte». E se o cenário é negro a nível nacional, mais preocupante, ainda, é a nível regional, como nos confirmaram os responsáveis por três dos lagares de azeite existentes no concelho.
José Vieira, do lagar Casa Feteira, na Tremoceira (Pedreiras), fala de «uma quebra média de 80% na nossa zona», realçando que «para alguns agricultores foi de 100% porque não apanharam nada, caiu tudo». No seu caso, o ano será de dupla perda: o lagar que pertence à família irá ter muito menos trabalho e ele próprio, enquanto proprietário, regista uma quebra de produção de 90%. «No ano passado, no nosso lagar, moemos cerca de 1 300 toneladas. Este ano vamos lá ver se chegamos às 100. Uma desgraça, portanto», reforça.
Já Paulo Morgado, do Azeite Morgado, nos Telhados Grandes (São Bento), aponta para uma quebra «de mais de 70%». «A zona de São Bento é muito afetada. Nos últimos 20 anos, este deverá ser o ano com menos azeitona», adianta, referindo que, apesar de se registar uma quebra geral, a situação não é igual em todo o concelho e, para isso, muito contribuirá o facto das pessoas tratarem ou não os seus olivais. «Em São Bento, Alvados e em toda a zona da serra, não há o hábito de tratar, mas em Porto de Mós e no Juncal, por exemplo, há, e isso faz alguma diferença», explica. «Nós também produzimos mas este ano não tivemos, é um olival velho», adianta, reconhecendo que também será penalizado por não ter produção e por, por sua vez, os outros produtores estarem a entregar muito menos azeitona no seu lagar.
Encerra o painel, Pedro Martins, do lagar Ingrediente Mourisco, de Alvados, que apresenta números mais modestos mas mesmo assim, no seu entender, bastante preocupantes. «Estamos a trabalhar há apenas dois anos e o que notamos é uma quebra na ordem dos 40 a 50%. Tínhamos pessoas que nos deixavam três ou quatro toneladas de azeitona e este ano deixam uma. Nós trabalhamos com pequenos produtores e o que está a acontecer é que, nalguns casos, a produção é tão curta que nem sequer perdem tempo a apanhá-la», realça.
Preço do azeite deverá aumentar significativamente
Se a lógica da safra e contra-safra não justifica a brutal quebra de produção, afinal, quais são as outras razões que estão por trás da redução? Para José Vieira, da Casa Feteira, as «alterações climáticas» e «o verão mais quente dos últimos 200 anos» explicam uma parte. Os efeitos causados pelo incêndio que, em 2017, destruiu de forma significativa o Pinhal de Leiria» justificarão outra. «Os reis quando mandaram plantar aquela mancha de pinheiro-bravo não o fizeram por acaso ou só a pensar na madeira que usariam para construir navios. Sabiam que estavam a construir um filtro para segurar os ventos marítimos e conter as maresias, para que as pessoas pudessem cultivar. Ora, destruído o pinhal, esse efeito desapareceu e as consequências aí estão, não só para nós mas para outras áreas como a horticultura», explica.
Apesar de achar que a olivicultura biológica é o caminho e o futuro, José Vieira reconhece que o abandono (e bem, no seu entender) dos produtos fitossanitários mais agressivos e tóxicos faz com que as pessoas tenham mais dificuldade em manter a azeitona sã e tanto tempo como era habitual. Paulo Morgado, do lagar Azeite Morgado, concorda e acrescenta outro fator: as altas temperaturas que se fizeram sentir. «Em algumas partes do concelho, a azeitona até nasceu bem mas depois o calor intenso de maio e junho veio estragar tudo». Por sua vez, Pedro Martins reconhece que é fácil culpar as alterações climáticas (que são, aliás, um facto que não nega), mas, na sua opinião, passa também bastante «pelo facto de muitos produtores não cuidarem dos seus olivais em termos de terrenos e da aplicação de produtos químicos para que as oliveiras produzam todos os anos e em qualidade».
Para os três é inegável que há menos azeitona, mas o azeite é de melhor qualidade. «As pessoas trazem pouca azeitona, mas a que trazem é “do ar” e vem sã. Em termos de qualidade, será tão boa ou melhor que a do ano passado e, em termos de rendibilidade, parece que também é melhor. Há anos em que 100 quilos de azeitona dão nove ou 10 litros de azeite e outros em que dão 14 ou 15 e eu acho que estamos perante um destes últimos», refere José Vieira, explicando que, «como choveu pouco, a azeitona quase não traz água, logo, o rendimento é mais alto». «No ano passado rondou os 11 litros e agora estará nos 13/14». «O azeite tem um bocadinho mais de acidez mas, por outro lado, é melhor porque tem um sabor mais apaladado. As pessoas costumam dizer que sabe mais a azeite», frisa Paulo Morgado.
Garrafão a 30 ou 35 euros
Havendo muito menos azeitona será que o preço do azeite vai aumentar? Sem dúvida, respondem perentórios. «Os preços no mercado internacional já quase duplicaram e eu acredito que em pouco tempo um litro possa vir a custar oito ou nove euros», diz José Vieira. Os seus colegas concordam, mas apontam um cenário mais otimista em que um aumento de cerca de dois euros atire o preço para «os seis ou sete euros por litro». «Ainda há muita gente que tem do ano passado, mas se para o ano voltar a ter pouco é que vai ser mais complicado», refere Paulo Morgado, adiantando que, «no Alentejo, há muita azeitona nos olivais novos, mas ninguém está interessado em vender azeite porque está à espera que aumente». «Vai para 30 ou 35 euros o garrafão. Nós já o estamos a vender a 27,50 euros e a cooperativa de Fátima vai começar nos 30 euros. Sinceramente, não sei onde é que isto vai parar», frisa. «Em 40 anos, o azeite manteve quase sempre o mesmo preço. Era eu pequeno e o meu pai já o vendia a 750/800 escudos (a cerca de quatro euros). Agora está nos cinco euros e vai aumentar, mas as pessoas não estão preparadas para isso», conclui.
Foto | Isidro Bento